Famílias doam objetos pessoais para preservar memória de genocídio na Bósnia

25 anos depois do massacre de 8.000 pessoas em Srebrenica, mil corpos ainda não foram identificados

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São Paulo

​Um quarto de século depois do episódio que entrou para a história como “o maior massacre em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial”, as famílias das vítimas de Srebrenica continuam lidando com as memórias daquele julho de 1995.

Nove delas enterraram no sábado (11) os restos recém-identificados de seus parentes num cemitério em forma de flor, onde lápides brancas marcam as sepulturas de quase 7.000 mortos, perto da pequena cidade no leste da Bósnia-Herzegovina em que 8.000 homens e meninos muçulmanos foram assassinados pelas forças separatistas bósnias-sérvias.

A cidade, que tinha sido designada como “zona de segurança” pela Organização das Nações Unidas durante a guerra (1992-1995) e era protegida por soldados de paz holandeses com armamentos leves, foi invadida sob comando do general Ratko Mladic (condenado a prisão perpétua em novembro de 2017 por crimes de guerra e genocídio).

Sobrevivente do massacre de 1995 caminha pelo cemitério perto de Srebrenica onde estão enterrados quase 7.000 mortos
Sobrevivente do massacre de 1995 caminha pelo cemitério perto de Srebrenica onde estão enterrados quase 7.000 mortos - Elvis Barukcic - 11.jul.20/AFP
Eles expulsaram mulheres e crianças pequenas e executaram nos dez dias seguintes todos os homens e garotos que encontraram. Os corpos eram jogados em valas comuns —reviradas em seguida numa tentativa de esconder as provas. Mais de mil vítimas até hoje não foram identificadas.

“Depois de 25 anos, encontramos os restos mortais dele, que podem finalmente descansar”, disse à agência Reuters Fikret Pezic, que enterrou o pai.

Ainda esperando poder encontrar e enterrar seus mortos, outras famílias resolveram doar objetos pessoais das vítimas, guardados durante todo esse tempo.

São cartas, peças de roupas, relógios, documentos e outros itens que passam a integrar o acervo de um memorial construído junto ao cemitério, em 2003.

Alguns desses familiares foram registrados pouco antes da doação pelo repórter-fotográfico Midhat Poturovic, que publicou as imagens no site da Radio Free Europe e depois as reuniu na exposição “A Alma de Srebrenica", em uma galeria em Sarajevo.

“Essas fotos são parte da preservação da memória daqueles que morreram”, diz o fotógrafo, que cresceu na capital sitiada. “Nós sobrevivemos à guerra e herdamos um passado difícil e doloroso que nos obriga a construir um futuro melhor.”

Pelo menos 300 objetos foram entregues desde o começo do ano.

Além dos itens doados, a coleção inclui peças encontradas na estrada por onde parte dos homens e garotos da cidade tentou escapar quando Srebrenica foi tomada.

Em vez das dezenas de milhares de pessoas que participam das cerimônias todos os anos, as homenagens aos mortos neste julho sob crise sanitária foram feitas por poucos familiares, que usaram máscaras e mantiveram o distanciamento social para evitar os riscos de contaminação pelo novo coronavírus.

Líderes mundiais —incluindo os primeiros-ministros Justin Trudeau (Canadá), Pedro Sánchez (Espanha) e Boris Johnson (Reino Unido), além do secretário de Estado americano, Mike Pompeo— enviaram mensagens em vídeo, que foram exibidas durante a cerimônia no sábado.

Perto dali, um grupo organizou um evento na cidade de Bratunac para comemorar o que chama de “Dia da Liberação de Srebrenica”, escancarando as profundas divisões étnicas que ainda ecoam depois de uma guerra que deixou mais de 100 mil mortos e expulsou centenas de milhares de pessoas de casa na ex-Iugoslávia.

Para muitos bósnios-sérvios, o ex-líder político Radovan Karadzic, que também foi condenado a prisão perpétua por genocídio em 2019, é um herói —e o genocídio de Srebrenica nunca aconteceu.

O representante muçulmano da Presidência colegiada da Bósnia-Herzegovina (composta ainda por um sérvio e um croata) defendeu uma legislação que proíba o negacionismo histórico.

"Não pode haver confiança enquanto testemunharmos ataques à verdade, negação de genocídio e glorificação e celebração de executores", disse Sefik Dzaferovic.

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