Dia #56 – Sexta, 8 de maio. Cena: Tinder vai liberar videoconferência para usuários.
Na fase zero da desescalada do confinamento, Barcelona assume mil caras ao longo de cada dia.
De manhã cedinho, a cidade é esportiva: saem principalmente os madrugadores, que aproveitam pra fazer seu footing, pedalada ou corrida até as 10h, quando entram em cena os idosos.
Daí até o meio-dia, é hora de apreciar mil longevos circulando com seus carrinhos de compra e cachorros. Casais de mãos dadas avançam em ritmo suave. Do meu posto de observação (aka varanda de um quarto andar), vejo cabeças grisalhas juntas passando pelo filtro das copas das árvores, que vão ganhando mais flores a cada dia. Meu corazónzinho "late" (cousa curiosa, aqui coração não bate) com terrrnura.
Outros idosos circulam sozinhos, o passo contemplativo. Lembro de novo do meu avô Waldemar, que gostava de dar seu rolê cotidiano ali pela 9 de Julho, as mãos cruzadas nas costas, o corpo ligeiramente inclinado pra frente.
Da minha sacada, avisto uma reunião improvisada na esquina. Se saúdam a distância. Acostumando-se a trocar ideia de longe, brevemente, um pé adiante e outro pé atrás, preparados para fugas imaginárias.
E, pela tarde, Barcelona é das crianças.
Das 17 comunidades autônomas espanholas, oito não registraram nenhuma hospitalização em UTIs nas últimas 24 horas.
Mas a principal felicidade do dia para os barceloneses é a reabertura das praias para prática de esportes nesta sexta-feira (8).
Durante esta primeira semana de pré-desescalada, a orla marítima da cidade permaneceu interditada.
Uma noite dessas, quando baixei até a praia pedalando uma das bicicletas vermelhas públicas, vi claramente uma linha de corpos passeantes circulando bem próximos às fitas plásticas que impediam a passagem para a areia. Todo mundo queria estar o mais pertinho possível do mar, ó máaaa.
Na tevê, os especialistas debatem: coronavírus passa por água salgada? E água doce?
O quase-consenso é de que os riscos são um pouco maiores em água doce.
Nesta sexta, a Guarda Urbana de Barcelona teve um moderado trabalho nas praias da cidade. O "ciudadano" pode correr, nadar ou surfar sozinho. Ainda não está permitido circular em companhia, passear ou tomar sol na areia. As partidas de vôlei que começam a ser montadas em massa nesta época vão ter que esperar pelo menos até a fase 3 da desescalada.
(Eu cá com mis botones me pergunto a partir de que velocidade o passeio passa a ser esporte.)
Enquanto vamos ajustando nossas expectativas em relação ao verão mediterrâneo 2020, uma notícia acrescenta pinceladas à perspectiva-sobre-o-futuro: os chiringuitos, bares à beira-mar, decidiram não abrir neste ano.
Isso significa, em Barcelona, 600 empregos menos, e nada de drinques coloridos ou vinhozinho superfaturado em quiosques de decoração turística com neon e coqueiros, ao som de música lounge-eletrônica (hay que decirlo).
Além das dificuldades de levantar o negócio em um contexto de varandas reduzidas e mil regras de distanciamento social, os negócios alegam que sofreriam com a previsível ausência de turistas estrangeiros neste verão.
Enquanto isso, entre os amigos, falamos que este pode ser o ano do piquenique. Um de meus eventos sociopraieiros preferidos...
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.
DIÁRIO DE CONFINAMENTO
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Dia 1: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'
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Dia 2: 'Teste, só para pacientes internados'
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Dia 3: 'A vida vista de cima'
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Dia 4: 'Panelaço contra o rei'
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Dia 5: 'O perigo mora em casa'
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Dia 6: 'Solidariedade em tempos de vírus'
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Dia 7: 'O lado utópico da crise'
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Dia 8: 'O canto dos pássaros urbanos'
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Dia 9: 'Os de baixo ficam sem banquete'
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Dia 10: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'
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Dia 11: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'
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Dia 12: 'Tensão cresce em diferentes setores'
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Dia 13: 'Único tratamento agora é a disciplina'
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Dia 14: 'Os domingos são como segundas, e as segundas como domingos'
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Dia 15: 'Cada incursão ao exterior é uma operação de guerra'
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Dia 16: 'Começam a proliferar os vigilantes da lei entre os cidadãos'
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Dia 17: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 18: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 19: 'A vida vai registrando uma sucessão de recordes negativos'
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Dia 20: 'Come chocolates, pequena'
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Dia 21: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'
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Dia 22: 'Separados por confinamento, casais marcam encontro no supermercado'
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Dia 23: 'Independentemente da duração, todos sabemos o que é uma quarentena'
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Dia 24: 'A manhã começou com um tutorial japonês maravilhoso sobre tofu'
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Dia 25: 'Espanha testará 30 mil famílias'
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Dia 26: 'Hoje deu vontade de ver o mar'
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Dia 27: 'Perspectiva é de que quarentena tenha prorrogação-da-prorrogação'
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Dia 28: 'E eu, sou não-essencial?'
