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Diário de confinamento: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'

O que antes eram ferramentas de trabalho em hospitais se transformou em problema de todos

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Barcelona

Dia #65 – Domingo, 17 de maio. Cena: um homem aposentado de Madri foi pego pela polícia voltando de León, a 350 quilômetros, sob o pretexto de que foi colher cogumelos.

As mortes por coronavírus na Espanha atingiram hoje a cifra mais baixa dos últimos dois meses: 87 falecidos nas últimas 24 horas.

Amanhã, teremos 70% do país na chamada "fase 1" de desconfinamento. Isso significa, para 33 milhões de pessoas, a possibilidade de sair pra tomar uma cerveja ou café num terraço de bar e de retomar a atividade de pequenos comércios de até 400 m² com 30% da lotação máxima, sem necessidade de hora marcada (ao contrário do que acontecia na chamada "fase zero", a primeira etapa).

Além disso, serão permitidas nessas zonas as reuniões de até dez pessoas.

Nas ruas de Barcelona, que já está em desconfinamento - Josep Lago -15.mai.2020/AFP

Ontem fui ao médico e aproveitei pra buscar correspondência na minha antiga casa, num bairro próximo.

Encontrei minha amiga, uma peruana de Lima que leva mais de 30 anos na Espanha e que eu não via há pelo menos seis meses, acenando de longe na sala de estar, máscara azul na cara.

"O café da esquina, sabe, aquele dos doces na vitrine... já não vai abrir mais", me conta. As duas, tomando um rápido chazinho na beira do sofá com as respectivas máscaras no queixo (enquanto não inventam Apetrechos Do Novo Milênio, como o canudinho-pra-máscara, sugerido pela minha irmã outro dia como alternativa pra poder beber-sem-burlar-a-lei).

Aqui em Barcelona, fase zero, encontros casuais ainda estão proibidos, embora todo dia eu veja nas ruas um monte de amigos e famílias se juntando na hora do passeio permitido.

Eu me despeço da minha amiga, apressada, com as cartas urgentes na mão, sem abraço, beijinho ou aperto de mão, e tomo o caminho de casa.

No caminho, trupico em algumas máscaras novinhas dando sopa no chão. Por instinto, quase que eu abaixo pra pegar (“oba, máscaras!” —Susana, Susana) —em vez disso, coletei as ditas pra jogar no lixo.

Hoje é Dia Internacional da Reciclagem, e eu me pergunto o que vamos fazer com as macrotoneladas de material de proteção sanitária que estamos consumindo todos os dias.

O que antes eram ferramentas de trabalho em hospitais e laboratórios, regidas e coletadas por protocolos específicos, transformou-se em problema de todo o mundo da noite pro dia.

As luvas de látex, por exemplo. Não só não são atualmente recicláveis em massa como devem ser colocadas no lixo comum pelo mesmo motivo que os demais Apetrechos Do Cidadão Em Tempos De Pandemia: evitar contaminação.

É o que têm pedido as empresas de reciclagem aqui, que viram aumentar muito a quantidade de luvas de látex ou vinil indevidamente misturadas ao lixo plástico.

Em outras palavras, a gente evita a contaminação causando contaminação pra evitar contaminação. Etcétera.

Pior: com os cuidados extremados durante o confinamento, é cada vez mais comum ver máscaras e luvas jogadas na rua. No chão. Em qualquer lugar.

Os cinco principais supermercados perto de casa oferecem luvas descartáveis e álcool em gel à entrada. Na falta de luvas, alguns dão bolsas plásticas. Seu uso é obrigatório pra todos os clientes.

Na saída, as latas de lixo —e, em alguns casos, o chão— estão repletas desses resíduos não-aproveitáveis, prontos pra ser incinerados e transformados em gases quentinhos.

O Ministério da Saúde espanhol recomenda o uso de luvas apenas dentro dos comércios, para manuseio de produtos, mas não pra sair às ruas.

"Quando saímos à rua, a limpeza adequada e frequente de mãos é mais eficaz que o uso de luvas", instrui o infográfico distribuído por fontes oficiais.

Além do mais, assinala, seu uso incorreto “pode gerar uma sensação de falsa proteção” e criar maior riscos de infecção.

Quanto às máscaras descartáveis, na hipótese de que todo habitante maior de 14 anos na Espanha saísse mascarado às ruas cotidianamente daqui pra frente, isso significaria quase 40 milhões de troços de celulose & polipropileno jogados fora a cada dia, ou 1 bilhão por mês. Vai vendo.

O governo catalão deu uma máscara cirúrgica gratuita pra cada cidadão. Só apresentar o cartão sanitário pra pegar em qualquer farmácia. Seguindo à risca as orientações, dura exatamente e somente um dia.

Os supermercados também começaram a vender máscaras. Perto de casa, num estabelecimento que pertence a uma das principais redes do país, um pacote de seis unidades sai a 6 euros (R$ 35). Em abril, o governo havia estabelecido o limite de 0,96 euros (R$ 5,70) por máscara.

Hoje, domingo (17), após reunião com as comunidades autônomas, o governo anunciou-que-anunciará “nos próximos dias” as novas normas para uso obrigatório de máscaras em locais públicos.

Atualmente, elas só são imprescindíveis na Espanha no transporte público. Enquanto isso, vou seguir caminhando e cantando com a minha versão de pano com estampa de flôzinha.

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.

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