Artistas e intelectuais assinam manifesto contra silenciamento e a favor da liberdade de expressão

J.K. Rowling, Noam Chomsky, Gloria Steinem e Margaret Atwood são alguns dos signatários de carta

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São Paulo

Mais de 150 intelectuais, escritores e artistas nos EUA e em outros países assinaram uma carta aberta lamentando um "clima de intolerância” vindo de “todos os lados”, não só da direita radical, e uma censura que promove a humilhação pública, em alusão à “cultura do cancelamento” —boicote a pessoas e marcas com visões e comportamentos considerados inadequados.

Entre os 153 signatários do manifesto, divulgado nesta terça-feira (7), estão o linguista Noam Chomsky, os escritores J.K. Rowling, Salman Rushdie, Andrew Solomon e Margaret Atwood (autora de "O Conto da Aia"), a ativista feminista Gloria Steinem, o trompetista Wynton Marsalis e o cientista político Yascha Mounk, colunista da Folha.

O texto, intitulado “Uma Carta sobre Justiça e Debate Aberto”, foi publicado pela Harper's Magazine e vai ser replicado em outros grandes veículos internacionais.

O manifesto começa apoiando os protestos contra a brutalidade policial e as desigualdades raciais que explodiram nos EUA e no mundo após o assassinato de George Floyd, um homem negro desarmado, por um policial branco em Minneapolis no dia 25 de maio.

A carta continua, porém, dizendo que “esse necessário acerto de contas” intensificou atitudes morais e compromissos políticos que tendem a “enfraquecer as normas do debate aberto e da tolerância às diferenças em favor da conformidade ideológica”.

“Aplaudimos o primeiro acontecimento, mas também levantamos nossa voz contra o segundo”, diz o texto, que cita “uma intolerância a pontos de vista opostos, uma moda de promover a vergonha e o ostracismo públicos e a tendência de reduzir questões políticas complexas a certezas morais cegas”.

"A forma de combater ideias ruins é pela exposição, debate e persuasão, não por tentar silenciá-las”, diz outro trecho. "Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para experimentação, riscos e até erros."

O texto também critica o presidente dos EUA, Donald Trump, por representar “uma ameaça real à democracia” e ajudar a “intensificar as forças do iliberalismo pelo mundo”.
“Mas a resistência não deve se fechar em seu próprio dogma e coerção —algo que os demagogos de direita já estão explorando. A inclusão democrática que queremos só pode ser alcançada se nos pronunciarmos contra o clima de intolerância que se instalou nos dois lados.”

A publicação traz à tona um debate que vem ocorrendo na imprensa e nos meios acadêmico e artístico sobre até que ponto vão algumas demandas por diversidade e inclusão, assim como a dinâmica das mídias sociais que as impulsionam.

A reação à carta nas redes sociais foi rápida. Muitos criticaram os signatários por falta de diversidade e privilégio. Um usuário escreveu que eles têm “maiores plataformas e mais recursos que a maioria dos outros seres humanos” e não correm o risco de serem silenciados. Outro, que eles temem a perda de relevância.

Várias críticas foram dirigidas a alguns signatários da carta envolvidos em episódios controversos, como J.K.Rowling. No mês passado, a autora de “Harry Potter” fez uma série de comentários defendendo o conceito de sexo biológico, que foram vistos como anti-transgêneros.

Na lista dos que assinaram, estão pessoas de espectros ideológicos diferentes, do esquerdista Noam Chomsky ao neoconservador Francis Fukuyama, de nomes tradicionalmente associados à defesa da liberdade de expressão, como Nadine Strossen, ex-presidente da União Americana das Liberdades Civis, a críticos contundentes do politicamente correto nos campi, como o linguista Steven Pinker e o psicólogo Jonathan Haidt.

Há ainda alguns intelectuais negros, como o historiador Nell Irvin Painter, os poetas Reginald Dwayne Betts e Gregory Pardlo e o linguista John McWhorter.

Ao jornal The New York Times Betts defende a diversidade do grupo. “Estou ao lado de pessoas que normalmente não estariam na mesma sala que eu. Mas você há de convir que o que está na carta merece alguma reflexão.”

Ele disse que, como alguém que passou mais de oito anos na prisão por um crime cometido quando era adolescente, considera que o momento atual “inclemente” e “antiético para sua noção de como precisamos lidar com os problemas da sociedade”.

Betts citou o caso de James Bennet, que renunciou ao cargo de editor de Opinião do New York Times após reclamações pela publicação de um artigo do senador Tom Cotton, do Arkansas, no qual o parlamentar cobrava intervenção militar contra os protestos antirracistas.​

“Você pode criticar o que as pessoas dizem; você pode discutir sobre plataformas”, disse Betts. "Mas parece que alguns dos excessos do momento estão levando as pessoas a serem silenciadas de uma nova maneira."

