Corte declara jornalista filipina premiada culpada de crime de difamação virtual

Maria Ressa é conhecida por reportagens que investigam governo do país

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Manila | Reuters

A jornalista Maria Ressa, diretora do site de notícias Rappler, conhecido por reportagens que investigam o governo do presidente filipino Rodrigo Duterte, foi condenada nesta segunda-feira (15) pelo crime de difamação virtual e pode enfrentar até seis anos de prisão.

Ressa foi escolhida pela revista Time como uma das Pessoas do Ano em 2018, e seu julgamento preocupa organizações de direitos humanos por ser considerado uma tentativa de silenciar a oposição a Duterte.

A jornalista filipina Maria Ressa chega para sua audiência em um tribunal de Manila, nas Filipinas
A jornalista filipina Maria Ressa chega para sua audiência em um tribunal de Manila, nas Filipinas - Ted Aljibe/AFP

Ressa foi julgada devido a um texto publicado em 2012 que liga um empresário a assassinato e tráfico de pessoas e de drogas. O material cita informações de um relatório de inteligência repassado por uma fonte anônima.

A sentença, de no mínimo seis meses e um dia e no máximo seis anos de prisão, foi dada por uma corte de Manila na madrugada desta segunda (15), em um caso que vem sendo visto como um teste para a liberdade de imprensa no país.

O autor do texto, Reynaldo Santos, sofreu a mesma condenação. Ressa e Santos, que negam as acusações, terão também que pagar, cada um, 400 mil pesos filipinos (o equivalente a R$ 41 mil) por danos morais e outras multas.

Por enquanto, eles não vão para a prisão porque têm direito a pagar fiança enquanto aguardam o julgamento de recursos da defesa até a apreciação da Suprema Corte.

Na saída do tribunal, Ressa disse que a condenação deve servir como um alerta. "Estamos redefinindo como o novo mundo será, o que o jornalismo vai se tornar. Vamos perder a liberdade de imprensa?"

Depois de apresentar o veredito, a juíza Rainelda Estacio-Montesa disse que a liberdade de imprensa não poderia ser usada como um "escudo".

A acusação de difamação virtual está entre muitas outras ações movidas contra a jornalista e o Rappler. Criado em 2012, o site entrou na mira do presidente Duterte pela cobertura crítica da guerra às drogas —que, segundo entidades de direitos humanos, já deixou mais de 12 mil mortos desde 2016.

O Rappler e Ressa viraram alvo preferencial do governo filipino após uma série de reportagens sobre como Duterte e seus aliados usaram contas falsas em mídias sociais e pagaram trolls para disparar mensagens em massa e manipular a opinião pública.

A licença de operação do site de notícias foi negada em 2018 sob alegações de descumprir uma lei segundo a qual apenas filipinos podem ser proprietários de empresas de mídia no país —a companhia tem dois investidores dos EUA— e também de evasão fiscal. Os dois casos ainda estão em aberto.

'Cale-se ou será a próxima'

O julgamento atual tem como motivação um artigo escrito em 2012 sobre o empresário Wilfredo Keng e suas relações com o presidente do Supremo Tribunal da época.

Segundo o texto, ele teria emprestado um veículo utilitário ao juiz. Além disso, fontes o teriam relacionado a redes de distribuição de drogas, tráfico de pessoas e assassinatos.

A denúncia apresentada pelo empresário foi rejeitada em 2017, mas o caso foi enviado em seguida para a Procuradoria, que decidiu levar à Justiça Ressa e Santos.

O julgamento e a condenação têm como base uma controversa lei sobre crimes virtuais, que pune a difamação na internet, mas também o assédio e a pornografia infantil.

A lei entrou em vigor em setembro de 2012, ou seja, depois da publicação do artigo em questão. Mas a Procuradoria alegou que a atualização da reportagem em 2014 para corrigir um erro tipográfico possibilitou a aplicação da legislação.

"Eles me advertiram: cale-se, ou será a próxima", declarou Ressa à agência de notícias AFP antes da condenação.

O governo Duterte nega que o julgamento seja político e afirma que as autoridades se limitam a fazer com que a lei seja respeitada. O presidente também já acusou o Rappler de ser financiado pela CIA (agência de inteligência americana), o que Ressa nega.

Há pouco mais de um mês, a agência reguladora do governo filipino determinou a retirada do ar da ABS-CBN, a principal emissora do país, após anos de ameaças de Duterte de fechar a rede.

Assim como o Rappler, a ABS-CBN cobriu "a guerra contra as drogas" do presidente, segundo a qual os policiais devem matar os narcotraficantes e supostos usuários de drogas.

A agência filipina de luta contra as drogas afirma que a polícia matou pelo menos 5.600 pessoas suspeitas de tráfico de drogas, mas diversas organizações calculam que o balanço seja três vezes superior.

Após a condenação de Ressa e Santos, entidades de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa se pronunciaram.

"Ressa e a equipe do Rappler são tomados como alvos por serem críticos do governo Duterte", afirmou a Anistia Internacional.

A Human Rights Watch afirma acreditar que o caso "não terá eco apenas nas Filipinas, mas também em países que consideravam as Filipinas um local favorável à liberdade de imprensa".

O país caiu para o 136º lugar (de um total de 180) na classificação mundial da liberdade de imprensa estabelecida pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

O Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) divulgou um comunicado condenando o "assédio legal patrocinado pelo Estado" contra Ress. "O ICFJ continuará apoiando-a e à sua equipe enquanto eles continuam publicando notícias, apesar das tentativas de silenciá-los."

A União Nacional de Jornalistas das Filipinas disse que o veredito "basicamente mata a liberdade de expressão e de imprensa" no país. "Este é um dia sombrio não apenas para a mídia independente filipina, mas para todos os filipinos. Mas não seremos calados."

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