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Separados pelo vírus na gravidez, brasileiro na Suécia e equatoriana na Alemanha se reencontram

História de físico nuclear e arquiteta ajuda a entender política sueca contra Covid-19

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Bruxelas

Nem o governo sueco manteve vida normal como se não houvesse coronavírus nem a ausência de confinamento vai evitar que o país seja atingido pela crise econômica decorrente da Covid-19.

Passado o pior momento da pandemia na Europa, ainda é cedo para saber a que resultados levou o caminho sueco tanto na saúde quanto na economia. Para cientistas e autoridades do país e fora dele, será preciso esperar o julgamento da história.

No momento em que a Europa começa a sair do confinamento, o relato do físico nuclear brasileiro Marcos Moro, 31, e sua mulher, a arquiteta equatoriana Alejandra Sandoval, 35, separados fisicamente quando ela estava na reta final da gravidez, ajuda a entender melhor a estratégia da Suécia, onde ele mora, e alguns de seus efeitos.

"Moro e trabalho na Suécia desde 2017, e Alejandra, minha mulher, vive na Alemanha.

Quando decidimos engravidar, combinamos que ela viria morar comigo na Suécia a partir de julho, depois que a Milena nascesse.

Até lá, já havíamos planejado todas as visitas, e eu já tinha seis passagens reservadas para ir me encontrar com ela.

O físico nuclear brasileiro Marcos Moro, 31, e sua mulher, a arquiteta equatoriana Alejndra Sandoval, 35, no nono mês de gravidez, no lago Badesee Streitköpfle, perto de Graben-Neudorf (Alemanha), onde ela mora - Arquivo pessoal

No dia 28 de fevereiro, tirei um dia de folga e, naquela sexta à tarde, nos casamos na Alemanha.

Voltei para a Suécia no domingo, a pandemia chegou e acabou com nosso planejamento [Em 13.mar, a OMS anunciou que a Europa se tornara centro da pandemia global. A UE fechou fronteiras em 16.mar, e a Alemanha, dois dias depois].

Começaram as notícias de fechamento de fronteira. “Agora lascou!”, pensei. Minha mulher com a gravidez cada vez mais avançada; minha sogra, que viria de Quito para ajudar, também sem poder embarcar.

A Alemanha elevou as restrições quase ao máximo possível, enquanto a Suécia não fez quase nada, e as duas coisas jogavam contra nós.

Ela, do seu lado, não podia sair, enquanto eu tinha que trabalhar normalmente as 40 horas semanais. Além disso, o governo sueco baniu viagens não essenciais, e visitar a mulher grávida de sete ou oito meses não era considerado essencial.

Claro que, se ela tivesse qualquer sintoma ou fosse para o hospital, eu teria permissão para viajar, mas precisaria fazer uma quarentena de 14 dias quando chegasse.

Desde o começo, o governo da Suécia foi muito claro e trabalhou muito para divulgar sua estratégia. Tanto que até eu, que não domino o idioma, entendia.

Ficou claro que eles tentariam manter as restrições no nível mais baixo possível, para a sociedade não ser muito afetada no atacado, e que analisariam a situação do sistema de saúde região por região.

Uppsala tem pouco mais de 160 mil habitantes e continuou funcionando. Estocolmo, com 1 milhão de pessoas, sofreu mais restrições.

Na Suécia existe um sistema de governança digital que centraliza todos os dados. A gente tem um aplicativo no celular pelo qual o médico acessa todos os nossos dados, prescreve a receita e é pelo aplicativo que a farmácia libera o remédio.

Por esse mesmo aplicativo você é avisado se chegou uma correspondência pelo correio, registra seu contrato de trabalho, declara seu Imposto de Renda, faz transferências bancárias.

Isso dá uma vantagem grande de acessar todos os dados dos 10 milhões de habitantes em tempo real e agir rápido com foco bem localizado.

Não houve lei de confinamento, mas as recomendações do Ministério da Saúde são claras: mantenha distanciamento físico; fique em casa se tiver sintomas ou se for do grupo de risco. Caso contrário, vá trabalhar.

Na universidade em que sou pesquisador, trabalham cerca de mil pessoas no departamento. Como não houve ordem geral, o diretor do instituto baixou no mesmo dia a recomendação: se puder trabalhar de casa, combine com seu supervisor; se tiver que trabalhar no escritório, mantenha distância.

