'Fui agredido e preso nos atos, mas tenho privilégios por ser jornalista e branco', diz repórter nos EUA

Christopher Mathias foi detido enquanto trabalhava para o HuffPost num protesto em NY

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Washington

Christopher Mathias nunca tinha sido preso durante o trabalho. Nem em outra ocasião. Mas, na noite de sábado (30), o jornalista de 34 anos foi agredido e detido em Nova York enquanto fazia a cobertura dos protestos contra o racismo e a violência policial nos EUA.

Repórter do HuffPost há nove anos, já acompanhou vários atos antirracistas e diz que nunca viu a polícia tão raivosa contra a imprensa como agora.

Apesar da violência, Mathias diz estar ciente de que teve tratamento privilegiado por ser branco e jornalista.

O repórter Christopher Mathias, 34, do HuffPost, é detido durante protesto em Nova York
O repórter Christopher Mathias, 34, do HuffPost, é detido durante protesto em Nova York - Phoebe Leila Barghouty no Twitter

"Se eles estão perseguindo um jornalista branco dessa maneira, você pode imaginar o que eles fazem com as pessoas que não têm minha profissão e meus recursos."

Há dez dias, ele se tornou um dos diversos jornalistas agredidos e presos durante a cobertura dos atos pela morte de George Floyd, homem negro e desarmando que foi asfixiado por um policial branco em Minnesota.

Com o crachá pendurado no peito, Mathias foi empurrado contra a sarjeta e imobilizado por vários policiais, que mantinham pressão sobre o seu pescoço enquanto ele gritava que era jornalista.

"Era um protesto sobre George Floyd, e era a mesma cena. Claro que isso veio à minha cabeça", conta ao relembrar seu momento de maior pânico.

De Nova York, o repórter conversou com a Folha por telefone e relatou sua prisão.

"Estava cobrindo os protestos no Brooklyn. Milhares de pessoas marchavam pelas ruas e tudo corria de forma tranquila, mas, quando começou a anoitecer, as coisas esquentaram. Algumas viaturas foram incendiadas, e os policiais ficaram muito agressivos, atacando e prendendo pessoas.

Flatbush é um bairro no Brooklyn predominantemente de pessoas negras, com longo histórico de policiais atacando, constrangendo e matando moradores.

Eu estava filmando com meu celular a ação da polícia contra manifestantes quando um policial passou correndo e esbarrou em mim. Ele disse para eu sair de seu caminho, mas tinha muito espaço ao meu redor. Eu já tinha visto muita coisa naquele dia e estava agitado, então mandei um: "Vá se foder".

Ele já tinha passado por mim, mas decidiu voltar até onde eu estava. E então começou.

O policial me empurrou na sarjeta, eu caí e alguns outros oficiais pularam em cima de mim.

Eles me deram ordens que eu não conseguia cumprir. Falavam para eu colocar o braço para trás, mas era impossível pelo jeito que estavam torcendo o meu corpo.

Eu me identifiquei várias vezes como jornalista. Estava com meu crachá pendurado no pescoço o tempo todo e, quando eles estavam em cima de mim, eu gritava sem parar que era jornalista e pedia para que eles pegassem meu celular, que havia caído da minha mão na hora do ataque. Mas eles se recusavam.

Um jornalista encontrou o aparelho no meio da rua e me devolveu no dia seguinte, e aí vi que toda a ação da polícia contra mim tinha ficado gravada.

No vídeo, é possível ouvir os policiais me xingando de cuzão, mandando eu calar a porra da minha boca e parar de resistir, e eu dizia: "Não estou resistindo".

Eles mantinham um pé ou um joelho no meu pescoço, eu não conseguia ver o que era. Era um protesto sobre George Floyd, e era a mesma cena, claro que isso veio à minha cabeça.

Então eles me algemaram, eu disse que eles estavam prendendo um jornalista e um deles respondeu: "Então você deveria ter saído do meu caminho".

Me colocaram em uma van e minha preocupação era com minha mulher, minha família e meus colegas de trabalho. Como eles saberiam onde eu estava?

Uma fotógrafa tirou uma foto na hora e tuitou as imagens, e as pessoas viram.

Quando saí da prisão, liguei para minha mulher, e ela já estava sabendo.

Eu sei que ser jornalista e branco fez diferença. Se eles estão perseguindo um jornalista branco dessa maneira, você pode imaginar o que eles fazem com as pessoas que não têm minha profissão e meus recursos. Minha experiência teve privilégios.

Não é que o que aconteceu comigo não tenha sido errado, mas parece claro que fui tratado de um jeito mais ameno. O gabinete do prefeito [de NY, Bill de Blasio] enviou pedidos de desculpas para a Redação do HuffPost. Eles nunca se desculpariam se eu não fosse jornalista.

Fui liberado à 1h30 de domingo (31), acho que fiquei preso por umas 3 horas.

Primeiro, numa cela com outros 15 homens, 11 deles negros, sem distanciamento social e sem máscaras. Todos presos no protesto. Depois, fui transferido para uma cela em outra delegacia, onde fiquei sozinho por 20 minutos e, então, fui solto.

Minha acusação é "negar-se a dispersar", o que não fiz.

Há uma quantidade absurda de jornalistas agredidos e presos durante a cobertura dos protestos.

O jornalista Christopher Mathias
O jornalista Christopher Mathias - Arquivo pessoal

Já cobri atos antirracistas em outras ocasiões, pela morte de Eric Garner, em 2014, pela morte de Freddie Gray, em 2015, e também manifestações de supremacistas brancos e comícios de Donald Trump.

É visível que a polícia está mais agressiva contra a gente agora.

Tem um movimento anti-imprensa se fortalecendo há quatro anos nos EUA, com a retórica de Donald Trump. Seus apoiadores odeiam repórteres, é uma coisa maluca, é rotina nos comícios ter um momento para vaias e xingamentos na direção dos jornalistas.

Mas essa foi a primeira vez que fui preso. E talvez fosse inevitável.

Está havendo muita retaliação policial durante os atos que são contra a retaliação policial.

Os jornalistas estão filmando o que está acontecendo, mas isso não parece fazer com que policiais sejam menos violentos. Pelo contrário.

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