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Dia 29: 'Qual é a importância das pequenas coisas?'
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Dia 30: 'Após um mês, os espanhóis (alguns) voltam às ruas'
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Dia 31: 'Não há ninguém para colher cerejas'
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Dia 32: 'Queremos pedir que você busque outra casa'
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Dia 33: 'Sobre política e pardais'
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Dia 34: 'As mandíbulas de Salvador Dalí'
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Dia 35: 'Escola, só no ano que vem'
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Dia 36: 'A Nova Normalidade'
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Dia 37: 'A dor é temporária; o orgulho é para sempre'
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Dia 38: 'O início da reconstrução'
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Dia 39: 'O elaborado ritual do passeio em família'
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Dia 40: 'A cidade mascarada'
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Dia 41: 'Um Dia dos Namorados diferente'
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Dia 42: 'Sair, sim, mas com separação de brinquedos'
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Dia 43: 'Tínhamos que tomar decisões duras e rápidas'
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Dia 44: 'A cidade das crianças'
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Dia 45: 'Isso não acabou'
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Dia 46: 'Quatro etapas para o verão'
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Dia 47: 'As piedras no caminho'
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Dia 48: 'O jeito luso'
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Dia 49: 'As novas regras do rolê'
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Dia 50: 'Sobre crânios e crises'
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Dia 51: 'Um dia inesquecível'
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Dia 52: 'Começa o descofinamento'
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Dia 53: 'O comandante e as ovelhas'
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Dia 54: 'Confinados por um fio'
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Dia 55: 'O calor e o jogo do contente'
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Dia 56: 'A Barcelona de mil caras'
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Dia 57: 'Redescobrindo o amor'
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Dia 58: 'Espanha avança pela metade'
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Dia 59: 'O voo da discórdia'
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Dia 60: 'O ano que não houve'
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Dia 61: 'Passando de fase'
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Dia 62: 'Sobre manifestações e cabeleireiros'
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Dia 63: 'San Isidro com flores e máscaras'
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Dia 64: 'Dá medo, medinho, medaço'
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Dia 65: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'
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Dia 66: 'Quentinhas de luxo'
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Dia 67: 'Brasil para espanhol ver'
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Dia 68: 'Parecia Copacabana'
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Dia 69: 'O passinho do lagarto'
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Dia 70: 'As pessoas meio que gritam entre si'
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Dia 71: 'O augúrio chinês'
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Dia 72: 'Estamos enlouquecendo?'
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Dia 73: 'Nazaré confusa e fila pra cerveja'
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Dia 74: 'Enquanto julho não vem'
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Dia 75: 'Contemplemos, meditemos, recordemos'
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Dia 76: 'A fábula do terrorista e da marquesa'
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Dia 77: 'O informe da discórdia'
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Dia 78: 'Lições da cólera em tempos de coronavírus'
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Dia 79: 'Nos deram um pouco de liberdade e agimos como se o vírus não existisse'
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Dia 80: 'Sem pressa, mas sem pausa'
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Dia 81: 'Botellones, a nova discoteca pós-Covid'
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Dia 82: 'Pandemia, crise e racismo'
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Dia 83: 'Sair da UTI para ver o mar'
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Dia 84: 'A senhora deu positivo e deve se isolar imediatamente'
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Dia 85: 'A verdade é que é uma incerteza para todos'
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Dia 86: 'A cultura de bar na Espanha é expressiva'
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Dia 87: 'Todo cuidado é pouco e, inclusive, pode não ser suficiente'
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Dia 88: 'O vírus segue sendo uma ameaça'
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Dia 89: 'O fogo que nunca se apaga'
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Dia 90: 'Uma bolha, uma família'
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Dia 91: 'Músicos do mundinho, uni-vos'
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Dia 92: 'Como um clube de jazz dos anos 1930'
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Dia 93: 'Dinheiro pode estar com os dias contados no pós-pandemia espanhol'
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Dia 94: 'Uma vida de mil e uma regrinhas'
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Dia 95: 'Cada dia, ao chegar em casa, me isolava da minha família'
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Dia 96: 'Abraços, mesmo que de plástico'
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Dia 97: 'Em casa com o agressor'
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Dia 98: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'
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Dia 99: 'O ídolo pop e as amêndoas'
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