Descrição de chapéu Caixin China

Sem política de longo prazo, China investe em região remota para erradicar pobreza

Meta faz parte do último plano quinquenal do regime e deve ser atingida até dezembro

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Wang Su Ingrid Luan
Caixin

No alto da extremidade montanhosa sul da província de Sichuan, um grupo de jovens se reuniu para bater papo e jogar baralho ao ar livre num dia de semana ao meio-dia. Tomando Pepsi e munidos de seus celulares, os jovens estavam acompanhados por uma galinha e uma vaca.

Mudanças dramáticas vêm acontecendo nos últimos anos na prefeitura autônoma de Liangshan Yi. A ambiciosa campanha lançada por Pequim para derrotar a pobreza absoluta até o fim deste ano intensificou a urbanização e incluiu a distribuição de subsídios generosos às pessoas vistas como merecedoras da ajuda.

Mas alguns moradores perguntam o que vai acontecer quando a campanha terminar e avisam que a transformação econômica não foi construída sobre bases sólidas.

De acordo com o chefe do Partido Comunista dessa província, Peng Qinghua, Liangshan “é um dos maiores campos de batalha da luta nacional contra a pobreza”.

casas com paredes de barro
No vilarejo Sanhe, em Liangshan, que recebeu uma visita do presidente Xi Jinping em 2018, a maioria das famílias vive em casas precárias - Wang Su/Caixin

Desde a divulgação do 13º Plano Quinquenal, em 2016, no qual Pequim prometeu acabar com a pobreza até 2020, o presidente Xi Jinping converteu a campanha em uma de suas políticas mais importantes.

A linha da pobreza na China é definida como uma renda anual de 2.300 yuans nos valores de 2010, o que equivale a cerca de 4.200 yuans hoje —aproximadamente US$ 600 (R$ 3.200).

Mas os valores variam em diferentes regiões, e na prática o governo também leva em conta as diferenças nos preços de alimentos, moradia e saúde de cada área.

Liangshan tem sete condados mais pobres —onde a renda média está abaixo da linha da pobreza. É mais do que qualquer outra região do nível de uma prefeitura na China.

Assim, essa região remota e acidentada desafia Pequim a mostrar que o país poderá de fato cumprir o prazo autoimposto para abolir a pobreza absoluta neste ano.

“Contagem regressiva: é preciso vencer a batalha decisiva contra a pobreza”, diz em letras garrafais um telão eletrônico diante de uma repartição pública na cidade de Shachahe, que recebeu um influxo de dinheiro e funcionários governamentais desde que foi visitada por Xi Jinping na primeira escala de sua turnê por regiões miseráveis, em 2018.

A maioria das família classificadas como extremamente pobres no vilarejo de Sanhe, pertencente ao distrito, foi transferida dos barracos sem janelas divididos com seus animais para novos apartamentos em Shachahe que custaram apenas 10 mil yuans cada (R$ 7.620).

Cerca de 42 bilhões de yuans (R$ 31,9 bilhões) foram reservados para a construção de estradas e canais em Liangshan em 2019 e 2020. Dos 5 milhões de habitantes da prefeitura, apenas 178 mil vivem abaixo da linha de pobreza.

Mas um funcionário do partido encarregado de reduzir a pobreza em Liangshan disse que a maior parte do trabalho que vem sendo feito “é para o curto prazo”, porque “a prioridade do governo é alcançar a meta de pobreza zero até o final do ano”.

Para ele, desenvolver uma economia local sustentável e próspera levará muito mais tempo.

O funcionário se preocupa com o que vai acontecer quando milhares de outros como ele, designados para aliviar a pobreza, deixarem a região depois de a campanha contra a pobreza ser declarada um sucesso.

Cerca de 775 mil funcionários públicos, de hospitais e universidades, foram despachados para vilarejos em todo o país. Mas há um receio crescente de que os moradores das vilas tenham ficado muito dependentes desses funcionários.

O governo chinês deveria atribuir alto valor à proposta de não deixar a pobreza voltar e deveria ajudar a desenvolver a força de trabalho local por meio de formação profissional, “para construir uma força-tarefa que nunca deixe a região”. A opinião é de Liang Jin, membro sênior da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, em proposta enviada no final de maio ao órgão consultivo político de alto nível.

Quando um ex-morador de vilarejo que havia sido transferido para um apartamento novo foi questionado sobre seus planos para o futuro, ele respondeu com franqueza: “Não sei. Antigamente as pessoas do vilarejo ficavam muito ocupadas nesta época do ano, mas hoje jogamos baralho todos os dias”.

Mesmo em meio à contração econômica recorde na esteira da pandemia –o PIB chinês encolheu 6,2% no primeiro trimestre deste ano--, a China continuou a travar a campanha contra a pobreza.

Em seu relatório anual de trabalho governamental, o premiê Li Keqiang disse que “garantir a vitória na batalha contra a pobreza” continuaria a ser uma prioridade.

Para isso, além do envio de funcionários aos vilarejos, empresas privadas de todo o país também foram encarregadas de algumas tarefas.

A família de Jihao Yeqiu, do vilarejo de Sanhe, que recebeu uma visita pessoal de Xi, elevou sua renda acima da pobreza vendendo batatas e gado para empresas sediadas a mais de 1.100 km de distância, em Foshan, na província de Guangdong, no sul da China.

Por determinação do governo central, as autoridades nesse centro manufatureiro pediram que empresas comprassem produtos de Liangshan a alguns pontos percentuais acima do valor de mercado.

