Diário de confinamento: 'Enquanto julho não vem'

Falta dinheiro, avião nem pensar, vamos de carro: medo e cautela dão tom das férias de verão

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Barcelona

Dia #74 – Terça, 26 de maio. Cena: Dios, como voa el tiempo.

A figura grave e sempre bem barbeadex do premiê espanhol, Pedro Sánchez, ganhou as manchetes internacionais no último fim de semana.

Motivo: a felicidade do estrangeiro, que vai poder voltar a nos visitar a partir de julho. A Espanha é o segundo país mais turistado do mundo, só atrás da França.

Apenas um minuto depois de Sánchez anunciar a reabertura das fronteiras espanholas, no sábado, as buscas por hotéis na Espanha no Google dispararam 68%, chegando a um 142% de aumento ao longo do fim de semana.

Banhistas na praia de El Arenal, em Mallorca, na Espanha
Banhistas na praia de El Arenal, em Mallorca, na Espanha - Enrique Calvo - 25.mai.20/Reuters

Atualmente, quem quer entrar no país (por necessidade, somente) deve se submeter obrigatoriamente a uma quarentena de 14 dias.

Pois: imagine um viajante passando duas semanas confinado em seu hotel/AirBnb/casa-da-mãe/onde-seja...

Essa quarentena obrigatória será suspensa a partir de julho e, segundo o Ministério de Turismo, substituída por outras medidas de controle nas fronteiras, como medição de temperaturas, questionários e, eventualmente, testes.

Com a proximidade do verão, o espanhol, como todos os outros norte-hemisféricos, está doido por uma prainha. É o destino preferido das reservas feitas até agora –segundo uma pesquisa realizada em abril com 2.500 ciudadanos, quase 60% quer praia neste ano.

Entre os balneários mais disputados estão Benidorm e Peñíscola, onde um castelo mouro-templário e vestígios arqueológicos anteriores aos romanos provavelmente não chamam tanto a atenção quanto os mares de guarda-sóis e bares na alta temporada. Tipo Caraguá ao cubo.

Apenas 20% dos entrevistados disseram ter a intenção de sair do país neste ano –uma queda de 30% em relação a antes do estado de emergência. Além do mais, só 29,7% pensam em subir num avião.

A maioria –77%– afirma que vai preferir o carro pra viajar.

"Nossas férias neste ano vão ser uma mistura de rural, familiar e nacional", conta um amigo, cujo parceiro é enfermeiro. "Muito provavelmente, alugaremos um motor home em outubro e nos iremos a alguma parte por aqui mesmo."

O turismo rural é de fato o segundo preferido depois das praias. A perspectiva de menos aglomerações agrada. E a ideia dos motor homes, uma paixão europeia, também tem ocorrido a bastante gente: até agora, houve um aumento de 40% na busca por aluguéis.

(Que distância entre isto e o auge do confinamento, quando por aqui teve notícia de gente presa em seus próprios veículos, muitas vezes fora de seus países, sem poder sequer sair ou se mover por semanas.)

Numa consulta informal entre os próximos, ninguém planeja viajar para fora da Espanha neste ano. Não só pela incerteza do vírus –alguns, por pura falta de dinheiro.

"Eu gostaria de visitar minha família em Havana, mas não vai dar, não sei como vai ser", comenta a funcionária cubana do café ao lado de casa.

Enquanto julho não vem, o governo segue insistindo na necessidade de uma sexta prorrogação do estado de emergência até o final de junho, dizendo que "não existe alternativa jurídica", para desgosto crescente da oposição e de algumas parcelas da população.

Um dos principais argumentos é que o estado de emergência ainda seria necessário para controlar os deslocamentos massivos da população nesse preâmbulo de verão.

Quem não está contente com esse controle todo é, claro, o setor turístico, que tem pressionado pra se adiantar a reabertura doméstica e internacional pra meados de junho.

O medo é ficar pra trás dos países vizinhos “concorrentes” —a Itália, por exemplo, já está flexibilizando suas regras em âmbito nacional e reabrirá as fronteiras ao turismo europeu em 3 de junho.

Pontos turísticos como as ilhas Canárias e Baleares (que inclui Ibiza, por exemplo), onde as taxas de expansão do vírus são das mais baixas de todo o país, além de balneários superconcorridos, como Benidorm, pedem a abertura já e propõem acordos bilaterais entre países e regiões, com “bolhas” ou "corredores de segurança" para turistas, a exemplo do que têm discutido outros europeus como França e Portugal.

Em março, houve uma queda de quase 58% no movimento hoteleiro na Espanha em comparação a 2019. Estimam-se perdas de quase 1 milhão de empregos e 54 bilhões de euros (R$ 317 bilhões) para 2020, mesmo com a reabertura. Cifras muito expressivas para serem ignoradas.

Os britânicos, principal grupo de hispanovisitantes, estão fazendo reservas só pra agosto em diante.

Quanto aos franceses, que também costumam vir em massa (10 milhões em 2019), uma enquete aponta que a maioria absoluta (87%) não pretende sair do país neste ano.

Meu plano é fazer uma viagem no sentido contrário: visitar meu irmão, que mora na região rural de Toulouse e está terminando de construir sua casa no campo.

Entre galinhas, riachos e bosques, eu (aka irmã-da-cidade) me imagino livre e saltitante. O sonho –suave, remoto, presente– pulsante no corazón de cada um de nós.

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.

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