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Diário de confinamento: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'

Desde o início do desconfinamento, em maio, Espanha registrou 34 novos minissurtos de contágios

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Barcelona

Dia #98 – Sexta, 19 de junho. Cena: “tragédia”, “incertezas” e “falta de coordenação” são alguns dos termos que aparecem em matérias espanholas (cada vez mais numerosas) sobre o avanço da Covid no Brasil.

Dois.

Apenas dois mortos por coronavírus foram registrados nas últimas 24 horas na Espanha. Medito: incrível. Pouco mais de dois meses atrás, quando vivemos o recorde absoluto de 950 óbitos num único dia, ou 2 por cada 100 mil habitantes, chegar aqui soaria a uma fantasia distante, viagem pollyânica do impossível.

Pra se ter uma ideia do que significam esses números extremos, a cifra de mortes diárias mais drástica até agora no Brasil, 1.470, em 4 de junho, equivale a 0,7 óbito por 100 mil habitantes.

Por outro lado, os registros totais de mortes por coronavírus na Espanha foram atualizados hoje com o acréscimo de 1.177 vítimas que estavam sob investigação, elevando o acumulado desde o início da pandemia a 28.313 (total de 60,2 por 100 mil habitantes, contra 23,1 por 100 mil no Brasil até o momento).

Segundo o ministério da Saúde, essas mortes são anteriores aos últimos 14 dias. Nas duas últimas semanas, houve no país um total de 182 vítimas oficiais.

Em decreto de última hora, Barcelona adiantou o fim do confinamento e entrou nesta sexta na tal Nova Normalidade. Nem notei, e ninguém comentou. Já vivemos como podemos, e não há mais. A cidade está vazia, ainda mais com a véspera do feriado do dia 24, e o comércio em grande escala permanece fechado. O único que falta é esperar a chegada dos turistas, com o fim do estado de alarme no dia 21 e a consequente reabertura de fronteiras europeias.

Desde que começou o processo do desconfinamento nacional por etapas, em maio, foram registrados oficialmente 34 novos minissurtos de contágios na Espanha, sendo que 9 deles seguem ativos ou sob observação.

Um deles aconteceu numa granja de vison em Teruel, Aragón. Sete dos 14 funcionários deram positivo, acendendo o alerta sanitário nacional. Há pouco mais de uma centena de granjas de vison em todo o país, dedicadas basicamente à produção de peles para a indústria da moda europeia.

A preocupação era especialmente grande por conta dos surtos recentes em sete granjas similares na Holanda. Depois de uma análise em que se descobriram pelo menos dois casos de transmissão entre animais e humanos, o governo holandês decidiu sacrificar todos os visons.

No caso do surto espanhol, depois de uma ampla investigação, descobriu-se que a paciente "zero" era a mulher de um dos funcionários, e não se detectou a presença do vírus nos animais examinados por amostragem.

A indústria espanhola do vison perdeu fôlego na última década. O número de negócios caiu pela metade e também perdeu em faturamento. Além disso, o movimento vegano e animalista vem combatendo francamente a indústria "peletera" espanhola.

Eu vejo zero sentido em criar esses pequenos roedores para adorno, e no entanto há regiões inteiras, como a Galícia, onde a economia local ainda se apoia significativamente em negócios do tipo.

Outros nove surtos recentes de Covid aconteceram em matadouros espanhóis, lugares onde as baixas temperaturas e condições de higiene abaixo das ideais são o tempero perfeito pra propagação do vírus.

Houve também contágios entre os "temporeros", trabalhadores temporários que migram nesta época para a colheita de frutas, e em ambientes domésticos, festas e hospitais.

Dois mortos hoje, apenas dois. Um longo caminho de três meses. Mas pera lá. Também amanhecemos com outro mistério: da noite pro dia, o sistema de monitoramento responsável pela contabilização de todas as mortes no país (não só por Covid) atualizou seus dados e surgiram de golpe cerca de 12 mil falecimentos do nada, quase totalmente concentrados no auge da epidemia, entre meados de março e abril. Mais da metade, na Catalunha. Também serão investigados.

Em tempo: a moda das extensões de cílios de vison (os mais caros e suaves) também mata muitos desses bichinhos, que por sua vez se parecem com as cuícas que o nosso saudoso viralatinha às vezes encontrava ou caçava no quase-sítio onde cresci, na Grande São Paulo. Pobres cuícas —mas eram livres.

Os visons, não. Confinados em jaulas do princípio ao fim, sem luz e sem água (seu habitat natural), esses pequenos mamíferos são mortos, frequentemente, por asfixia em câmeras de gás. Vivem e morrem pra virar casaco e selfie de celebridade. Nossa quarentena assim nem parece tão dura, verdad?

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.

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