A carta foi assinada por outras pessoas que perderam seus cargos em meio a controvérsias, caso de Ian Buruma, que deixou a chefia da New York Review of Books após publicar o ensaio de um autor acusado de abuso sexual, e Ronald S. Sullivan Jr., professor da Faculdade de Direito de Harvard que deixou sua posição de reitor de graduação em meio a protestos por ele se tornar um dos advogados de defesa de Harvey Weinstein.

Houve também alguns nomes que aparecem na lista, mas se distanciaram da iniciativa após sua publicação. “Não sabia quem mais tinha assinado essa carta. Achei que estava apoiando uma mensagem bem fundamentada, apesar de vaga, contra a humilhação na internet”, escreveu em seu Twitter a escritora Jennifer Finney Boylan.

A historiadora Kerri K. Greenidge tuitou que não endossa a carta e que pediu uma retratação à revista. Uma porta-voz da Harper’s afirmou ao New York Times que a assinatura de Greenidge havia sido checada, mas que a publicação “respeitosamente removeria seu nome”.

Outros críticos da publicação disseram que foram procurados para assiná-la, mas não quiseram.

“Eu não assinei A CARTA quando me pediram 9 dias atrás porque pude ver em 90 segundos que era asneira tola, cheia de auto-importância que apenas trollaria as pessoas que alegadamente estava tentando alcançar”, escreveu Richard Kim, diretor do HuffPost’s.

Thomas Chatterton Williams, que começou a iniciativa e é colunista da Harper's e colaborador da New York Times Magazine, disse ao jornal The Washington Post que cerca de 20 pessoas contribuíram para escrever a carta antes de ela ser enviada para coletar as assinaturas.

Ao New York Times ele afirmou que não houve um incidente em particular que motivou a carta.

No entanto, citou episódios recentes envolvendo o direito à liberdade de expressão: a renúncia de mais da metade do conselho do Círculo Nacional de Críticos de Livros dos EUA por sua declaração de apoio ao movimento Black Lives Matter; e o caso de David Shor, analista de dados demitido após publicar, numa rede social, mensagens sobre pesquisas acadêmicas que vinculavam saques e vandalismo de manifestantes à vitória eleitoral de Richard Nixon, em 1968.

Tais incidentes, disse Williams, alimentaram e ecoaram o que ele chamou de um "iliberalismo" muito maior e mais perigoso do que o professado por Trump.

"Trump é o Cancelador-Chefe", disse ele. "Mas a correção dos abusos de Trump não pode se tornar uma hipercorreção que sufoca os princípios em que acreditamos."

Williams disse que por trás da iniciativa houve um esforço para reunir um grupo que fosse o mais diversificado em termos políticos e raciais, entre outros aspectos.

"Não somos apenas um monte de velhos brancos sentados escrevendo esta carta", disse Williams, que é afro-americano. “Isso inclui muitos pensadores negros, muçulmanos, judeus, pessoas trans e gays, velhos e jovens, de direita e de esquerda.”


