EUA acusam Rússia de enviar caças para apoiar líder rebelde na Líbia

Comando americano teme estabelecimento de força militar do Kremlin no flanco sul da Europa

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São Paulo

Os Estados Unidos acusaram a Rússia de enviar aviões de combate para auxiliar o líder rebelde Khalifa Haftar, aliado de Moscou, na guerra civil da Líbia.

Mais que isso, o comunicado do Comando África das Forças Armadas dos EUA insinua que os russos querem estabelecer uma cabeça de ponte no Norte de África com sistemas antiaéreos para ameaçar o flanco sul da Europa.

"Como vimos na Síria, eles estão expandindo sua presença militar na Líbia", afirmou o chefe do comando, general Stephen Tonwsend, em nota nesta terça (26). A pandemia do novo coronavírus ajudou a devolver o conflito na região ao segundo plano a que costuma ser relegado pelo Ocidente.

Imagem sem data definida mostra MiG-29 russo em base aérea rebelde na Líbia
Imagem sem data definida mostra MiG-29 russo em base aérea rebelde na Líbia - Comando África das Forças Armadas dos EUA

Na semana passada, Haftar havia anunciado que o seu Exército Nacional Líbio havia recuperado quatro aviões para iniciar uma campanha aérea, para suspeitas de analistas acerca de tal capacidade.

O comunicado mostrou fotos de um caça-bombardeiro russo MiG-29 sem marcações externas em voo e pousado na base aérea de Al Jufa, na região controlada por Haftar, que domina talvez 70% da Líbia.

"Nem o Exército Nacional da Líbia nem empresas privadas podem operar um avião desse tipo", diz o texto. Os russos apoiam Haftar com cerca de 1.200 mercenários do famoso Wagner Group, que tem extensa experiência de combate na Síria, e nunca negaram ou confirmaram isso.

Mais importante, o comunicado americano expõe o verdadeiro temor estratégico do comando, uma vez que os EUA sempre consideraram a Líbia e sua importante fonte abundante de petróleo um problema de seus aliados da Otan (aliança militar ocidental) da Europa.

"Se a Rússia se estabelecer na costa da Líbia, o próximo passo lógico é empregar capacidades de longo alcance de antiacesso e negação de área", afirmou o comandante da Força Aérea americana na Europa e na África, general Jeff Harrigian.

Bateria antiaérea russa Pantsir capturada pelas forças de Tripoli de base rebelde na semana passada
Bateria antiaérea russa Pantsir capturada pelas forças de Tripoli de base rebelde - Mahmud Turkia - 20.mai.20/AFP

O termo técnico usado significa baterias antiaéreas como as do tipo S-400, que permitem "fechar" grandes trechos de espaço aéreo e localizam seus alvos a até 400 km de distância. "Se esse dia vier, irá criar um problema muito real de segurança no flanco sul da Europa."

O Ministério da Defesa russo não comentou o caso. Já o chanceler Serguei Lavrov, encontrando-se com um representante de Haftar em Moscou, apenas repetiu a solicitação para que a guerra civil tenha um fim diplomático.

O conflito se arrasta desde 2014. Em 2011, o ditador Muammar Gaddafi foi morto após ser derrubado por rebeldes com o apoio de uma campanha aérea da Otan, algo que sempre irritou a Rússia.

Haftar, 75, era um general do Exército de Gaddafi que buscou, a partir de um exílio nos EUA, derrubar o ditador. Quando a guerra civil se instalou em 2011, na esteira da versão local da Primavera Árabe, ele participou de combates e acabou sendo aclamado líder do Exército.

Nos três anos seguintes, ele disputou poder com o chamado Congresso Geral Nacional, baseado em Trípoli, a capital nos tempos de Gaddafi. O rompimento total levou a uma nova etapa do conflito civil, no qual o presidente russo, Vladimir Putin, franqueou apoio a Haftar.

Não é uma relação simples, tanto que o líbio deixou o russo na mão quando um acordo de paz foi negociado no começo deste ano. Mas o suporte de Moscou se manteve, e parecia que a tomada total da Líbia seria uma questão de tempo.

Aí entrou um novo elemento geopolítico: os interesses da Turquia, que busca uma posição mais forte no leste do Mediterrâneo por disputar campos petrolíferos ao redor de Chipre e, de quebra, gostaria de ver os talvez US$ 20 bilhões que possui em projetos parados na Líbia desde os tempos de Gaddafi andarem.

A disputa azedou de vez a relação entre o presidente Recep Tayyip Erdogan e Putin, que vinham jogando juntos na Síria, mas quase entraram em choque militar no começo deste ano devido à ofensiva que se pretendia final do aliado russo Bashar al-Assad para retomar o controle total de seu país.

A Síria está em guerra civil também desde 2011, e desde 2015 com a presença militar russa que os americanos agora temem na Líbia. No país de Assad, o Kremlin estabeleceu um virtual domínio sobre o espaço aéreo do norte e oeste com suas sofisticadas baterias antiaéreas e aviões de combate.

Por ora isso parece improvável de ser repetido na Líbia, dado que apenas mercenários e não força regulares russas estão presentes, talvez para não melindrar excessivamente a Otan.

O apoio turco ao governo em Trípoli, que é reconhecido internacionalmente, conseguiu deter o avanço de Haftar nos dois últimos meses, impondo algumas sérias derrotas ao líder rebelde.

O anúncio do reforço aéreo rebelde, numa região com poucos recursos militares, fez acender o alarme ocidental na região, não menos porque a Turquia é um membro da Otan.

Há atores intermediários presentes, como Egito, muito próximo de Putin, e Emirados Árabes Unidos, que apoiam Haftar. O próprio voo do caça fotografado pelos americanos pode indicar participação de algum aliado além dos russos.

O alcance de um MiG-29 desarmado e com tanques externos de combustível é de cerca de 2.000 km, pouco mais do que distância em linha reta entre a base russa de Hmeimin (Síria) e Al Jufa.

Ou o avião voou no seu limite ou teve apoio, seja por reabastecimento sobre o Mediterrâneo, seja por uma parada em algum ponto na própria Líbia ou no Egito.

Outros países europeus buscaram uma solução para o conflito no começo do ano, mas o resultado de uma conferência na Alemanha foi pífio.

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