Evidências científicas têm de predominar sobre caprichos políticos, diz prefeita de Bogotá

Primeira mulher a ocupar cargo, Claudia López defende humildade para entender que 'quem governa hoje é o coronavírus'

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Buenos Aires

"Quem está governando o mundo é o coronavírus", diz a prefeita de Bogotá, Claudia López, 50. "Nós, líderes políticos, precisamos ter humildade e rigor para basear nossas decisões na ciência."

Primeira mulher eleita para o segundo cargo executivo mais importante da Colômbia, López chegou ao poder com uma agenda de centro-esquerda que contempla aumento de políticas sociais, defesa da diversidade, proteção do meio ambiente e reconciliação entre os envolvidos no conflito com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

"Para muitos, eram bandeiras secundárias. Mas a pandemia mostra agora que, no fundo, essas são as questões mais essenciais para a Colômbia", afirma a prefeita à Folha, por videoconferência, de seu gabinete em Bogotá.

Membro da Aliança Verde, foi senadora entre 2014 e 2018. Em 2016, apoiou o então presidente Juan Manuel Santos na assinatura do acordo de paz com a guerrilha. Nas últimas eleições presidenciais, em 2018, foi candidata a vice de Sergio Fajardo. A chapa ficou em terceiro lugar, mas venceu na capital.

No ano seguinte, foi eleita para comandar a terceira cidade mais populosa da América do Sul, atrás apenas de São Paulo e Lima, no Peru.

A prefeita de Bogotá, Claudia López, no centro comercial Gran Estación, na capital colombiana
A prefeita de Bogotá, Claudia López, no centro comercial Gran Estación, na capital colombiana - Jhon Paz - 6.jun.20/Xinhua

A sra. entrou em conflito com o presidente Iván Duque devido à quarentena. Por quê? Nossa diferença é sobre manter uma quarentena dura e total em Bogotá, como eu desejo, ou setorizada —e mirando uma retomada da economia—, que é a vontade dele. O presidente resolveu concentrar as decisões sobre a pandemia, e eu quis debater, confrontá-lo com os dados dos médicos que me assessoram. A prioridade dele é a economia, e não as vidas, e ele não quis autorizar uma quarentena generalizada. Tive então de adotar um plano B, pois os casos vinham crescendo muito. Foi a opção que tive, ou então compraria uma batalha política, e não creio que este seja um tempo de divisões políticas. Acertamos, então, que faremos em Bogotá uma quarentena por localidades [a capital colombiana tem 20 localidades, que concentram seus 1.900 bairros]: a cada 14 dias, dois terços da cidade estarão em quarentena total. Vamos indo por setores de acordo com os números.

Com minha equipe de epidemiologistas, chegamos à conclusão de que Bogotá pode, sim, funcionar, mas apenas com 60% de sua capacidade. E não [pode ser] agora, tem de ser gradual. Temos de desenhar um modelo em que as atividades façam um rodízio. Se a construção e a manufatura trabalharem três dias por semana, por exemplo, o comércio trabalhará quatro. É nisso que estamos trabalhando agora.

Bogotá tem os mesmos problemas que outras metrópoles da América Latina, como São Paulo ou Buenos Aires. O que a sra. aprendeu com a pandemia sobre a maneira de combater esses problemas? Nós, que governamos cidades com mais de 5 milhões de habitantes na região, enfrentamos problemas comuns: a alta densidade, a desigualdade, a falta de estrutura sanitária, a pobreza e a falta de segurança.
Cada um desses temas já é um monstro. Combater todos de uma só vez é um desafio enorme.
Eu venho do meio universitário, portanto, creio na ciência. Diante do coronavírus, temos de ter humildade e rigor. Humildade para entender que quem está governando é o coronavírus. E digo isso com dor, afinal sou a primeira mulher eleita para esse cargo. E quando penso que demoramos 200 anos para chegar aqui e temos de lidar justo com essa pandemia, pode ser desanimador. Mas é também uma oportunidade. Sou positiva.