Os nomes que assinam a lista

Elliot Ackerman, escritor
Saladin Ambar, Universidade Rutgers
Martin Amis, escritor
Anne Applebaum, jornalista e historiadora
Marie Arana, escritora
Margaret Atwood, escritora
John Banville, escritor
Mia Bay, historiadora
Louis Begley, escritor
Roger Berkowitz, Bard College
Paul Berman, escritor
Sheri Berman, Barnard College
Reginald Dwayne Betts, poeta
Neil Blair, agente literário
David W. Blight, Universidade Yale
Jennifer Finney Boylan, escritora
David Bromwich, Universidade Yale
David Brooks, colunista
Ian Buruma, Bard College
Lea Carpenter, escritora e editora
Noam Chomsky, MIT (emérito)
Nicholas A. Christakis, Universidade Yale
Roger Cohen, escritor
Embaixador Frances D. Cook, aposentado
Drucilla Cornell, uBuntu Project
Kamel Daoud, escritor e jornalista
Meghan Daum, escritora
Gerald Early, Universidade Washington-St. Louis
Jeffrey Eugenides, escritor
Dexter Filkins, jornalista
Federico Finchelstein, The New School
Caitlin Flanagan, escritora
Richard T. Ford, Stanford Law School
Kmele Foster, comentarista político e empresário
David Frum, jornalista
Francis Fukuyama, Universidade de Stanford
Atul Gawande, Universidade Harvard
Todd Gitlin, Universidade Columbia
Kim Ghattas, jornalista
Malcolm Gladwell, jornalista
Michelle Goldberg, colunista
Rebecca Goldstein, escritora
Anthony Grafton, Universidade de Princeton
David Greenberg, Universidade Rutgers
Linda Greenhouse, jornalista
Rinne B. Groff, dramaturga
Sarah Haider, ativista
Jonathan Haidt, NYU-Stern
Roya Hakakian, escritora
Shadi Hamid, Brookings Institution
Jeet Heer, The Nation
Katie Herzog, apresentadora de podcast
Susannah Heschel, Dartmouth College
Adam Hochschild, escritor
Arlie Russell Hochschild, escritora
Eva Hoffman, escritora
Coleman Hughes, escritor/Manhattan Institute
Hussein Ibish, Instituto dos Países do Golfo Árabe
Michael Ignatieff, escritor e acadêmico
Zaid Jilani, jornalista
Bill T. Jones, New York Live Arts
Wendy Kaminer, escritora
Matthew Karp, Universidade de Princeton
Garry Kasparov, Renew Democracy Initiative
Daniel Kehlmann, escritor
Randall Kennedy, Universidade Harvard
Khaled Khalifa, escritor
Parag Khanna, escritor
Laura Kipnis, Universidade Northwestern
Frances Kissling, Center for Health, Ethics, Social Policy
Enrique Krauze, historiador
Anthony Kronman, Universidade Yale
Joy Ladin, Universidade Yeshiva
Nicholas Lemann, Universidade Columbia
Mark Lilla, Universidade Columbia
Susie Linfield, Universidade de Nova York
Damon Linker, escritor
Dahlia Lithwick, Slate
Steven Lukes, Universidade de Nova York
John R. MacArthur, publisher e escritor
Susan Madrak, escritora
Phoebe Maltz Bovy, escritora
Greil Marcus, jornalista e escritor
Wynton Marsalis, trompetista
Kati Marton, escritora
Debra Maschek, acadêmica
Deirdre McCloskey, Universidade de Illinois em Chicago
John McWhorter, Universidade Columbia
Uday Mehta, City University of New York
Andrew Moravcsik, Universidade de Princeton
Yascha Mounk, cientista político
Samuel Moyn, Universidade Yale
Meera Nanda, escritora e professora
Cary Nelson, Universidade de Illinois em Urbana-Champaign
Olivia Nuzzi, New York Magazine
Mark Oppenheimer, Universidade Yale
Dael Orlandersmith, escritora/performer
George Packer, jornalista e dramaturgo
Nell Irvin Painter, Universidade de Princeton (emérita)
Greg Pardlo, Universidade Rutgers-Camden
Orlando Patterson, Universidade Harvard
Steven Pinker, Universidade Harvard
Letty Cottin Pogrebin, escritora
Katha Pollitt, escritora
Claire Bond Potter, The New School
Taufiq Rahim, New America Foundation
Zia Haider Rahman, escritor
Jennifer Ratner-Rosenhagen, Universidade de Wisconsin
Jonathan Rauch, Brookings Institution/The Atlantic
Neil Roberts, teórico político
Melvin Rogers, Universidade Brown
Kat Rosenfield, escritora
Loretta J. Ross, Smith College
J.K. Rowling, escritora
Salman Rushdie, Universidade de Nova York
Karim Sadjadpour, Carnegie Endowment
Daryl Michael Scott, Universidade Howard
Diana Senechal, professora e escritora
Jennifer Senior, colunista
Judith Shulevitz, escritora
Jesse Singal, jornalista
Anne-Marie Slaughter, cientista política
Andrew Solomon, escritor
Deborah Solomon, crítica e biógrafa
Allison Stanger, Middlebury College
Paul Starr, American Prospect/Universidade de Princeton
Wendell Steavenson, escritor
Gloria Steinem, escritora e ativista
Nadine Strossen, New York Law School
Ronald S. Sullivan Jr., Harvard Law School
Kian Tajbakhsh, Universidade Columbia
Zephyr Teachout, Universidade Fordham
Cynthia Tucker, Universidade do Sul do Alabama
Adaner Usmani, Universidade Harvard
Chloe Valdary, escritora
Lucía Martínez Valdivia, Reed College
Helen Vendler, Universidade Harvard
Judy B. Walzer
Michael Walzer, filósofo político
Eric K. Washington, historiador
Caroline Weber, historiadora
Randi Weingarten, Federação Americana de Professores
Bari Weiss, escritora e editora
Sean Wilentz, Universidade de Princeton
Garry Wills, historiador e jornalista
Thomas Chatterton Williams, escritor
Robert F. Worth, jornalista e escritor
Molly Worthen, Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill
Matthew Yglesias, jornalista
Emily Yoffe, jornalista
Cathy Young, jornalista
Fareed Zakaria, escritor e jornalista

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