Dia #94 - Segunda, 15 de junho. Cena: os primeiros turistas alemães chegam à ilha de Mallorca, um de seus destinos de veraneio preferidos, na costa mediterrânea espanhola.
A primeira vez em que estive na Galícia, em Santiago de Compostela, os galegos se recusavam a falar em espanhol comigo. "Falemox portuguêix", insistiam.
Essa terra que toca Portugal e onde eu me senti estranhamente em casa é a primeira a terminar o processo de desescalada e entrar na Nova Normalidade na Espanha nesta segunda-feira (15).
Na prática, como disse o presidente galego, Alberto Núñez Feijóo, isso significa que a comunidade autônoma de quase 3 milhões de habitantes, cuja capital é a famosa meca da peregrinação Santiago de Compostela, será um “ensaio” para o que nos espera no final de junho em todo o país.
O Novo Normal espanhol prevê uma vida individual e coletiva de mil e uma regrinhas, muitas delas ajustes do que já está em vigor desde o princípio do desconfinamento, em maio.
Haja fluxograma, trena mental e capacidade de contar carneiriños pra absorver tantas porcentagens e talz.
Os terraços de bares e restaurantes admitem até 80% de sua lotação máxima e grupos de até 25 pessoas, contra 75% dentro dos estabelecimentos comerciais em geral, mais hotéis, cinemas e teatros; albergues terão ocupação máxima de 50%; as discotecas só poderão funcionar com áreas ao ar livre por enquanto; áreas comuns de centros comerciais só permitirão uso de até 50% do espaço, e parques, pistas de skate (um real fenômeno em Barcelona, capital internacional de skatistas) e parquinhos infantis deverão ser ocupados à razão de uma pessoa a cada 4 metros quadrados.
No caso das praias, menina dos olhos do espanhol desconfinado, controlar as hordas de gente é mais difícil.
Em Barcelona, neste último sábado (13), foi preciso fechar quatro das principais praias urbanas a partir de certo horário, quando os recém-instalados sensores em vídeo na orla apitaram.
Motivo: excesso de banhistas, loucos por um mergulho no primeiro fim de semana com banho de mar permitido. E olha que os turistas nem chegaram ainda.
Barcelona, como Madri e algumas poucas outras zonas, segue em fase 2, enquanto o resto do país, ou 34 milhões de pessoas (três quartos da população), com exceção de Galícia, entra nesta semana na última fase da desescalada.
Uma das medidas do Novo Normal, que determina que eventos em geral, incluindo shows, showmícios e o que espanholamente se costuma chamar de “mítines” (de “meetings”, em inglês), poderão contabilizar até 300 pessoas em áreas fechadas e mil ao ar livre, influenciará diretamente as eleições galegas em julho, assim como as do País Basco —as primeiras pós-coronavírus no país.
Seja como for, a expectativa é que esses mil novos senões/poréns/agoras do futuro próximo sejam reajustados ao longo do indeterminado caminho até o advento de uma nova vacina ou tratamento.
À boca pequeña, entre gentes diversas —a cubana do café ao lado de casa, o chinês do bazar da esquina, o instrutor da academia de ginástica recém-aberta do bairro—, está se tornando uma espécie de consenso a ideia de que teremos um segundo surto no início do outono, com possíveis novos confinamentos ou semiconfinamentos.
Enquanto esse hipotético momento não chega, a gente tem o verão, com seus terraços, quiosques de praia e ruas cada vez mais lo-ta-das.
Para ir pilotando esses tempos incertos, podemos meditar sobre o conhecido ditado galego, bastante compreensível para nossos ouvidos brasileños: “Con sentidiño, rapaz, con sentidiño”. Que falando enténdense a xente...
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.
DIÁRIO DE CONFINAMENTO
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Dia 1: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'
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Dia 2: 'Teste, só para pacientes internados'
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Dia 3: 'A vida vista de cima'
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Dia 4: 'Panelaço contra o rei'
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Dia 5: 'O perigo mora em casa'
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Dia 6: 'Solidariedade em tempos de vírus'
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Dia 7: 'O lado utópico da crise'
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Dia 8: 'O canto dos pássaros urbanos'
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Dia 9: 'Os de baixo ficam sem banquete'
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Dia 10: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'
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Dia 11: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'
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Dia 12: 'Tensão cresce em diferentes setores'
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Dia 13: 'Único tratamento agora é a disciplina'
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Dia 14: 'Os domingos são como segundas, e as segundas como domingos'
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Dia 15: 'Cada incursão ao exterior é uma operação de guerra'
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Dia 16: 'Começam a proliferar os vigilantes da lei entre os cidadãos'
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Dia 17: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 18: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 19: 'A vida vai registrando uma sucessão de recordes negativos'
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Dia 20: 'Come chocolates, pequena'
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Dia 21: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'
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Dia 22: 'Separados por confinamento, casais marcam encontro no supermercado'
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Dia 23: 'Independentemente da duração, todos sabemos o que é uma quarentena'
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Dia 24: 'A manhã começou com um tutorial japonês maravilhoso sobre tofu'
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Dia 25: 'Espanha testará 30 mil famílias'
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Dia 26: 'Hoje deu vontade de ver o mar'
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Dia 27: 'Perspectiva é de que quarentena tenha prorrogação-da-prorrogação'
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Dia 28: 'E eu, sou não-essencial?'
