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Candidato de Evo acusa Añez de adiar eleições para desgastar concorrentes

Luis Arce defende realização de pleito, apesar dos riscos da pandemia de coronavírus

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Buenos Aires

"Estou preso em casa, enquanto Jeanine Añez faz campanha, inaugurando obras o dia inteiro, para uma eleição que não sabemos quando nem como vai acontecer."

Luis Arce, 56, conhecido pela calma e pelo tom de voz sempre amistoso, desta vez soa irritado em entrevista à Folha, por telefone.

Ex-ministro da Economia de Evo Morales entre 2006 e 2017, Arce é o candidato do MAS (Movimento ao Socialismo) para a eleição presidencial da Bolívia marcada inicialmente para 3 de maio, mas suspensa por causa da pandemia do coronavírus.

Esperava-se que o pleito colocasse fim à série de tensões, ataques violentos e instabilidade política que ocorreram depois de divulgado o resultado da votação de outubro, que deu a vitória a Evo.

O candidato Luis Arce, do MAS, durante evento de campanha em El Alto, na Bolívia
O candidato Luis Arce, do MAS, durante evento de campanha em El Alto, na Bolívia - David Mercado - 8.fev.20/Reuters

Contestado pela oposição e por organismos internacionais, o resultado da votação foi cancelado.

Na sequência, Evo renunciou e partiu para o exílio. A então vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, numa manobra polêmica, assumiu o poder, com a missão de recompor o tribunal eleitoral e convocar eleições.

Ela o fez, mas, diferentemente do que disse ao assumir, resolveu disputar o pleito.

"Estamos numa ditadura, há perseguição a colegas do partido, estou vigiado o dia todo. O Exército está nas ruas para fazer cumprir as regras da quarentena", diz Arce.

"Nem eu nem todos os outros candidatos podemos sair de casa para atos ou entrevistas na TV, enquanto ela está o dia inteiro fazendo campanha, assim como seu candidato a vice [o empresário Samuel Doria Medina]"

Segundo pesquisa divulgada antes da pandemia, realizada pelo instituto Ciesmori, haveria um segundo turno no país. Arce (esquerda) surge como favorito, com 33,3% das intenções de votos, seguido de Carlos Mesa (centro-esquerda), com 18,3%, e da própria Añez (direita), com 16,9%.

Inicialmente, o Executivo havia proposto que a nova eleição ocorresse em outubro. O Parlamento, no qual o MAS tem maioria, conseguiu aprovar que a eleição ocorra até, no máximo, a primeira semana de agosto.

Agora, o tribunal eleitoral tem a palavra final, e ainda não se pronunciou de forma definitiva.

"Nós tememos seriamente que Añez pressione o tribunal, que foi formado por ela, para adiar as eleições até o ano que vem. É o desejo dela, para que dê tempo de desgastar ainda mais a nossa candidatura", diz Arce.

O candidato também acusou a atual presidente de avançar sobre os meios de comunicação, controlando a verba publicitária em troca de apoio.

Na segunda-feira (11), Añez aprovou um decreto que sanciona a "desinformação como delito contra a saúde pública", ou seja, quem publicar reportagens ou conteúdos sobre o novo coronavírus que o governo considere falsos pode pegar de um a cinco anos de prisão.

"Esse tipo de intimidação da imprensa, da liberdade de expressão, está sendo feita assim, de forma indireta, como se no fundo importasse a saúde das pessoas, mas é uma maneira de inibir críticas à forma como o governo tem lidado com a pandemia", diz o economista.

Segundo dados oficiais, a Bolívia tem 2.556 infectados e 118 mortos. A oposição aponta que há poucos testes sendo feitos e que as cifras devem ser maiores.

O próprio governo admitiu que o número de casos está aumentando. No último domingo (10), o chefe de epidemiologia do Ministério da Saúde, Virgilio Prieto, chamou a atenção para a escalada de casos, especialmente em comunidades pobres, como a cidade de El Alto, na região metropolitana de La Paz.

Para Prieto, a Bolívia pode chegar aos 4.000 infectados ainda nesta semana. Na segunda-feira (11), um preso morreu de coronavírus e causou um motim na penintenciária de Palmasola, em Santa Cruz de la Sierra.

"A administração da pandemia aqui está muito mal feita. Santa Cruz está cheia de casos não registrados, e isso muito por conta da proximidade com a fronteira com o Brasil, que continua sem ser controlada", afirma o candidato.

Com cerca de 70% de sua população na informalidade, Añez lançou programas de assistência a comunidades mais carentes. Mas vem sendo criticada pela oposição.

"Há filas enormes para retirar um benefício que não chega a US$ 10 [R$ 59], e que não chega até a informalidade mais baixa, que são as pessoas que não pagam impostos ou que não estão inscritas em outros planos do governo", diz ele.

Apesar da pandemia, o MAS defende que as eleições ocorram o quanto antes. "Sabemos que é arriscado, mas mais arriscado é atravessar a pandemia com um governo ilegítimo, que está manejando mal a crise de saúde e decidindo coisas que não lhe competem", diz Arce.

Ele dá como exemplo a renegociação dos contratos de exportação de gás ao Brasil, além de definições sobre o lítio, outro produto de exportação da Bolívia.

"Essas decisões alteram nosso sistema produtivo, mudam nossa relação com nossa soberania com relação aos recursos naturais. Não podem ser tomadas por um governo ilegítimo."

Arce diz que, caso eleito, sua prioridade será garantir a segurança alimentar dos bolivianos e apresentar um programa de intervenção do Estado na economia de médio a longo prazo.

"Como vínhamos fazendo, e com sucesso, quando Morales era presidente", afirma. "Será preciso pedir dinheiro emprestado, a diferença é que usaríamos o dinheiro emprestado neste projeto. Añez já pediu US$ 11 milhões no total, e não se vê onde está gastando."

Sobre uma possível relação dele como presidente com seu par brasileiro, Arce disse que seria "pragmática, uma relação de vizinhos, porque ideologicamente estamos em campos muito opostos".

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