O alerta veio de vários cantos da internet: por mais difícil que esteja a sua quarentena, não considere começar seu próprio podcast. Mas piadas sobre a aparentemente infinita multiplicação de programas em áudio não foram capazes de intimidar Joe Biden.
O virtual candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos teve que abandonar o ritmo intenso de viagens de uma campanha eleitoral e, diante das restrições da pandemia de coronavírus, isolou-se em sua casa em Wilmington, Delaware.
Com o leque de atividades reduzido, o ex-vice-presidente lançou seu próprio podcast, que já está no sexto episódio. Chama-se Here's the Deal (algo como "é o seguinte") e traz Biden, 77, entrevistando convidados e respondendo perguntas de ouvintes.
É curioso acompanhar a migração do democrata, do corpo a corpo dos comícios para a quietude de seu porão, de onde agora fala a distantes fones de ouvido.
Por um lado, está ali o discurso previsível de um político, ainda mais em campanha. Sob o embalo de uma trilha de tons inspiradores, abundam lugares-comuns e exaltações patrióticas. Em mais de uma oportunidade Biden externa o orgulho que tem do povo americano, que "nunca decepciona seu país".
Outro mantra repetido é a respeito de sua experiência com crises no Salão Oval ao lado do sempre citado Barack Obama.
Menos óbvia é a forma com que tudo isso é dito. Não faz sentido gritar nos ouvidos do público com a retórica dos palanques ou dos debates, e Biden se adapta bem ao estilo mais introspectivo dos podcasts, adotando uma fala mais serena e pausada.
Uma ressalva à busca de intimidade: a edição final poderia operar alguns cortes e poupar o ouvinte dos pigarros, tosses e respirações do presidenciável ao microfone.
A pauta do programa está bastante a reboque das discussões sobre a Covid-19, mas atire a primeira pedra o produtor de conteúdo que não vive a mesma realidade. Problemático seria se o presidenciável estivesse minimizando a crise ou sabotando recomendações médicas.
Bem ao contrário, Biden defende reiteradamente a ciência e, claro, critica a gestão da crise por seu adversário republicano, Donald Trump.
Além da pandemia, as conversas giram em torno de temas como a ideia de governar acima de paixões partidárias, críticas a extremismos, alertas sobre aquecimento global e defesa de programas sociais —quase sempre fustigando as políticas do atual governo.
O episódio mais interessante é com o biógrafo de presidentes Jon Meacham, que evoca exemplos de Franklin Roosevelt e John Kennedy numa discussão sobre como presidentes devem se comportar em crises.
Também já participaram dois governadores democratas, um pastor e líder negro e a senadora Amy Klobuchar, que desistiu da disputa interna do partido e hoje apoia o ex-vice.
É preciso ser muito aficionado não apenas pela política americana, mas também pela campanha do Partido Democrata, para se entreter verdadeiramente com os programas, que duram de 19 a 48 minutos.
Ajudam a fazer o tempo passar mais rapidamente relatos da nova vida do presidenciável e de seus convidados.
Questionado por uma ouvinte de Nova York, Biden revela que sua atual rotina consiste em acordar às 8h, fazer exercícios com esteira, bicicleta ergométrica e pesos e beber um shake proteico.
Distrai-se com conversas diárias em vídeo com os netos e passeia com os cachorros no jardim.
E também comanda uma campanha presidencial, dando entrevistas e fazendo reuniões com aliados e assessores —os quais, quando presentes na casa, usam luvas, máscaras e ficam distantes do podcaster.
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