Cheguei com o propósito de lutar pelas mulheres, pelos jovens, pelo meio ambiente, pela diversidade, pela paz, mas tenho que aceitar que a minha agenda agora está atrás da agenda do coronavírus. Portanto, tenho de aprender a conhecê-lo, estudar seu comportamento dia após dia, trabalhar com os cientistas, escutar seus conselhos. E o rigor significa prestar atenção às cifras. É isso que tenho tentado argumentar com o presidente, mas a fricção tem sido constante. Ele faz muita pressão para abrir a economia.

É possível que o movimento em Bogotá seja o mesmo de antes da pandemia num futuro próximo? Não. Se colocarmos 100% dos habitantes da cidade que transitavam na rua antes ao mesmo tempo, não teremos como evitar que nosso sistema de saúde colapse. Essa pandemia estará conosco por mais de um ano. Não vai haver vacina em menos tempo e, quando existir, ainda assim vai demorar um tempo até que tenhamos como aplicá-la. Ou seja, durante todo o resto de 2020 e em 2021 vamos ter de aprender a coexistir com esse vírus sem que ele nos mate. Para isso, as evidências científicas têm de predominar sobre os caprichos políticos.

Até que ponto crê que a agenda com a qual foi eleita pode ser executada? Temos um dilema. A agenda de igualdade e do desenvolvimento verde requer alto investimento público. E essa pandemia tem um efeito duplo. Por um lado, está deixando mais evidente a necessidade dessa agenda, porque as pessoas mais afetadas pela pandemia e suas consequências são as minorias que mais precisam de ajuda. Por outro lado, devido ao coronavírus, diminuíram o emprego e a arrecadação fiscal, então temos menos recursos num momento em que essa agenda se mostra essencial. Acredito ser necessário construir um novo contrato social e ambiental para criar um sistema que diminua o impacto que a pobreza tem sobre as mulheres, que dê mais oportunidades aos jovens de estudar e de ter acesso a bons empregos.

Também é urgente viver com energias limpas, porque estamos acabando com o planeta. Se há uma consequência positiva na pandemia é mostrar que tudo aquilo que alguns setores da sociedade achavam que eram questões menores são, na verdade, as prioridades.

Além do contrato social, seria necessário um novo modelo econômico também? Sim, defendo um keynesianismo do século 21. Este não é o momento da ortodoxia. Não é o momento da austeridade, é o momento da transparência para não perder um centavo à toa. E, quando falo sobre keynesianismo do século 21, quero dizer que precisamos ter a possibilidade de nos endividar neste momento. E nos endividarmos profundamente, para poder levar adiante esse novo contrato social de igualdade e esse contrato ambiental de sustentabilidade. Se deixarmos esta crise nas mãos dos ortodoxos e dos neoliberais, terminaremos sendo mortos pelo coronavírus e pela ortodoxia. Precisamos de rigor científico para administrar o coronavírus e keynesianismo inteligente para nos endividar e investir em uma reativação econômica verde e igualitária.

A sra. apoiou o acordo de paz com as Farc. A implementação do pacto está travada? Uma de minhas maiores dores como cidadã e como líder política foi a vitória do "não" no plebiscito de 2016 [em que o acordo foi rejeitado e acabou sendo aprovado pelo Congresso]. Era uma coisa que não entrava na minha cabeça. Eu pensava: "Como pode ser que um país, diante da possibilidade de sair de 60 anos de guerra, tem uma sociedade em que muitas pessoas digam 'não', que lhes parece melhor seguir tratando uns aos outros com chumbo?".

Infelizmente, o governo nacional que temos hoje é um governo oposto à paz. Não está interessado em cumprir os acordos de paz. Foi justamente esse setor político que liderou a campanha do "não". É lamentável, porque são os mais pobres que pagam pela guerra na Colômbia. É a população das zonas rurais, as mais sofridas, onde há mais pobreza e mais desigualdade. Agora eles vivem uma desgraça tripla: um governo nacional a quem não interessa a paz, uma situação fiscal que tira recursos que antes seriam destinado à paz e a pandemia. Ou seja, vai aumentar a brecha entre o urbano e o rural, que é uma das principais ameaças à paz.