Criamos uma planilha onde cada um colocava uma cor diferente se estava no laboratório, em casa sem sintomas, em casa com sintomas ou de férias. No começo, mais da metade ficou em casa.

Aviso em calçada na principal rua comercial de Estocolmo
Aviso em calçada na principal rua comercial de Estocolmo - Henrik Montgomery - 12.mai.20/TT News Agency/Reuters

Todas as semanas, o diretor da divisão mandava uma mensagem dizendo “conseguimos reduzir nossa atividade presencial, mas a produção científica não diminuiu; obrigado pela colaboração”. E até agora não houve nenhum caso de coronavírus no nosso departamento.

Nenhuma loja fechou, mas há controle para que elas não fiquem lotadas e se mantenha o distanciamento. Nos restaurantes, você precisa fazer o pedido na mesa, para não lotar o balcão.

Essa estratégia do governo não me deixou preocupado. Claro que eu temia ser hospitalizado, mas sabia que o sistema estava preparado [a ocupação dos hospitais e UTIs não chegou a níveis críticos. Na semana passada, havia 350 pacientes em terapia intensiva e 250 leitos disponíveis, segundo o Ministério da Saúde].

Também me senti mais seguro de que não perderia meu trabalho. Acredito que a economia sueca foi menos afetada, mas não ficou incólume [No começo do mês, a UE estimou que a economia sueca deve encolher 6,1% neste ano, contra 5,9% na Dinamarca e 6,3% na Finlândia. A previsão para o desemprego sueco é de 9,7% neste ano, contra 6,4% na Dinamarca e 8,3% na Finlândia].

Este é o momento da colheita de frutas vermelhas, por exemplo, mas os trabalhadores que vinham da Ásia ou da Europa oriental não estão podendo sair de seus países.

Tenho um amigo que é dono de uma plantação e disse que vai perder muita fruta. Sempre que pode, traz caixas para o escritório.

Outro amigo comprou um apartamento na planta, e já foi avisado de que a entrega vai atrasar, não porque não possam trabalhar, mas porque os caminhões com material de construção não estão passando na Dinamarca.

Nesse tempo todo, ela grávida e sozinha, o que nos manteve calmos, principalmente no pior momento da doença na Europa, foi confiar no sistema de saúde alemão.

Apesar da pandemia, por mais que o hospital de Frankfurt estivesse mais atarefado com o vírus, a ginecologia e obstetrícia funcionou normalmente. Todas as consultas pré-natais da Alejandra foram realizadas na data em que haviam sido agendadas.

Os ministros de Saúde suecos são dos melhores institutos, dão entrevista do hospital, não de um gabinete.

pessoas sentadas sozinhas em mesas de área de alimentação, com muito espaço entre cada mesa
Fregueses mantêm distanciamento físico em área de alimentação de shopping center em Estocolmo - Henrik Montgomery/TT News Agency via AFP

Acompanham muito de perto as curvas da doença [A taxa de contágio (R) da Suécia caiu em abril de 1,4 para 0,85; na Dinamarca, baixou de 1 para 0,9 no mesmo período].

Nas últimas semanas, quando você olha a planilha da minha universidade, já vê mais cores de gente trabalhando no escritório. Aos poucos, está acontecendo essa transição, sem que tivesse sido preciso nenhuma lei.

E na Europa todos já estão cientes de que o distanciamento vai ter que durar pelo menos até 2022, então aos poucos os países também vão começar a voltar ao nível daqui da Suécia.

Já vemos isso acontecendo aqui na Alemanha. No estado de Baden-Württemberg, onde mora Alejandra, alguns restaurantes já abriram, o zoológico, cabeleireiros, pode ir à missa. Mas a piscina ainda está fechada.

​Assim que a Alejandra passou da 37ª semana, tirei férias para ir à Alemanha. Precisava chegar pelo menos duas semanas antes do parto, por causa da regra de isolamento de 14 dias.

No aeroporto de Frankfurt, depois de dois meses sem ver minha mulher, eu chorava, parado na calçada de braços abertos, enquanto ela, com um barrigão de nove meses e máscara e também chorando de emoção, me desinfetava com dois sprays. Um casal até parou para olhar.

Aí, sim, nós pudemos dar um abraço.

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