Descrição de chapéu

Protestos saem das ruas para as Redações dos EUA e forçam mudanças

Artigo do senador republicano Tom Cotton levou à demissão do editor de Opinião do NYT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O New York Times publicou um artigo "by Adolf Hitler" em 22 de junho de 1941, "A arte da propaganda", e não pode agora renegar o texto de um senador republicano, cobrando intervenção militar contra os protestos, "Envie as tropas".

O argumento foi levantado —sem atentar à ironia da comparação— por uma âncora da Fox News, em meio ao sem-fim de entrevistas do canal direitista com o senador Tom Cotton, que escreveu o artigo veiculado na quarta (3) pelo jornal.

À sua maneira, resumiu o debate que voltou a ocupar a imprensa americana diante da crise aberta nas Redações de NYT, Philadelphia Inquirer, Pittsburgh Post-Gazette e outros, todas refletindo as manifestações contra o racismo no país:

Os jornalistas devem ser isentos, não tomar posição? Devem dar voz a todos, mesmo aqueles que ameacem os próprios jornalistas?

Manifestantes carregam placas com foto de George Floyd em protesto em Hollywood, na Califórnia
Manifestantes carregam placas com foto de George Floyd em protesto em Hollywood, na Califórnia - Agustin Paullier - 7.jun.2020/AFP



Nas duas primeiras Redações citadas, a resposta foi, como nas ruas, de proporção espantosa. Centenas ou, no caso do NYT, cerca de mil profissionais se sublevaram nas plataformas usadas internamente, como Slack e Zoom, vazando para o Twitter apesar das restrições dos códigos de conduta.

Contra o artigo de Cotton, tuitaram que ele "põe funcionários negros do NYT em perigo". Os episódios de violência contra repórteres, sobretudo negros, protagonizados por policiais e Guarda Nacional, já passaram de cem desde o início dos protestos. Um fotógrafo perdeu um olho. Com soldados, seria pior.

Na Fox News, de novo à sua maneira, o senador expôs o conflito: "Vamos ser claros, tudo isso remete ao publisher e sua falta de vontade de enfrentar jovens de 20 e 30 anos formados em palestras sobre justiça social nas universidades".

O publisher A. G. Sulzberger, que tem 39 anos e assumiu o NYT há dois, de início tentou defender a publicação do artigo, com o argumento tradicional de que é preciso conhecer opiniões das quais se discorda —até para que sejam escrutinadas e vencidas.

Mas pouco a pouco, em seguidas reuniões com os jornalistas em revolta, inclusive uma geral da Redação, foi cedendo e acabou empurrando para a demissão o editor de Opinião, James Bennet, seu amigo pessoal —e nome preferido, especula-se, para comandar a Redação na mudança prevista para 2022.

Justificou com o que chamou de "quebra nos processos de edição", referência, entre outros, ao fato de Bennet nem sequer ter lido o artigo antes de publicar. Mas o resultado é que a rebelião venceu.

O caso do Inquirer foi imediatamente anterior e semelhante. O jornal publicou uma coluna na terça (2) com o título "Prédios importam também", contra a depredação de imóveis nas manifestações, fazendo trocadilho com "Vidas negras importam".

Em meio a abaixo-assinado de jornalistas negros e paralisação, o editor Stan Wischnowski se desculpou pelo título "profundamente ofensivo" e convocou reunião da Redação, que resultou emocional como no NYT, com lágrimas e mais desculpas.

Mas no fim de semana o resultado foi o mesmo. Wischnowski se demitiu, para abrir caminho para mudanças maiores no jornal.

Os casos do Post-Gazette e dos títulos menores Bon Appetit, da Condé Nast, e Refinery29, da Vice, são um pouco diversos, apontando diretamente para episódios de discriminação racial por parte de editores —e o resultado nos dois últimos já foram novos pedidos de demissão.

No NYT e no Inquirer, a edição de textos de opinião foi apelativa, sensacionalista, refletindo a demanda por impacto em mídia social —e também a ausência de profissionais negros no processo.

Enquanto o Inquirer fala agora em acelerar a diversificação da Redação, Sulzberger promete contratar mais profissionais para melhorar a edição de opinião e deve cortar em 20% o volume de artigos, adiantando:

"Existem questões fundamentais a serem abordadas sobre a mudança do papel do jornalismo de opinião no mundo digital, e começaremos o trabalho para reinventar o formato do artigo de opinião, para que os leitores entendam por que escolhemos dar relevo a cada argumento."

No final da mensagem aos jornalistas do NYT, ele quis expressar "claramente", após ter sido questionado por eles ao longo da semana: "Como instituição, somos contra o racismo em todos os cantos da sociedade".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.