O que é necessário para a paz com as guerrilhas, os paramilitares e as facções criminosas? Para alcançar a paz na Colômbia, teríamos de mudar a política da guerra contra as drogas, que é uma absoluta estupidez, um fracasso total, é jogar dinheiro no lixo. Essa, porém, é a agenda de Donald Trump, e o governo de Duque é totalmente pró-Trump, não é capaz de mudar essa agenda.

Claudia López celebra a vitória nas eleições que a tornaram prefeita de Bogotá
Claudia López celebra a vitória nas eleições que a tornaram prefeita de Bogotá - Raul Arboleda - 27.out.19/AFP

O acordo de paz foi rejeitado nas urnas em grande parte por fazer alusão ao que a direita chama de "ideologia de gênero". Ao mesmo tempo, Bogotá a elegeu como prefeita. Há uma contradição ou é sinal da polarização política e moral da sociedade? Essa é a maravilha de Bogotá. Trata-se da cidade mais diversa e mais progressista da Colômbia. Por isso, pela primeira vez na história, elegeu uma mulher, gay, professora acadêmica. Isso num país tão conservador, tão machista, tão homofóbico. Minha eleição mostra mais do que as minhas virtudes, mostra as virtudes de Bogotá, que é de longe muito mais progressista que o resto do país e que rejeita extremos.

A Colômbia tem uma extrema direita conservadora, homofóbica, que usou deliberadamente de maneira mentirosa a chamada "ideologia de gênero" para dizer que os acordos de paz iam homossexualizar as crianças da Colômbia. Mas, por mais absurdo que fosse, foi eficaz eleitoralmente. Também contou o discurso antipobres, uma vez que há uma sensação deste setor de que são os pobres os que se alistam às Farc e que, por isso, não merecem ajuda. Foi uma votação que explorou muitos ressentimentos: o da desigualdade, o da mentira homofóbica. Serviu para derrotar a paz e para ganhar as eleições em 2018. Os dois pleitos foram uma mesma onda. Bogotá, no entanto, é mais inteligente que isso, não pode ser manipulada.

O novo contrato social e essa nova proposta econômica têm como dar certo enquanto não se resolve a questão da crise na Venezuela? O que está acontecendo na Venezuela é uma calamidade. O chavismo destruiu o país. E isso nos danifica muito, porque a crise na Venezuela foi útil à direita colombiana. Os que são contra os discursos da centro-esquerda e da esquerda nos desacreditam estigmatizando todos como "castro-chavistas" [expressão usada frequentemente pelo líder do partido Centro Democrático, o ex-presidente Álvaro Uribe]. Sempre condenei o governo de [Nicolás] Maduro, mas também é do nosso interesse nacional não propiciar uma intervenção militar na Venezuela.

É um caos, é uma ditadura, é uma desgraça para a Venezuela, mas é preciso valorizar os meios pacíficos e políticos, não apenas pelo bem-estar da Venezuela, mas para a Colômbia. Afinal, no dia em que, desde Miami, resolvam atacar a Venezuela, nós vamos sentir os efeitos. Se hoje já temos dificuldades por abrigar 1,5 milhão de venezuelanos, se houver uma guerra, haverá 5 milhões, e não teremos estrutura para acolher todos. Haveria na Colômbia uma tensão social e econômica imensa.


Claudia López, 50

Membro da Aliança Verde, López é a primeira mulher a comandar a cidade de Bogotá. Gay, casada com a advogada e ativista dos direitos LGBT Angélica Lozano Correa, fez mestrado em administração pública na Universidade de Columbia, em Nova York, e doutorado em ciência política na Universidade Northwestern, em Chicago. É autora de livros sobre política e parapolítica. Foi senadora entre 2014 e 2018.

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