Descrição de chapéu Caixin China

Morre primeiro presidente democraticamente eleito de Taiwan

Lee Teng-hui é conhecido por ter liderado transição da ilha para democracia

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Xu Heqian Ingrid Luan Han Wei
Caixin

O ex-presidente de Taiwan Lee Teng-hui morreu nesta quinta-feira (30) em Taipé, depois de passar quase cinco meses hospitalizado. Ele tinha 97 anos.

O Hospital Geral de Veteranos de Taipé anunciou que Lee morreu de choque séptico e falência múltipla dos órgãos. Ele foi internado em fevereiro com um problema respiratório provocado por asfixia.

Li Teng-hui (esq.), sua esposa, Tseng Wen-hui (centro), e o vice de sua chapa, Lian Chan (dir.), acenam para o público em um ginásio esportivo durante campanha eleitoral de 1996
Li Teng-hui (esq.), sua esposa, Tseng Wen-hui (centro), e o vice de sua chapa, Lian Chan (dir.), acenam para o público em um ginásio esportivo durante campanha eleitoral de 1996 - Robyn Beck - 20.mar.96/AFP

Lee foi o primeiro líder taiwanês eleito pelo voto popular e o primeiro a ter nascido na ilha. Foi também uma figura controversa na arena política do território. Enquanto foi presidente, entre 1988 e 2000, foi elogiado por ter administrado o fim do período da lei marcial em Taiwan e por ter lançado grandes reformas democráticas, incluindo o estabelecimento de eleições diretas.

Mas críticos o acusaram de ter intensificado as divisões políticas, remodelando a identidade taiwanesa, ampliando o poder do líder e acirrando choques constantes entre Taipé e Pequim que dificultaram o desenvolvimento econômico da ilha.

Para seus críticos, a corrupção também cresceu junto com o impulso reformador do presidente.

Sua morte suscitou reações diversas em todo o espectro político. Enquanto Tsai Ing-wen, a atual presidente de Taiwan, e Mike Pompeo, o secretário de Estado dos EUA, elogiaram suas conquistas em matéria de reformas democráticas, Pequim reiterou sua oposição à postura pró-independência de Lee.

Questionada na sexta-feira sobre a morte de Lee, Zhu Fenglian, porta-voz do Escritório Chinês de Assuntos de Taiwan, disse que a independência da ilha é um beco sem saída.

Enquanto isso, o Global Times, jornal pertencente ao Partido Comunista chinês, descreveu o ex-presidente como “padrinho do secessionismo taiwanês” e disse que sua morte “definitivamente não é má notícia para a maioria das pessoas na China continental”.

Diplomado em economia agrícola, Lee iniciou sua carreira política em 1971, quando foi apresentado a Chiang Ching-kuo, filho do então líder de Taiwan, Chiang Kai-shek. Mais tarde, ele ingressou no partido de Chiang, o Kuomintang (KMT).

Em 1978, Chiang Ching-kuo sucedeu seu pai, já morto, e nomeou Lee prefeito de Taipé.

Ele tornou-se o vice de Chiang em 1984, e, após sua morte, em janeiro de 1988, Lee tornou-se o presidente da ilha. Ele instituiu eleições diretas para o sistema político taiwanês e em 1996 tornou-se o primeiro líder eleito de Taiwan.

Nos primeiros dias de governo, Lee fomentou um relaxamento gradual das restrições aos vínculos econômicos entre Taiwan e a China, apoiou o princípio da China única e defendeu a eventual reunificação com o continente.

Em seus 12 anos na direção da ilha, o comércio entre Taiwan e Pequim passou de US$ 2,72 bilhões em 1988 para US$ 30,52 bilhões em 2000, criando as bases para laços comerciais profundos entre os dois lados. Essa cifra chegou ao pico histórico de US$ 228,08 bilhões no ano passado.

Mas em pouco tempo Lee mudou de postura, tornando-se pró-independentista e promovendo uma política externa ambiciosa para elevar a presença de Taiwan no cenário global, o que alimentou tensões entre a ilha e o continente.

Em 1999, o então presidente enfureceu Pequim quando, em entrevista à mídia alemã, redefiniu os vínculos Taiwan-China como “relacionamento especial de Estado a Estado”, levando Pequim a cortar os mecanismos de diálogo com Taiwan.

Lee foi sucedido em 2000 por Chen Shui-bian, candidato do Partido Democrático Progressista que pôs fim aos 55 anos de governo do KMT. O partido subiu ao poder após tomar a ilha do Japão, depois da Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira transferência pacífica de poder entre legendas diferentes em Taiwan.

Pouco depois de deixar a presidência, Lee foi expulso do KMT, do qual era presidente, por seu papel na fundação da União de Solidariedade de Taiwan, pró-independência. Ele também demonstrou apoio ao Partido Democrático Progressista, pró-independência e hoje à frente do governo da ilha.

A visão geral era que Lee teria ajudado a carreira de Tsai, que foi sua assessora política, ao recomendá-la a seu sucessor, Chen.

