Descrição de chapéu Coronavírus

Por que os uruguaios são os únicos sul-americanos autorizados a entrar nos países da UE?

Sem quarentena, mas com testes e forte campanha de conscientização, país registra apenas 27 mortos por coronavírus

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Buenos Aires

Mesmo sem ter estabelecido uma quarentena obrigatória, o Uruguai tem mantido baixos seus índices de infecção pelo novo coronavírus —o país registra menos de mil casos e apenas 27 mortes por Covid-19.

A receita para conseguir um dos menores índices da América do Sul (atrás do Suriname e da Guiana) e garantir a única vaga da região na lista de turistas estrangeiros autorizados a entrar na União Europeia a partir de quarta (1º) combina um bom sistema nacional de saúde com a realização de muitos exames.

O Uruguai faz 18.892 testes por milhão de habitantes, índice no qual está à frente de Brasil (14.445/1 milhão), Colômbia (14.612/1 milhão), Argentina (7.798/1 milhão) e Paraguai (9.723/1 milhão).

O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, à esq. durante entrevista coletiva em Montevidéu
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, à esq. durante entrevista coletiva em Montevidéu - Nicolás Celaya - 31.mai.20/Xinhua

Os números do Uruguai, no entanto, são inferiores aos de países que têm sofrido muito mais com a pandemia, como os EUA (105.302/1 milhão) e a Rússia (136.035), que lideram com o Brasil o ranking de infecções.

Em números absolutos, desde que foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 no país, em meados de março, o Uruguai já realizou 65.626 testes, de acordo com o site Worldometer, ou seja, 1,9% da população, de 3,44 milhões de pessoas, fez exames de detecção.

Para cada exame com resultado positivo, rastreia-se de 15 a 20 contatos da pessoa infectada. Se um deles também estiver com o coronavírus, novos rasteamentos são feitos.

Rafael Radi, chefe da comissão de 60 cientistas que assessoram a Presidência do país, explica que o país também analisa as variações do vírus. Ao conhecer o sequenciamento do genoma do patógeno é possível estabelecer a origem de focos. Um deles, recente, veio do Brasil, por exemplo.

Além dos testes, especialistas apontam o bom sistema de saúde do país, tanto o público quanto o privado, como motivo para os bons números.

Mais de 70% da população adere às chamadas "mutuales", sistema que funciona como uma cooperativa, sem a participação do Estado, mas dos cidadãos, que pagam uma mesma taxa. Os que necessitam de atendimento são pagos pelos demais.

Apenas 15% da população têm um plano de saúde privado como os que operam no Brasil.
E quem não nem um nem outro pode ainda usar a rede pública, disponível para todos os cidadãos.

Os uruguaios, porém, tomaram um susto no último dia 19, quando um foco de 18 casos surgiu no departamento de Treinta y Tres. De cada quatro novas infecções detectadas desde então, três vinham dali, onde também ocorreu a primeira morte depois de mais de duas semanas sem óbitos. A notícia foi manchete nos jornais do país.

O presidente Luis Lacalle Pou, que assumiu o cargo em março, viajou até Treinta y Tres e lá fez um "mea culpa": "Relaxamos um pouco. Retrocedemos algumas casas no tabuleiro. Vamos ter de colocar uma pausa na reabertura e retroceder tudo o que for necessário".

O país vinha reabrindo shoppings, lojas, restaurantes e até mesmo escolas. Desde o começo, Lacalle Pou, do partido Nacional, liberal de centro-direita, estava convencido de que uma quarentena não deveria ser feita.

"Tomei essa decisão por convicção política, de que o Estado não pode se meter nas decisões do cidadão. Investimos em conscientização e prevenção", disse, em entrevista a uma emissora de TV.

Para Mariana Pomiés, diretora da consultoria Cifra, o "uruguaio médio aceita as medidas de prevenção sem precisar ser forçado a isso devido ao alto nível de educação no país".

"Campanhas de prevenção na TV e pronunciamentos constantes do presidente e das autoridades de saúde foram suficientes para conscientizar a população."

Presidente uruguaio, Lacalle Pou, visita a cidade de Rivera, na fronteira com o Brasil - Presidência do Uruguai/ Divulgação

Outra preocupação do Uruguai é a fronteira com o Brasil, principalmente na região de Rivera, vizinha à Santana do Livramento. Um dos focos recentes de contágio no país veio de uma mulher que havia cruzado para o lado brasileiro para fazer compras e, depois, foi de ônibus a Montevidéu.

As autoridades de saúde pública seguem entrando em contato com todas as pessoas com quem ela esteve durante o trajeto para aplicar testes de detecção da Covid-19.

Algo semelhante ocorreu, no começo da pandemia, quando uma socialite chegou da Europa e resolveu ir a uma festa no bairro nobre de Carrasco, contaminando dezenas de pessoas.

Entre os países sul-americanos, há outro que vem se saindo bem contra o coronavírus. Trata-se do Paraguai, com 2.221 casos confirmados e 17 mortes, segundo dados compilados pela Universidade Johns Hopkins. A população do país, de 6,9 milhões de habitantes, no entanto, é o dobro da do Uruguai.

A estratégia paraguaia foi diferente. O presidente Mario Abdo Benítez, de direita, apostou em proibições, medidas de quarentena e punições para os que violassem as regras de distanciamento. Agora, ainda com as fronteiras fechadas, começa a reabrir a economia do país.

Ou seja, de um lado, o Uruguai, com políticas liberais e progressistas. De outro, o Paraguai, por uma via mais linha-dura. Ambos com sucesso até aqui, mesmo levando em conta o fato de terem como vizinhos Brasil e a Argentina, países com dificuldades muito maiores de conter o vírus.
"O principal problema do Uruguai hoje é o Brasil devido ao tamanho da fronteira e da falta de retorno em relação a propostas de trabalho bilateral nas regiões fronteiriças", afirma Radi.
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