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Dia 29: 'Qual é a importância das pequenas coisas?'
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Dia 30: 'Após um mês, os espanhóis (alguns) voltam às ruas'
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Dia 31: 'Não há ninguém para colher cerejas'
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Dia 32: 'Queremos pedir que você busque outra casa'
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Dia 33: 'Sobre política e pardais'
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Dia 34: 'As mandíbulas de Salvador Dalí'
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Dia 35: 'Escola, só no ano que vem'
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Dia 36: 'A Nova Normalidade'
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Dia 37: 'A dor é temporária; o orgulho é para sempre'
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Dia 38: 'O início da reconstrução'
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Dia 39: 'O elaborado ritual do passeio em família'
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Dia 40: 'A cidade mascarada'
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Dia 41: 'Um Dia dos Namorados diferente'
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Dia 42: 'Sair, sim, mas com separação de brinquedos'
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Dia 43: 'Tínhamos que tomar decisões duras e rápidas'
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Dia 44: 'A cidade das crianças'
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Dia 45: 'Isso não acabou'
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Dia 46: 'Quatro etapas para o verão'
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Dia 47: 'As piedras no caminho'
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Dia 48: 'O jeito luso'
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Dia 49: 'As novas regras do rolê'
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Dia 50: 'Sobre crânios e crises'
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Dia 51: 'Um dia inesquecível'
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Dia 52: 'Começa o descofinamento'
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Dia 53: 'O comandante e as ovelhas'
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Dia 54: 'Confinados por um fio'
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Dia 55: 'O calor e o jogo do contente'
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Dia 56: 'A Barcelona de mil caras'
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Dia 57: 'Redescobrindo o amor'
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Dia 58: 'Espanha avança pela metade'
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Dia 59: 'O voo da discórdia'
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Dia 60: 'O ano que não houve'
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Dia 61: 'Passando de fase'
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Dia 62: 'Sobre manifestações e cabeleireiros'
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Dia 63: 'San Isidro com flores e máscaras'
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Dia 64: 'Dá medo, medinho, medaço'
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Dia 65: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'
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Dia 66: 'Quentinhas de luxo'
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Dia 67: 'Brasil para espanhol ver'
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Dia 68: 'Parecia Copacabana'
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Dia 69: 'O passinho do lagarto'
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Dia 70: 'As pessoas meio que gritam entre si'
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Dia 71: 'O augúrio chinês'
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Dia 72: 'Estamos enlouquecendo?'
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Dia 73: 'Nazaré confusa e fila pra cerveja'
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Dia 74: 'Enquanto julho não vem'
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Dia 75: 'Contemplemos, meditemos, recordemos'
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Dia 76: 'A fábula do terrorista e da marquesa'
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Dia 77: 'O informe da discórdia'
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Dia 78: 'Lições da cólera em tempos de coronavírus'
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Dia 79: 'Nos deram um pouco de liberdade e agimos como se o vírus não existisse'
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Dia 80: 'Sem pressa, mas sem pausa'
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Dia 81: 'Botellones, a nova discoteca pós-Covid'
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Dia 82: 'Pandemia, crise e racismo'
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Dia 83: 'Sair da UTI para ver o mar'
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Dia 84: 'A senhora deu positivo e deve se isolar imediatamente'
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Dia 85: 'A verdade é que é uma incerteza para todos'
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Dia 86: 'A cultura de bar na Espanha é expressiva'
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Dia 87: 'Todo cuidado é pouco e, inclusive, pode não ser suficiente'
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Dia 88: 'O vírus segue sendo uma ameaça'
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Dia 89: 'O fogo que nunca se apaga'
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Dia 90: 'Uma bolha, uma família'
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Dia 91: 'Músicos do mundinho, uni-vos'
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Dia 92: 'Como um clube de jazz dos anos 1930'
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Dia 93: 'Dinheiro pode estar com os dias contados no pós-pandemia espanhol'
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Dia 94: 'Uma vida de mil e uma regrinhas'
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Dia 95: 'Cada dia, ao chegar em casa, me isolava da minha família'
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Dia 96: 'Abraços, mesmo que de plástico'
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Dia 97: 'Em casa com o agressor'
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Dia 98: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'
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Dia 99: 'O ídolo pop e as amêndoas'
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