Descrição de chapéu Coronavírus

Pretensões eleitorais ameaçam paz entre rivais na gestão da pandemia na Argentina

Aumento de casos e pleito legislativo criam fricções entre presidente e chefes de Buenos Aires

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Buenos Aires

Os três se sentam lado a lado toda vez que o governo argentino faz anúncios sobre o combate à pandemia. De partidos opostos, viram a emergência os unir no que, a princípio, parecia uma imensa demonstração de civilidade para os padrões argentinos.

Setenta dias de quarentena depois e com o atual aumento no número de casos de coronavírus, no entanto, as diferenças políticas começam a surgir, assim como as fricções pré-eleitorais.

Os três são: ao centro, sempre, o presidente Alberto Fernández, um peronista moderado. À sua esquerda, Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e o discípulo mais ferrenho da vice-presidente Cristina Kirchner.

Por fim, à direita do mandatário argentino, Horacio Rodríguez Larreta, chefe de governo da cidade de Buenos Aires, sobrevivente da gestão Mauricio Macri e principal figura do PRO (Proposta Republicana) hoje.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao lado do chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Horacio Rodriguez Larreta, à esq., e o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, durante entrevista coletiva
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao lado do chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Horacio Rodriguez Larreta, à esq., e o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, durante entrevista coletiva - Alejandro Pagni - 23.mai.20/AFP

Tanto Kicillof quanto Larreta têm pretensões nas eleições presidenciais de 2023. Para isso, já trabalham suas imagens, que serão testadas no próximo pleito legislativo, em 2021.

Fernández diz não pensar em reeleição, mas precisa emplacar candidatos no ano que vem para ter um Congresso que o ajude no restante do mandato, período que promete ser ainda mais duro para o país.

"Eles cooperam entre si porque precisam um do outro neste momento. Mas já não dá para esconder que pensam como vão sair disso em termos de imagem", diz o cientista político Marcos Novaro.

"Alberto fez a escolha pela saúde e espera a compreensão dos argentinos quanto à crise econômica. Larreta se mostra conciliador, porque pretende ser visto como um Macri que pode funcionar, que não polarize, mas tenha personalidade, enquanto Kicillof se mostra mais radical à esquerda. Ele soa mais autoritário, como Cristina, tentando atrair seus eleitores."

Na prática, as diferenças entre eles ficaram mais explícitas porque a cidade e a província de Buenos Aires (que inclui distritos pobres ao redor da capital) passaram a registrar 87% dos casos de todo o país.

Para Larreta, já não é possível manter todo o comércio fechado. Por isso, iniciou uma reabertura parcial há duas semanas, mas, devido ao aumento de casos, foi convencido pelo presidente a fechá-los novamente.

O recuou levou apoiadores e comerciantes a realizarem panelaços e manifestações na Praça de Maio e no Obelisco.

Já Kicillof, alinhado a Fernández, encampa o discurso de priorização da saúde, mas o leva a extremos. Após a confirmação de 92 casos na favela de Villa Azul, no departamento de Quilmes, ele mandou cercar a comunidade e colocou a polícia para vigiar se os moradores permanecem em suas casas.

O governador da província de Buenos Aires justifica a medida dizendo que "todos têm de estar protegidos pelo Estado". Como muitos dos habitantes de Villa Azul são trabalhadores informais, recebem comida e remédios levados pelos agentes, enquanto médicos realizam testes em grande parte dos moradores.

A oposição reclama, chama a medida de inconstitucional, e pessoas contrárias às regras fazem fogueiras e panelaços em protesto.

Enquanto a província de Buenos Aires tem 1.800 favelas, a cidade tem 800, e o desafio de Larreta e Kicillof, afirma o ex-ministro da Saúde Adolfo Rubinstein, aumenta agora que a pandemia chegou a comunidades que não têm água, esgoto e comida.

Um dos choques entre os dois políticos se deu por conta da mobilidade pública. Larreta quis colocar barreiras para que a população da província não fosse para a capital —movimento complexo, dado que muitos trabalham ali.

Já Kicillof responsabilizou Larreta por não conter a pandemia nas favelas da cidade, mais verticais que as da província e que, portanto, concentram mais gente.

"Os dois recebem pressão de seus chefes, Macri e Cristina, que são mais polarizadores", diz Novaro. "Macri tem pressionado Larreta para que não apoie tanto as medidas de Alberto e não saia nas fotos com ele, pois isso seria uma humilhação. Já Kicillof faz o jogo de Cristina, mostrando mão pesada."

Para o cientista político, a quarentena está esgotando a paciência da sociedade. "Já há uma percepção de que, depois da pandemia, virá o desastre econômico. Como os três têm pretensões políticas, calculam como melhorar suas imagens. Sinal de que temos uma política ainda muito mesquinha."

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