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Mortes e desmaios em filas de hospitais retratam agravamento da crise da Covid na Bolívia

País convive com saturação do sistema de saúde ao mesmo tempo em que enfrenta tumultos políticos

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Buenos Aires

Imagens inquietantes têm chegado da Bolívia. Em cidades como La Paz, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra, pessoas desmaiam ou morrem nas filas de prontos-socorro ou no trajeto de um hospital a outro em busca de atendimento médico —muitas vezes sem sucesso.

Diante desse quadro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) lançou um comunicado "expressando consternação sobre as informações de mortes de pessoas nas vias públicas, diante da impossibilidade de receber atenção médica por conta da saturação dos hospitais".

Depois de dois meses em que a população, em sua grande maioria, respeitou as regras da quarentena para evitar a disseminação do novo coronavírus, a situação hoje no país está fora de controle.

Trabalhadores do sistema de saúde visitam casas em bairros de Santa Cruz de la Sierra
Trabalhadores do sistema de saúde visitam casas em bairros de Santa Cruz de la Sierra - Enrique Canedo - 20.jun.20/AFP

Mesmo com os auxílios oferecidos pelo governo, muitos precisam ir às ruas para trabalhar, uma vez que, na Bolívia, 62,3% da população vive do trabalho informal, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.

As situações mais graves ocorrem em Cochabamba e em Santa Cruz de la Sierra, cidade mais populosa do país, com 3,3 milhões de habitantes.

A Grande Santa Cruz, que inclui distritos da área metropolitana e está próxima à fronteira com o Brasil, responde por 60% dos casos de coronavírus no país. Nesta terça-feira (23), a Bolívia registrava 25.493 infectados e 820 mortes, de acordo com dados compilados pela Universidade Johns Hopkins.

"Não é só nos hospitais que não há lugar, também há cemitérios que não dão conta, não têm mais espaço e não recebem os corpos", relata o jornalista Pablo Ortiz.

"As pessoas, então, os levam para casa e os enterram de forma não apropriada, o que gera mais contaminações. Obviamente esses números oficiais estão muito abaixo da realidade."

De acordo com o site Worldometer, a Bolívia realiza 5.267 testes a cada 1 milhão de habitantes, cifra bem abaixo do Chile, líder na América do Sul no quesito, com 52.064 exames. Santa Cruz, capital econômica da Bolívia, tem capacidade de realizar 50 testes por dia.

Ortiz conta que, na cidade, cresceu também o mercado ilegal de receitas de remédios vendidos apenas com autorização médica. "As pessoas estão se automedicando com antivirais, antibióticos, sem saber se é um tratamento correto para o caso."

Para o chefe de vigilância epidemiológica do Sedes (Serviço Departamental de Saúde) de Cochabamba, Rubén Castillo, há um erro de protocolo na orientação dada à população, que busca o sistema de saúde apenas quando os casos são muito graves, e o uso de respiradores, necessário.

"Só que nós não temos respiradores. As pessoas estão morrendo no caminho."

Segundo Castillo, há 18 leitos de UTI equipados com respiradores em Cochabamba, e todos estão ocupados. Na capital do país, La Paz, a situação não é muito diferente. Há 21 leitos de UTI em toda a cidade, e todos estão lotados no momento.

Uma das imagens que chamaram a atenção da CIDH e da comunidade internacional foi a de um homem de 33 anos que buscou atendimento em várias unidades até cair no chão e morrer na fila para ser atendido no hospital de Cotahuma.

De acordo com a Sociedade Boliviana de Medicina Crítica e de Terapia Intensiva, há apenas 140 leitos apropriados para atender casos graves de coronavírus em todo o país, e seriam necessários, ao menos, outros 700 para atingir o número ideal no atendimento à população.

Como se não bastasse a saturação do sistema de saúde, o país vive momento político complicado.

Em meio à pandemia, um caso grave de corrupção eclodiu: 170 ventiladores comprados pelo ex-ministro da Saúde Marcelo Navajas foram comprados com superfaturamento. Ele foi demitido do cargo e agora está detido, aguardando julgamento.

O mais grave, no entanto, é que os ventiladores adquiridos sequer servem para o tratamento da Covid-19.

Após a renúncia de Evo Morales e um complicado arranjo que levou Jeanine Añez ao poder interinamente, novas eleições foram marcadas para 3 de maio, mas a pandemia obrigou o governo a adiar o pleito.

Depois de discussões acirradas, o Congresso e o tribunal eleitoral concordaram em realizá-lo em 6 de setembro. Añez, que também é candidata, resistiu a aceitar, mas acabou referendando a data.

Por fim, a situação social e econômica do país também está se deteriorando com a pandemia.

Desde o começo da quarentena, segundo a Defensoria do Povo, 2,4 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, enquanto a ajuda do governo está vinculada a requisitos que nem todos atendem: ter filhos na escola, ser maior de 60 anos ou estar registrado em outros programas de assistência social.

O benefício destinado aos que não preenchem as exigências não é suficiente para comprar uma cesta básica familiar por mês. A crise e a recessão dos dois principais compradores de gás da Bolívia —o Brasil e a Argentina— pioram a situação do país.

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