Dia #60 – Terça, 12 de maio. Cena: da janela de seu flat em Londres, um amigo testemunha um duelo de espadas dos vizinhos, com direito a capacetes medievais.
Aaaah, Barcelowna, essa terrinha mezzo tropical-metropolitana europeia que faz brilhar ozoinho dos viajantes de todo o planeta.
Mas não neste ano.
Ontem (11), caiu o último estandarte pop da nossa agenda cultural de verão: o festival de música Primavera Sound, que geralmente acontece na cidade em junho e havia sido adiado pra agosto, finalmente anunciou o cancelamento do que seria sua 20ª edição. Só volta em 2021.
De qualquer forma, mesmo que não fosse cancelado e acontecesse em formato clipe-de-futuro-distópico-do-Pink-Floyd, ainda assim seria um #fail sem a usual horda de estrangeiros que costumam vir para o evento.
Aliás, mesmo que viessem, teriam primeiro que se submeter a uma quarentena de duas semanas em seus hotéis/albergues/quartinhos, só saindo pra funções essenciais.
Nada de fila pra ver a Sagrada Família, nada de paella no porto da Barceloneta, e muito menos de jogar as mãos pro alto e cantar o refrão com a multidão.
O Ministério da Saúde anunciou hoje que vai seguir a tendência europeia de impor essa quarentena a qualquer visitante que venha do exterior, inclusive cidadãos da União Europeia, para óbvia infelicidade do setor turístico.
A medida deve durar pelo menos até o final do estado de emergência, que por sua vez o governo quer estender até final de junho.
Ao lado de gigantes como Glastonbury e Tomorrowland, o Primavera Sound compõe a rota mais estrelada dos festivais europeus. Todos eles, cancelados neste ano. Ou, pra replicar o atenuador vocabulário dos organizadores: adiados para o ano que vem.
O anúncio vem quatro dias depois do cancelamento de outro evento icônico made in Catalunha, o Sónar, que reúne a nata do povo criativo tunado em música eletrônica, avant-garde, tecnologia e experimentação e tem vários "filhotes" em todo o mundo, incluindo São Paulo.
Trocando em miúdos, isso significa que Barcelona não vai receber seus milhares de turistas sedentos por música, estrobo e party party party em 2020.
E tampouco verá a cara ampliada em telão de artistas como Iggy Pop, Lana Del Rey, Strokes, Massive Attack, Beck, Chemical Brothers ou James Murphy, nomes escalados para os lineups deste ano.
Ou Pabllo Vittar, Arthur Verocai e Teto Preto, brasileiros que também estavam entre as atrações previstas para o ano-que-não-houve.
Um dos últimos grandes festivais que até este exato instante não anunciou cancelamento ou adiamento é o Mad Cool.
Está programado para acontecer em julho em Madri, epicentro máximo da coronacrise espanhola. A mais recente comunicação oficial via redes sociais apenas se desculpa pela ausência de uma das estrelas do ano, Taylor Swift, que cancelou sua turnê europeia.
Em teoria, a conclusão do desconfinamento no país se dará no final de junho, após o cumprimento de quatro etapas determinadas pelo governo.
Depois disso, coincidindo com o início do verão europeu, a gente adentraria a tal “nova normalidade”, com restrições sociais que perdurarão por tempo indeterminado.
Nesse cenário, é difícil pensar até em festa de boteco acontecendo –imagina então festivais que, como o Primavera, podem chegar a receber mais de 200 mil pessoas em quatro ou cinco dias.
Meu sonho, como muitos de nós, é no momento poder sair livremente a passear. Ah: e abraços sem salamaleques esterilizantes.
Enquanto não dá, na Barcelona em fase zero, sigo haikumente contemplando as orquídeas de casa, que estão cada vez mais bonitas.
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.
DIÁRIO DE CONFINAMENTO
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Dia 1: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'
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Dia 2: 'Teste, só para pacientes internados'
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Dia 3: 'A vida vista de cima'
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Dia 4: 'Panelaço contra o rei'
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Dia 5: 'O perigo mora em casa'
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Dia 6: 'Solidariedade em tempos de vírus'
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Dia 7: 'O lado utópico da crise'
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Dia 8: 'O canto dos pássaros urbanos'
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Dia 9: 'Os de baixo ficam sem banquete'
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Dia 10: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'
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Dia 11: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'
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Dia 12: 'Tensão cresce em diferentes setores'
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Dia 13: 'Único tratamento agora é a disciplina'
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Dia 14: 'Os domingos são como segundas, e as segundas como domingos'
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Dia 15: 'Cada incursão ao exterior é uma operação de guerra'
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Dia 16: 'Começam a proliferar os vigilantes da lei entre os cidadãos'
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Dia 17: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 18: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 19: 'A vida vai registrando uma sucessão de recordes negativos'
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Dia 20: 'Come chocolates, pequena'
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Dia 21: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'
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Dia 22: 'Separados por confinamento, casais marcam encontro no supermercado'
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Dia 23: 'Independentemente da duração, todos sabemos o que é uma quarentena'
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Dia 24: 'A manhã começou com um tutorial japonês maravilhoso sobre tofu'
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Dia 25: 'Espanha testará 30 mil famílias'
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Dia 26: 'Hoje deu vontade de ver o mar'
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Dia 27: 'Perspectiva é de que quarentena tenha prorrogação-da-prorrogação'
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Dia 28: 'E eu, sou não-essencial?'
