Irã envia petroleiros para Venezuela e eleva tensão com os EUA

Teerã diz que vai reagir se navios de guerra americanos fizerem interceptação no Caribe

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São Paulo

O envio de cinco petroleiros do Irã para a Venezuela colocou os dois países, adversários dos Estados Unidos, em renovada tensão com Washington.

O Irã afirma que os EUA destacaram quatro navios de guerra e um avião de espionagem eletrônica para acompanhar e, talvez, interceptar seus petroleiros.

O petroleiro iraniano Grace 1, que foi apreendido por britânicos no ano passado em Gibraltar
O petroleiro iraniano Grace 1, que foi apreendido por britânicos no ano passado em Gibraltar - Jorge Guerrero - 12.jul.2019/AFP

O chanceler do país, Javad Zarif, enviou carta nesta semana à ONU (Organização das Nações Unidas) alertando que o Irã iria responder à altura de qualquer "ato de pirataria", lembrando o óbvio: ambos os países estão sob sanção pelos EUA, mas nada os impede de fazer negócios entre si.

Segundo a agência de notícias Mehr, o embaixador suíço no país persa, que representa interesses americanos, foi chamado à chancelaria para ouvir as queixas.

Os EUA não comentaram oficialmente, mas desde abril têm mantido exercícios navais regulares no Caribe, visando deixar o regime de Nicolás Maduro sob pressão. Na semana passada, uma reportagem da agência Reuters disse que americanos consideravam uma ação.

O risco de um embate militar, contudo, parece baixo. O presidente Donald Trump, mesmo perto de uma eleição, o que sempre faz rufar tambores de guerra, tem de lidar com a maior taxa de infecção de coronavírus do mundo.

"Os petroleiros não irão mudar o cálculo dos EUA de evitar uma intervenção na Venezuela. O custo seria muito alto, e o retorno, especialmente agora, mínimo. Sobre o Irã, Washington não vai querer dar motivos para Teerã escalar", afirma Allison Fedirka, diretora de análises da consultoria americana Geopolitical Futures.

Como a emergência da pandemia do novo coronavírus talvez faça esquecer, EUA e Irã quase foram às vias de fato no começo de janeiro, quando a Covid-19 ainda era uma obscura pneumonia relatada no interior da China.

Os americanos mataram o mais importante general do Irã e sofreram um ataque com mísseis em uma de suas bases no Iraque.

No cerne da disputa, que remonta à fundação da República Islâmica em 1979, está o fato de que Trump deixou o acordo nuclear que visava coibir a construção de uma bomba atômica pelos aiatolás.

Nos últimos meses, houve diversos incidentes e provocações entre forças iranianas e americanas no Golfo Pérsico. Se algo acontecer aos petroleiros, não seria inédito: no ano passado, um navio iraniano foi detido por britânicos em Gibraltar com petróleo para a Síria, país sob embargo europeu e americano, mas acabou liberado.

Os petroleiros deverão começar a chegar ao país latino-americano no dia 25, segundo estimativa de sites de monitoramento de rotas marítimas.

Eles fazem parte de um pacote de US$ 900 milhões (R$ 5,1 bilhões) pago por Caracas em ouro a Teerã. Já haviam sido enviados por avião equipamentos e insumos para uma claudicante refinaria venezuelana.

O acerto é benéfico para os dois regimes. O Irã precisa melhorar suas reservas, afetado pelo embargo americano e sob forte impacto pelo coronavírus. Já a Venezuela vive uma crise econômica aguda desde 2012 e está sob hiperinflação há quatro anos.

Sua indústria petrolífera definha, e aí entram os iranianos. O país, que já foi o maior produtor de petróleo da América Latina e tem a maior reserva comprovada do hidrocarboneto no mundo, extrai hoje pouco mais de 500 mil barris por dia.

Um dos fatores da precária estabilidade da ditadura de Maduro é a gasolina barata. Em 2015, lembra Fedirka, a Venezuela refinava 915 mil barris diários; hoje, são 135 mil barris, o que obriga a importação da ajuda e da gasolina e outros subprodutos do petróleo.

As sanções americanas foram apertadas contra Caracas em 2019, quando Washington angariou apoio dos novos governos de direita do Brasil e da Colômbia para tentar fazer de Juan Guaidó o novo presidente do país. Os brasileiros também passaram a ser críticos do Irã.

As exportações venezuelanas, que já estavam em queda livre, caíram 32% no ano. A fatia que ia para os EUA, cerca de 40% das vendas de petróleo, foi revertida quase totalmente para a China, mas não foi o suficiente.

Houve outros efeitos. A última empresa americana a operar na Venezuela, a Chevron, paralisou suas atividades a pedido de Trump. Eram mínimas, contudo.

Em abril, a gigante estatal russa Rosneft se desfez de seus ativos no país latino porque duas subsidiárias acabaram sofrendo sanções americanas. Como o Estado russo assumiu as participações, o apoio dado por Vladimir Putin a Maduro segue mais ou menos intacto.

Não menos importante, o colapso dos mercados de petróleo devido à pandemia a partir de março acabou tornando o impacto numa economia já em frangalhos menos perceptível.

"A economia ainda está uma bagunça, mas parece que o tempo está novamente do lado de Maduro", avalia Fedirka.

Politicamente, o ditador está com sorte. Em 3 de maio, mercenários lideraram uma tentativa frustrada de desembarque no país que foi devidamente denunciada como uma tentativa de golpe dos EUA e da oposição venezuelana.

Na frente interna, o esvaziamento político de Juan Guaidó e a crise do coronavírus retiraram o ímpeto de manifestações de rua, que foram fortes em 2019. Por ora, Maduro segue onde está.

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