EUA atacam a China ao negociar acordo nuclear com a Rússia

Desinteresse de Trump faz mundo correr risco de não ter limites a armas atômicas em 2021

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Estados Unidos e Rússia iniciaram nesta segunda (22) uma rodada de negociações para tentar estender o prazo do seu principal acordo de limitação de armas nucleares, que expira em 5 de fevereiro de 2021.

As chances de sucesso para a empreitada, contudo, são limitadas pelo desinteresse do governo de Donald Trump no Novo Start (sigla inglesa para Tratado de Redução de Armas Estratégicas).

Foto postada por Billingslea mostra as bandeiras chinesas colocadas pelos americanos na mesa de reunião
Foto postada por Billingslea mostra as bandeiras chinesas colocadas pelos americanos na mesa de reunião - @USArmsControl no Twitter

O primeiro dos dois dias de conversa foi emblemático. O enviado de Trump, Marshall Billingslea, fez uma encenação, mostrando cadeiras vazias com bandeirinhas chinesas na sala em que se reuniria com o vice-chanceler russo, Serguei Riabkov, no prédio do Ministério das Relações Exteriores da Áustria, em Viena.

"Negociações em Viena estão para começar. A China está ausente. Pequim ainda se esconde atrás da Grande Muralha do Segredo sobre o incremento de seu arsenal nuclear e também sobre tantas outras coisas. Vamos proceder com a Rússia, de todo modo", escreveu.

O problema é que Pequim não faz parte do Novo Start, acordo assinado em 2010 por Barack Obama e Dmitri Medvedev, então presidente russo indicado por Vladimir Putin.

Trump, que vive com os chineses uma versão 2.0 da Guerra Fria que seu país já travou com a Rússia enquanto União Soviética, quer os asiáticos num novo acordo.

Pequim já disse que não participaria da renovação de um arranjo do qual não fez parte, até porque seu arsenal nuclear é uma fração daquele operado pelas antigas superpotências atômicas.

Pequim tem 320 ogivas nucleares, segundo a Federação dos Cientistas Americanos, referência no setor. Os EUA, 1.750 prontas para uso, e os russos, 1.572, embora o estoque de bombas de Moscou seja maior que o americano.

O Novo Start previa um teto de 1.550 ogivas operacionais para cada lado, e de 700 meios de transportá-las ao alvo, sejam aviões, submarinos ou mísseis lançados de silos em terra.

Ao estilo mais incisivo de sua nova diplomacia, Pequim respondeu duramente. O chefe da área de controle de armas do Ministério das Relações Exteriores, Fu Cong, criticou o uso indevido de bandeiras chinesas e tuitou: "Boa sorte pela extensão do Novo Start! Me pergunto o quão baixo você pode ir".

Já a representação chinesa em Viena, cidade que sempre hospeda negociações sobre o tema nuclear por ser sede da Agência Internacional de Energia Atômica, ironizou a foto de Billingslea: "Arte performática americana?".

Os russos mantiveram a fleuma e se limitaram a postar uma foto da sala de reunião, sem a instalação americana.

Troca de farpas à parte, a negociação tem tudo para dar errado, a começar pela ausência de China e de outras potências como França e Reino Unido.

​A administração Trump tem dado repetidos sinais de abandono do arcabouço que manteve os dois principais arsenais nucleares do mundo sob algum tipo de escrutínio desde o primeiro acordo do gênero, de 1972.

Há questões militares subjacentes às políticas. Os EUA temem que a modernização do arsenal russo de armas estratégicas, com a introdução de mísseis hipersônicos e até de um "torpedo do Juízo Final", tenha colocado o país atrás no campo e veem os acordos egressos da Guerra Fria como limitadores dessa percepção.

Especialistas não concordam com a assertiva integralmente, sem de todo modo inocentar Putin de buscar expandir suas capacidades nucleares enquanto publicamente se mantém disposto a obedecer aos mecanismos bilaterais de controle.

Teste do míssil intercontinental pesado Sarmat, uma das novas armas de Putin
Teste do míssil intercontinental pesado Sarmat, uma das novas armas de Putin - EPA - 2.abr.2018

A iniciativa, contudo, é de Trump. Ele já deixou um importante tratado para limitação do uso de mísseis de alcance intermediário na Europa e suspendeu a participação em outro que permitia voos mútuos de verificação de instalações militares, o chamado Céus Abertos.

Ao mesmo tempo, revisou sua política nuclear para facilitar o emprego de armas de menor potência e ampliar o escopo de seu uso.

Colocou em operação uma bomba desse tipo a bordo de submarinos neste ano, levando a Rússia a ameaçar com retaliação total caso qualquer míssil seja lançado das embarcações.

Putin já alertou, na linha de especialistas no assunto, que os movimentos americanos levam o mundo a um patamar perigoso de confrontação nuclear.

Washington ainda deixou o acordo nuclear que visava tolher capacidades bélicas dos iranianos e está com as negociações com a Coreia do Norte, que já tem a bomba, paralisadas.

Tanto Billingslea quanto Riabkov deram declarações genéricas sobre as conversas.

"A falta de limites verificáveis de armas nucleares russas traz um grande risco para a segurança nacional dos EUA e seus aliados, potencialmente disparando uma renovada corrida armamentista", afirmou em nota o Boletim dos Cientistas Atômicos, organização americana dedicada à não proliferação.

"Tal estado das coisas tornaria ainda mais improvável a entrada da China em discussões de controle de armas", completa o texto, reforçando que Trump poderá conseguir exatamente o contrário do que diz querer com sua posição.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.