Descrição de chapéu China

China busca atrair mais estudantes africanos para aumentar soft power no continente

Grande oferta de bolsas leva milhares de alunos ao país, mas política tem resultados mistos

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Belo Horizonte

A política externa da China para a África subsaariana vai além dos investimentos maciços em setores estratégicos, como energia e infraestrutura. Nos últimos 15 anos, Pequim tem desenvolvido um agressivo programa para atrair estudantes da região para suas universidades.

E a tendência atual é de expansão. No último Fórum de Cooperação China-África, em 2018, o regime chinês anunciou que até 2021 oferecerá 50 mil bolsas para africanos que queiram cursar o ensino superior no país —20 mil a mais que em 2015— e que patrocinará 2.000 programas de intercâmbio com o continente.

Pessoas em rua do distrito conhecido como 'Little Africa', em Cantão, na China - Fred Dufour - 2.mar.18/AFP

A principal motivação do regime, segundo Benjamin Mulvey, pesquisador da Universidade de Educação de Hong Kong, é diplomática.

"Países ocidentais, como os Estados Unidos e o Reino Unido, na maior parte das vezes, buscam estudantes internacionais para aumentar a receita de suas universidades. Mas a China não lucra fazendo isso. Seu objetivo é melhorar as relações com outros países", diz.

Mulvey aponta para o fato de que Pequim oferece dezenas de milhares de bolsas de estudos todos os anos, a esmagadora maioria bancada pelo próprio governo.

Segundo a Unesco, o governo chinês é o maior provedor de bolsas de ensino superior para a África subsaariana: são cerca de 12 mil por ano.

Além da redução de custos, os candidatos são dispensados de exigências que normalmente se transformam em obstáculos para se matricularem em universidades europeias ou americanas, como testes de proficiência de línguas e restrições para obtenção de vistos.

A maioria das entrevistados por Mulvey citou esses fatores como decisivos para a escolha da China, que, em geral, não era sua primeira opção.

A ofensiva do governo chinês se reflete nos números. Em 2003, havia cerca de 1.800 estudantes africanos no país. Em 2018, ano mais recente em que há dados disponíveis, eles eram mais de 81 mil, ultrapassando os europeus (74 mil), tradicionalmente o segundo maior grupo —os asiáticos são o primeiro (295 mil).

A eficácia da política no campo diplomático, no entanto, não é clara.

"Soft power é um conceito amplo. É um termo que os governos em geral usam muito. Mas eles não medem soft power, não aferem se ele cresce, apenas presumem que sim", diz Mulvey.

Para que uma experiência acadêmica na China se transforme em influência real no país de origem, segundo o pesquisador, é necessário que o estudante tenha interações sociais profundas e significativas durante o período e que ele desenvolva um senso de identidade comum com os anfitriões.

As autoridades de Pequim partem do princípio de que esse é um processo natural: a experiência na China será positiva e isso se traduzirá em uma visão favorável do país, diz Mulvey, mas esse não é sempre o caso.

Entre os ex-universitários entrevistados, todos de Uganda, o período vivido na China teve altos e baixos.

Relatos de racismo e episódios de discriminação fora da universidade foram comuns, principalmente no mercado de trabalho.

No entanto, eles avaliaram, em geral, terem sido bem recebidos por colegas e professores, mas poucos anfitriões tinham domínio do inglês, o que dificultou uma maior aproximação.

Outro ponto levantado foi o envolvimento chinês na África, que não é visto com bons olhos pela maioria deles —alguns se referiram à existência de uma "colonização gentil".

"Na maioria do tempo eles estão procurando formas de promover seus negócios. Acho que podemos chamar isso de uma ideologia colonial gentil. Como se eles estivessem tentando nos colonizar suavemente, e, de uma forma bastante polida e suave, eles caem nas graças dos nossos governos", disse um dos entrevistados, cuja identidade foi ocultada para os fins da pesquisa.

A própria quantidade de bolsas disponíveis acaba sendo vista de forma negativa por alguns estudantes, que consideram que a oferta chinesa é feita em interesse próprio.

Por outro lado, se a "diplomacia das bolsas" parece não ter conseguido aumentar o soft power de Pequim no continente, ela certamente se mostrou uma política econômica vantajosa.

Graças aos conhecimentos sobre a cultura chinesa e a língua, os ex-universitários se tornaram mão de obra altamente qualificada e desejada pelas empresas chinesas que atuam na África subsaariana —todos eles relataram desenvolver ou ter desenvolvido algum trabalho relacionado ao país após voltarem para casa.

"Mesmo os ex-estudantes que não gostem da China ou não tenham apreciado a experiência tiveram fortes incentivos para manter laços com o país", diz Mulvey.

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