"Mas como você vai comer com a máscara?"
A pergunta da minha filha de quase três anos me fez revisar mais uma vez a lista de regras antes de sair para almoçar no último final de semana, quando restaurantes reabriram após mais de 50 dias de quarentena em Austin, no Texas.
O estado está entre os que flexibilizaram medidas de isolamento adotadas para mitigar a propagação da Covid-19. Na última semana, liberou abertura de lojas e restaurantes, com restrições e regras aos clientes e aos funcionários.
Usar máscara é uma delas. Quem for comer fora deve manter a proteção no rosto "quando não estiver na mesa", diz o guia divulgado pelo governador, o republicano Greg Abbott, no dia 27 de abril.
Sim, é impossível comer com uma máscara, mas é recomendado usá-la enquanto não estiver comendo.
Voltar a um restaurante após quase dois meses de quarentena nos EUA é estar num mundo diferente daquele em que vivíamos antes da Covid-19. O novo normal impõe dúvidas e hábitos que seriam bizarros sem a pandemia.
Garçons de máscara anotavam pedidos a passos de distância das mesas e dos clientes e serviam os pratos com luvas no Cisco's, na região oeste de Austin, no sábado (2).
O local é famoso por ser um dos mais antigos restaurantes de tex-mex, culinária que mistura pratos e temperos mexicanos com outros do sul dos Estados Unidos.
Aberto em 1950, o Cisco's entrega o que um restaurante tradicional —tipo as cantinas de São Paulo— costuma ter: decoração bagunçada, com recortes de jornal enquadrados, fotos na parede de clientes famosos (dos ex-presidentes George Bush e Lyndon Johnson ao ator Kevin Costner), garçons simpáticos e comida farta e apetitosa.
Com a maioria dos lugares disponíveis ocupados por clientes, os funcionários não tinham dificuldade para se locomover nos dois salões do restaurante. O governo local determinou que os estabelecimentos que aderirem à reabertura podem operar, no máximo, com 25% da capacidade normal.
Para cumprir a regra, uma pequena reforma precisou ser feita no local. Mesas e cadeiras foram guardadas num terceiro salão, que está fechado.
Clientes antigos estranharam o espaço maior entre as mesas e cadeiras. Um novo item de decoração também chamava a atenção: tubos de álcool em gel fixados na parede para quem quisesse desinfetar as mãos.
"É bom poder sair de novo", comemorava o publicitário Andrew Alcid, 30, enquanto aguardava no balcão, onde três em cada quatro bancos tinham um aviso colado: não sente aqui.
O guia de normas do governo para a reabertura diz ser proibido mesas com mais de seis clientes. Além disso, orienta os empresários a manter uma limpeza permanente do local durante o expediente.
Os funcionários do Cisco's se esforçavam para seguir as regras. A cena de um garçom jogando desinfetante e passando um escovão no chão enquanto clientes comem deve virar rotina nos EUA.
O proprietário do Cisco's não quis falar com a Folha. Uma das garçonetes afirmou que ele disse estar muito ocupado.
"Depois de mais de um mês sem clientes aqui, temos que recuperar o tempo perdido", completou Amanda, 35, com um sorriso atrás da máscara.
Reabertura tem adesão restrita de restaurantes
Mais da metade dos estados americanos já anunciou o afrouxamento das restrições impostas em razão da Covid-19. País com maior número de contaminados (1,1 milhão) e mortes (68 mil) em decorrência da doença, os EUA ensaiam a reabertura da sua economia.
O movimento é incentivado pelo presidente Donald Trump e questionado por cientistas.
Os tipos de estabelecimento liberados para funcionar e as regras variam em cada estado. Os governos locais têm poder para decidir quando e como será a reabertura.
Na Geórgia, o republicano Brian Kemp foi um dos primeiros a implementar um plano de afrouxamento das restrições, no dia 27 de abril. Ele liberou não só restaurantes mas outros serviços, como academias de ginástica, teatros, cinemas e salões de beleza.
Com mais de 27 mil contaminados e mil mortes confirmadas por Covid-19, o estado adotou a estratégia mais radical de abertura. Na capital Atlanta, o plano foi criticado pela prefeita democrata Keisha Lance Bottoms e até mesmo por proprietários de restaurantes.
Na primeira semana sem restrições, um grupo formado por mais de cem estabelecimentos divulgou uma campanha desencorajando os empresários a abrirem as portas em meio à pandemia.
"Acreditamos que é o melhor para os nossos funcionários, clientes, comunidade e para a indústria do entretenimento manter os restaurantes fechados", afirmou o movimento batizado de #GAHospitalityTogether.
Em Austin, a maioria dos restaurantes preferiu seguir sem receber clientes. Muitos mantiveram a cozinha funcionando apenas para serviços de entrega. É o caso do Franklin BBQ, famoso pelo seu brisket (peito de boi) defumado e sua fila de mais de uma hora.
"O fato de estar liberado abrir os restaurantes não quer dizer que os clientes vão se sentir seguros", afirmou o proprietário, Aaron Franklin, à revista Texas Monthly.
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