Para isso, o governo local garante apoio financeiro indireto tirado de uma reserva de 760 milhões de yuans (R$ 578 milhões) alocada para apoiar a prefeitura.

Porém, sob esse modelo subsidiado, a indústria em Liangshan não se desenvolveu de modo sustentável, e isso basicamente aponta para um fracasso no longo prazo, segundo Luo Xiangyu, presidente de uma cooperativa agrícola local. Ele espera que o governo invista mais em indústrias e infraestrutura básicas.

Também foi pedido a empresas de Foshan que contratassem trabalhadores de Liangshan, mas cerca de metade das pessoas de Liangshan que foram contratadas acabou retornando às vilas rurais de origem, segundo autoridades locais.

Algumas atribuíram seu retorno ao clima subtropical quente e úmido de Foshan. Outras apontaram para o trabalho árduo e os baixos salários. Outro fator é que a maioria dos moradores dos vilarejos de Liangshan é da etnia yi, tendo sua língua e cultura próprias, e pode se sentir deslocada na sociedade chinesa maior, dominada pela etnia han.

trabalhadores passam por fila de montagem em fábrica
Em Foshan, na província de Guangdong, funcionários da minoria étnica yi visitam linha de montagem em uma fábrica antes de escolher suas posições de trabalho - Liang Yingfei/Caixin

O grupo Alibaba, gigante do comércio eletrônico, anunciou um plano para ajudar os moradores dos vilarejos a vender hortifrútis em seu mercado Taobao.

Mas devido ao clima inclemente de Liangshan, as colheitas não são fartas, e a região quase não tem nada para vender, segundo o representante comercial de Liangshan, Bai Yu.

Xiao Lin, professor de economia na Faculdade Xichang, de Liangshan, vem dizendo há anos que o maior problema da região é a falta de recursos humanos.

Para ele, a falta de investimento na população de Liangchan e em mecanismos que cultivem talentos prejudica o alcance da campanha local de combate à pobreza.

Quase 19% da população local era analfabeta quando foi feito o segundo recenseamento nacional, em 2010. A região também vem enfrentando um problema sério com heroína. Um chefe de polícia local disse à mídia em 2015 que o número real de viciados em Liangshan era muito maior que a cifra oficial de 50 mil.

Muitas pessoas depositam suas esperanças na próxima geração, que desde 2016 começou a ter acesso à pré-escola e ao ensino secundário gratuitos e está mais adaptada às necessidades da força de trabalho moderna que seus pais e avós.

Num complexo construído especialmente para camponeses pobres, um homem na casa dos 40 anos contou que se mudou para a cidade especialmente para que sua filha pudesse frequentar a escola.

Quando carros passavam na rua, as crianças da etnia yi se levantavam, saudavam e davam risada, como foram ensinadas a fazer pelos professores da pré-escola.

Perguntamos a uma menina se ela entendia mandarim, e ela respondeu com um gesto afirmativo. O quarto da filha de Jihao Yeqiu, no novo apartamento da família, tem as paredes cobertas de pôsters de celebridades.

Mas, segundo um funcionário da campanha de combate à pobreza, não basta apenas investir na educação. Embora o ensino seja gratuito em muitas partes da prefeitura, alguns estudantes passam fome com o subsídio alimentar parco de apenas quatro yuans (R$ 3) por dia.

Também faltam livros didáticos próprios para quem está aprendendo outro idioma. Os baixos salários dificultam a retenção de bons professores.

Li Xiaoyun, assessor sênior do principal departamento de alívio da pobreza no país e assessor do Banco Mundial, recomenda que se aumente o investimento na educação, como rede de segurança para prevenir a pobreza.

O país reservou centenas de bilhões para o alívio à pobreza, mas passou por cima do mecanismo da “prevenção da pobreza”. “Se não resolvermos esse problema, a pobreza vai ressurgir mesmo que o apoio dado seja contínuo”, disse Li.

No vilarejo de Sanhe, hoje silencioso, as casas ainda ocupadas têm fotos do presidente Xi penduradas nas paredes e “sacolas de ação de graças” cheias de cadernos documentando a assistência que os habitantes receberam.

Quando os últimos moradores registrados como extremamente pobres deixarem a vila, um museu será construído para festejar a vitória da China na guerra contra a pobreza.

Há planos para converter o vilarejo em um destino de “turismo vermelho”, com o qual as pessoas podem alegrar-se com as conquistas do Partido Comunista.

Mas é provável que a vitória não seja festejada tão alegremente pelas famílias que ficaram de fora da distribuição de ajuda dada às que foram classificadas como extremamente pobres. Alguns dizem que as pessoas cuja renda ou bens os situam um pouco acima do limiar saíram prejudicadas.

Quando a reportagem do Caixin visitou a casa de uma família “não pobre” na cidade de Riha, no mesmo condado que Shachahe, encontrou uma garotinha usando blusa enlameada.

A casa que ela dividia com sua família e alguns galos não tinha banheiro nem janelas. As paredes rachadas estavam cobertas por jornal velho.

“Às vezes a diferença entre uma família que foi classificada como pobre e outra classificada como não pobre foi um único porco, uma única ovelha”, explicou Peng Qinghua, chefe do Partido Comunista em Sichuan.

“Mas assim que elas receberam a classificação, a diferença entre elas passou a ser do dia para a noite, devido aos níveis diferentes de assistência que receberam.”

Tradução de Clara Allain

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