Associação entre bolsonaristas e grupo neonazista da Ucrânia incomoda a Rússia

Bandeira de movimento radical surge em atos em favor do presidente brasileiro

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São Paulo

O uso da bandeira de um movimento de extrema direita da Ucrânia em ato bolsonarista no Brasil gerou desconforto em Moscou.

Integrantes do corpo diplomático na capital russa ouvidos pela Folha ficaram surpresos ao ver fotos que circularam em redes sociais de uma manifestação em favor do presidente Jair Bolsonaro no domingo passado (24).

Em um protesto na avenida Paulista, foi desfraldado sobre um carro de som um estandarte preto e vermelho com o tradicional tridente do brasão nacional ucraniano.

O símbolo foi visto, ao lado da bandeira nacional ucraniana, nas manifestações pró-Bolsonaro neste domingo (31).

Manifestante carrega bandeira da Ucrânia (preta e vermelha) em ato pró-Bolsonaro na avenida Paulista, em São Paulo
Manifestante carrega bandeira de movimento de extrema direita da Ucrânia (preta e vermelha) em ato pró-Bolsonaro - Marlene Bergamo/Folhapress

Trata-se do símbolo do Pravyi Sektor (Setor Direito), organização paramilitar criada em 2013 que virou partido político na Ucrânia.

O grupo é banido na Rússia por ser considerado neonazista e terrorista. Isso remonta ao golpe que derrubou o governo pró-Kremlin de Kiev no começo de 2014.

O Pravyi Sektor era uma das organizações envolvidas em combates de rua.

A mais importante delas, o Batalhão Azov, foi incorporada à Guarda Nacional ucraniana após a vitória
dos revoltosos anti-Moscou.

Essa unidade tem um brasão inspirado em runas da SS nazista, e busca paralelo histórico nas unidades de resistência à União Soviética que lutaram ao lado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

Não são raras as fotos de integrantes desses grupos com bandeiras nazistas em seu combate contra os separatistas pró-Moscou do leste ucraniano. É uma trama nuançada, que se repete em diversos países, como os Estados Bálticos ou a Croácia, em que a luta contra o comunismo teve intersecção com a presença dos invasores fascistas —muitas vezes com puro colaboracionismo.

Seja como for, a briga caiu no Brasil de Bolsonaro. Postagens de redes sociais correram para apresentar o “apoio neonazista” ao presidente.

Em 28 de abril, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) havia engrossado o caldo da discussão com uma postagem defendendo a “ucranização do Brasil”.

“Trata-se [a ucranização] de combater partidos e políticos corruptos. A bandeira da organização Pravyi Sektor é levantada por um indivíduo e outro”, disse Silveira.

O deputado ficou conhecido por rasgar na campanha de 2018 placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL-RJ) e foi intimado para depor no inquérito que apura fake news no Supremo Tribunal Federal.

Questionado por mensagem se ele ou algum organizador de protestos pró-Bolsonaro teve algum contato com o Pravyi Sektor, Silveira não deu continuidade à conversa.

A Ucrânia surge também no discurso da ativista bolsonarista Sara Giromini, que usa o nome de guerra Sara Winter, o mesmo de uma notória espiã nazista britânica.

Sara, que participa do grupo de radicais 300 do Brasil, que acampa em Brasília e pede intervenção no Legislativo e no Judiciário, tuitou em 20 de abril que havia sido “treinada na Ucrânia” ao defender a “ucranização” tropical.

Ela já foi membro do grupo feminista ucraniano Femen, mas nunca ficou claro qual treinamento teria tido —a Folha não a localizou.

O grupo ao qual ela pertence alegadamente tem armas em seus acampamentos na capital federal.

Sara, que esteve num protesto com alguns militantes com tochas à frente do Supremo Tribunal Federal na noite de sábado (30), foi alvo da operação da Polícia Federal sobre redes de fake news na semana passada.

Já houve rumores anteriores sobre ligações entre as extremas direitas brasileira e ucranianas antes. Em 2017, a polícia gaúcha encontrou material alusivo aos europeus em batidas dadas contra grupos neonazistas, mas o elo efetivo nunca foi estabelecido.

Segundo a Folha ouviu de pessoas com conhecimento no assunto no Itamaraty, nunca houve ligação comprovada de brasileiros com o Pravyi Sektor.

Por outro lado, é notória a presença de brasileiros nas fileiras adversárias do grupo.

Em 2014, Rafael Lusvarghi ganhou notoriedade por unir-se, após ser preso em protestos contra a Copa do Mundo, a forças pró-Rússia na região de Lugansk.

Após a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev, o presidente Vladimir Putin anexou a Crimeia, região ucraniana de maioria étnica russa.

Na sequência, fomentou o separatismo no leste do país, de fato controlado por duas “repúblicas populares” também de maioria russa baseadas em Lugansk e Donetsk.

O conflito matou até hoje mais de 13 mil pessoas e está inconcluso, sendo o mote das sanções ocidentais contra o governo de Vladimir Putin.

Lusvarghi reapareceu no noticiário em 2018, quando foi preso por milicianos do Azov e entregue às autoridades em Kiev. Acabou solto e virou um monge ortodoxo nas áreas russas ucranianas, ainda sob vigilância de Kiev.

O tema é extremamente sensível na Rússia, o que explica o interesse numa bandeira do Pravyi Sektor num ato associado ao governo brasileiro.

A embaixada da Rússia não comentou o caso, ressaltando que a organização é banida em seu país.

Já a da Ucrânia reagiu a uma nota da revista Veja sobre o incidente associando a bandeira às cores nacionais no século 16 e rechaçando as ligações neonazistas apontadas.

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