Em batalha ideológica, estátuas de líderes democráticos desaparecem na Tailândia

Sumiço atinge monumentos da revolução que transformou monarquia absolutista em constitucional

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Panu Wongcha-um Panarat Thepgumpanat
Bancoc | Reuters

Na Tailândia, estátuas de determinadas figuras históricas têm desaparecido. Mas elas não são monumentos dedicados a líderes coloniais e racistas, como as que viraram alvo dos protestos que eclodiram em todo o mundo após a morte de George Floyd.

Na verdade, o sumiço tem ocorrido com estátuas de líderes da revolução de 1932, que transformou a monarquia absolutista no país em uma monarquia constitucional. Considerados oficialmente heróis nacionais, essas personalidades são símbolos da democracia na Tailândia.

A agência de notícias Reuters identificou a destruição ou renomeação, no ano passado, de ao menos seis locais de homenagem ao Partido Popular, que conduziu a revolução.

Manifestante vestido com uniforme antigo celebra aniversário da revolução de 1932 em Bancoc, na Tailândia
Manifestante vestido com uniforme antigo celebra aniversário da revolução de 1932 em Bancoc, na Tailândia - Jorge Silva - 24.jun.20/Reuters

Na maioria dos casos, não se sabe quem derrubou as estátuas, embora um oficial militar tenha dito à agência que uma delas foi removida porque o governo elaborava um novo paisagismo para o lugar.

Dois campos militares com nomes de líderes de 1932 foram rebatizados sob as ordens do gabinete do primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha, de acordo com uma publicação feita no diário oficial do país.

Mas funcionários das Forças Armadas, do governo e do palácio se recusaram a responder às perguntas da Reuters sobre a remoção de estátuas e a renomeação de campos militares.

Para alguns historiadores, o desaparecimento dos monumentos reflete uma batalha ideológica sobre a história tailandesa.

De um lado estão os conservadores militar-monarquistas que idealizam a cultura tradicional e a lealdade ao rei Rama 10º, que assumiu o trono em 2016.

Do outro, estão os partidos populistas, os ativistas e os acadêmicos que se destacaram nas últimas duas décadas e fizeram parte dos protestos que levaram o país a dois golpes militares, em 2006 e 2014.

Nos últimos anos, os conservadores têm estado em ascensão. As eleições do ano passado, consideradas fraudulentas pela oposição, mantiveram no poder Prayuth, líder dos regimes militares. O primeiro-ministro e os tribunais da Tailândia negam as acusações de manipulação do pleito.

No entanto, desde 2019, diversas modificações em lugares que guardam a memória da revolução têm ocorrido.

Um grande monumento do Partido Popular em Bancoc e ao menos três vultosas estátuas de seus líderes em áreas militares foram removidas.

Um museu que comemorava a revolução, localizado na cidade de Chang Hai, no norte do país, teve o nome substituído. E uma placa que sinalizava o local da tomada de poder em 1932 foi trocada por uma com o slogan da realeza. Nenhuma explicação foi dada para as mudanças.

"O que estamos vendo agora é uma limpeza ideológica pelo desaparecimento de locais históricos", afirma Chatri Prakitnonthakan, historiador de arquitetura da Universidade Silpakorn.

Há, no entanto, quem discorde dessa opinião. Thepmontri Limpaphayorm, historiador independente conservador, disse à Reuters que as mudanças provavelmente não foram resultado de um movimento coordenado para apagar o passado, mas possivelmente fruto de ações individuais de monarquistas.

"Na história, existem sentimentos pessoais, e são esses sentimentos que criam mudanças", afirma.

A cultura tradicional tailandesa vê na monarquia uma instituição unificadora e, por vezes, quase divina.

O pai de Rama 10º foi amplamente reverenciado durante seus 70 anos de reinado. A tradição exige que todos os tailandeses se prostrem perante o rei e sua família imediata, e insultar a monarquia é punível com pena de prisão de até 15 anos.

Nos últimos anos, sucessivos líderes militares, incluindo Prayuth, retrataram seus críticos como ameaças potenciais à monarquia.

As manifestações contra o domínio militar, por sua vez, têm se identificado cada vez mais com a revolução de 1932, explica o historiador Chatri.

Nesta quarta-feira (25), comemorou-se o 88º aniversário da revolução, e ativistas políticos de vários grupos da Tailândia realizaram protestos pacíficos para celebrar a data.

Em uma das manifestações, no Monumento à Democracia de Bancoc, cerca de 40 ativistas exibiram um vídeo em tela grande no qual encenavam o discurso dos líderes do Partido Popular após a publicação da primeira constituição da Tailândia.

"Hoje, 88 anos atrás, por volta do amanhecer, o Partido Popular tomou o poder e mudou o sistema de governo para uma democracia", dizia o ativista pró-democracia Anon Nampa.

A polícia disse à Reuters que estava monitorando protestos em pelo menos 12 províncias do país.

A Tailândia proibiu grandes reuniões públicas durante a emergência do coronavírus, mas as autoridades não bloquearam as manifestações.

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