A postura política de Lee provocou protestos não apenas da China continental, mas também em Taiwan. Em 2015, o então líder taiwanês Ma Ying-jeou criticou Lee fortemente por dizer que as ilhas Diaoyu pertenciam ao Japão, pedindo que ele se desculpasse por isso.

No entanto, em seus últimos anos de vida, quando se afastou da política, Lee foi em grande medida respeitado por seus colegas. Antes de sua morte ele foi visitado no hospital pela presidente Tsai, o vice Lai Ching-te e o primeiro-ministro Su Tseng-chang.

A presidente reeleita, Tsai Ing-wen, e o vice-presidente, William Lai, após a vitória na eleição de Taiwan
A presidente reeleita, Tsai Ing-wen, e o vice-presidente, Lai Ching-te, após a vitória na eleição de Taiwan, em janeiro deste ano - Tyrone Siu/Reuters

Nascido em 15 de janeiro de 1923 na zona rural de Taipé, Lee passou sua infância com Taiwan sob o domínio do Japão. Em 1943, ele ganhou uma bolsa para estudar economia agrícola na Universidade Imperial de Kyoto, no Japão.

Dois anos mais tarde, ingressou no Exército Imperial japonês e foi oficial júnior na Segunda Guerra Mundial.

A influência do Japão sobre sua juventude o levou a apoiar fortemente muitas posições do país, incluindo a reivindicação de soberania japonesa sobre as ilhas Diaoyu, no Mar da China Oriental, irritando tanto Pequim quanto Taipé.

Suas visitas ao polêmico Santuário Yasukuni, em Tóquio, que homenageia oficiais japoneses condenados por crimes de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, foram mal recebidas por muitos governos asiáticos. O irmão mais velho de Lee, oficial naval japonês morto na guerra, é um dos nomes lembrados no local.

Lee teve interações frequentes com os políticos e a mídia do Japão depois de assumir a Presidência de Taiwan. Apesar da controvérsia provocada entre os taiwaneses, em 2007 ele recebeu um prêmio em memória do administrador colonial imperial japonês Shinpei Goto.

Lee criticou a administração de Tsai certa vez por não ter anulado completamente a proibição das importações agrícolas de regiões japonesas afetadas por desastres nucleares e ter supostamente levado o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe a cair em desgraça.

Em 1946, Lee retornou do Japão para levar adiante seus estudos na Universidade Nacional de Taiwan, onde começou a aprender sobre marxismo. Enquanto isso, obteve um diploma de bacharel em ciência agrícola. Estudante, filiou-se em segredo ao Partido Comunista chinês e participou de protestos no Incidente de 28 de Fevereiro de 1947.

Mas, diante da repressão do KMT, ele não demorou a deixar o partido. Em comentários publicados em 1995, os órgãos da mídia estatal chinesa Diário do Povo e agência de notícias Xinhua revelaram o histórico de Lee com o Partido Comunista, descrevendo-o como traidor.

Lee segura bandeira americana que recebeu como presente do congressista dos EUA Brad Sherman durante visita a Los Angeles, em 2005
Lee segura bandeira americana que recebeu de presente do congressista dos EUA Brad Sherman, durante visita a Los Angeles, em 2005 - Chris Pizzello - 21.out.05/Reuters

Em 1952 e 1964, Lee recebeu bolsas para estudar nos EUA. Ele concluiu um doutorado em economia agrícola pela Universidade Cornell em 1968 e trabalhou como economista agrícola na Comissão Conjunta de Reconstrução Rural de Taiwan, patrocinada pelos EUA, antes de entrar para o governo.

Ele retornaria à Universidade Cornell em 1995 e se tornaria o primeiro líder taiwanês em exercício a visitar os Estados Unidos, fato que irritou Pequim e desencadeou a Terceira Crise do Estreito de Taiwan.

Lee foi uma figura incomum no gabinete de Chiang Ching-kuo pelo fato de não ter um passado ou experiência política quando ingressou na administração como tecnocrata.

Em 1984, Chiang escolheu Lee para vice-presidente e o elogiou por sua “consciência nacional”. Lee dizia que era “estudante da escola de Chiang Ching-kuo”, porque em certa ocasião teve 156 discussões separadas com Chiang.

Quando Chiang visitou Lee para parabenizá-lo por sua nomeação, Lee tremia tanto que só teve coragem de se sentar sobre um terço da cadeira e não parou de esfregar os joelhos com as mãos, segundo a mídia taiwanesa.

Esse gesto foi usado frequentemente pelos taiwaneses mais tarde para contrastá-lo com o estilo arrogante e extrovertido que ele adotou depois de assumir o poder.

Lee tornou-se presidente de Taiwan em 1988, após a morte súbita de Chiang. Segundo um assessor de longa data de Chiang, este elogiou Lee ao ver suas respostas a perguntas sobre as relações Taiwan-China.

Em resposta a uma pergunta parlamentar em 1983, Lee havia dito: “A história chinesa não abandonou Taiwan. Como pode Taiwan ser separada da China continental?”.

Tradução de Clara Allain

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