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Dia 29: 'Qual é a importância das pequenas coisas?'
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Dia 30: 'Após um mês, os espanhóis (alguns) voltam às ruas'
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Dia 31: 'Não há ninguém para colher cerejas'
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Dia 32: 'Queremos pedir que você busque outra casa'
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Dia 33: 'Sobre política e pardais'
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Dia 34: 'As mandíbulas de Salvador Dalí'
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Dia 35: 'Escola, só no ano que vem'
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Dia 36: 'A Nova Normalidade'
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Dia 37: 'A dor é temporária; o orgulho é para sempre'
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Dia 38: 'O início da reconstrução'
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Dia 39: 'O elaborado ritual do passeio em família'
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Dia 40: 'A cidade mascarada'
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Dia 41: 'Um Dia dos Namorados diferente'
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Dia 42: 'Sair, sim, mas com separação de brinquedos'
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Dia 43: 'Tínhamos que tomar decisões duras e rápidas'
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Dia 44: 'A cidade das crianças'
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Dia 45: 'Isso não acabou'
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Dia 46: 'Quatro etapas para o verão'
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Dia 47: 'As piedras no caminho'
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Dia 48: 'O jeito luso'
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Dia 49: 'As novas regras do rolê'
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Dia 50: 'Sobre crânios e crises'
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Dia 51: 'Um dia inesquecível'
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Dia 52: 'Começa o descofinamento'
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Dia 53: 'O comandante e as ovelhas'
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Dia 54: 'Confinados por um fio'
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Dia 55: 'O calor e o jogo do contente'
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Dia 56: 'A Barcelona de mil caras'
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Dia 57: 'Redescobrindo o amor'
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Dia 58: 'Espanha avança pela metade'
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Dia 59: 'O voo da discórdia'
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Dia 60: 'O ano que não houve'
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Dia 61: 'Passando de fase'
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Dia 62: 'Sobre manifestações e cabeleireiros'
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Dia 63: 'San Isidro com flores e máscaras'
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Dia 64: 'Dá medo, medinho, medaço'
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Dia 65: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'
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Dia 66: 'Quentinhas de luxo'
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Dia 67: 'Brasil para espanhol ver'
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Dia 68: 'Parecia Copacabana'
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Dia 69: 'O passinho do lagarto'
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Dia 70: 'As pessoas meio que gritam entre si'
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Dia 71: 'O augúrio chinês'
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Dia 72: 'Estamos enlouquecendo?'
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Dia 73: 'Nazaré confusa e fila pra cerveja'
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Dia 74: 'Enquanto julho não vem'
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Dia 75: 'Contemplemos, meditemos, recordemos'
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Dia 76: 'A fábula do terrorista e da marquesa'
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Dia 77: 'O informe da discórdia'
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Dia 78: 'Lições da cólera em tempos de coronavírus'
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Dia 79: 'Nos deram um pouco de liberdade e agimos como se o vírus não existisse'
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Dia 80: 'Sem pressa, mas sem pausa'
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Dia 81: 'Botellones, a nova discoteca pós-Covid'
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Dia 82: 'Pandemia, crise e racismo'
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Dia 83: 'Sair da UTI para ver o mar'
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Dia 84: 'A senhora deu positivo e deve se isolar imediatamente'
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Dia 85: 'A verdade é que é uma incerteza para todos'
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Dia 86: 'A cultura de bar na Espanha é expressiva'
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Dia 87: 'Todo cuidado é pouco e, inclusive, pode não ser suficiente'
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Dia 88: 'O vírus segue sendo uma ameaça'
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Dia 89: 'O fogo que nunca se apaga'
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Dia 90: 'Uma bolha, uma família'
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Dia 91: 'Músicos do mundinho, uni-vos'
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Dia 92: 'Como um clube de jazz dos anos 1930'
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Dia 93: 'Dinheiro pode estar com os dias contados no pós-pandemia espanhol'
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Dia 94: 'Uma vida de mil e uma regrinhas'
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Dia 95: 'Cada dia, ao chegar em casa, me isolava da minha família'
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Dia 96: 'Abraços, mesmo que de plástico'
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Dia 97: 'Em casa com o agressor'
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Dia 98: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'
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Dia 99: 'O ídolo pop e as amêndoas'
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