Descrição de chapéu The New York Times Venezuela

O que a oposição venezuelana precisa fazer para avançar?

Sólido reconhecimento internacional de Guaidó não muda o fato de que Maduro controla o país

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Abraham F. Lowenthal

Professor emérito da Universidade do Sul da Califórnia e diretor fundador do Programa Latino-Americano do Centro Woodrow Wilson e do Diálogo Interamericano

David Smilde

Professor de sociologia na Universidade Tulane e membro sênior do Escritório de Assuntos Latino-americanos em Washington

The New York Times

Em 1986, Ricardo Lagos e outros líderes da oposição socialista ao regime do general Augusto Pinochet, no Chile, visitaram Felipe González, o então presidente do governo da Espanha.

O objetivo era discutir os planos para derrubar a ditadura. González lhes disse que a oposição não poderia mudar a situação no Chile sem antes reconhecer que estava atolada no fundo de um poço.

“Primeiro é preciso concentrar-se em sair do poço. Depois vocês podem tentar ampliar sua influência, passo a passo”, aconselhou a Lagos.

Silhueta do líder opositor Juan Guaidó durante entrevista no teatro El Hatillo, em Caracas
Silhueta do líder opositor Juan Guaidó durante entrevista no teatro El Hatillo, em Caracas - Cristian Hernández - 7.jan.20/AFP

Lagos e a Concertación —coalizão de partidos de centro, esquerda e centro-esquerda— alcançaram seu objetivo depois de construir um amplo movimento que venceu um plebiscito ordenado pelo próprio Pinochet, realizado em outubro de 1988 e que teria mantido o general no poder até pelo menos 1997.

Ele não alcançou a maioria no plebiscito, e as Forças Armadas chilenas aceitaram o resultado, apesar da oposição de Pinochet.

O conselho de González precisa ser aplicado à Venezuela hoje. A oposição democrática ao regime autoritário de Nicolás Maduro precisa basear sua estratégia e tática sobre uma compreensão lúcida das realidades concretas, sem se deixar iludir.

Não beneficia a oposição subestimar o compromisso das pessoas que militam no chavismo com sua visão própria da Venezuela nem ignorar o apoio que esse movimento obteve de um setor dos venezuelanos e o respaldo residual que esse setor ainda lhe dá.

A oposição tampouco se beneficia ao superestimar o nível de apoio nacional sustentado que angariou ou ao exagerar a importância do apoio internacional considerável que conquistou.

A ideia de que a Venezuela tenha dois governos –um governo ilegítimo liderado por Maduro e outro presidido por Juan Guaidó, com sólido reconhecimento internacional— não muda os fatos: as autoridades de Maduro controlam o território da Venezuela, as instituições públicas, as forças de segurança, a grande maioria dos recursos e a capacidade do país de traçar e implementar políticas públicas nacionais.

Um governo altamente autocrático não pode ser derrotado apenas por ser amplamente reconhecido como ilegítimo nem sequer por ser muito impopular, mas apenas quando há apoio nacional a uma força alternativa digna de crédito, capaz de conquistar o apoio das Forças Armadas e de grande parte do empresariado, da sociedade civil e da opinião pública e de demonstrar a capacidade administrativa e técnica necessária para dirigir o país.

Os setores fragmentados da oposição precisam ressaltar aquilo que os une, não o que os divide, e subordinar ambições individuais a metas coletivas.

A oposição precisa articular uma visão convincente e unificadora que traga esperança para a maioria dos venezuelanos, além de métodos de participação e benefícios práticos. Ela não pode se limitar a declarar sua oposição aos usurpadores e seus erros, por maiores que eles possam ser.

Construir uma alternativa atraente que mobilize o povo venezuelano seria extremamente difícil ou até impossível do exílio. É preciso estar presente, enfrentar as realidades desagradáveis de perto e convocar continuamente o apoio dos simpatizantes em todo o país.

A melhor maneira de consegui-lo é participando ativamente dos assuntos públicos e da política e empreendendo atividades de ajuda e reconstrução, mesmo que isso exija cooperação com o governo.

O acordo do mês passado entre a Assembleia Nacional, presidida pela oposição, o Ministério da Saúde governista e a Organização Panamericana de Saúde foi um bom ponto de partida. É preciso buscar mais colaborações desse tipo.

Participar de eleições injustas organizadas pelo regime de Maduro para assegurar a vitória dele será altamente frustrante, mas se faz necessário tentar, para fortalecer a visibilidade e a capacidade de organização da oposição em todo o país, além de consolidar a unidade e a experiência prática.

Essas atividades podem dar frutos mais adiante, mesmo que a oposição democrática não saia vitoriosa nas eleições parlamentares programadas para dezembro.

A oposição democrática deve aceitar que não chegarão milagres do exterior. O que frequentemente se descreve como a “comunidade internacional” são, na realidade, países individuais que, especialmente agora, têm problemas próprios que demandam toda a sua atenção, e não se pode confiar que eles vão assumir grandes riscos ou custos nem que irão investir muita energia em resolver as dificuldades internas de outro país.

As potências externas podem ser relevantes, mas apenas se apoiarem uma estratégia determinada ao nível nacional e apenas na medida em que possam fazê-lo sem entrar em contradição com seus próprios interesses ou enfrentar custos significativos.

A oposição já teve sua credibilidade prejudicada por parecer que depende de intervenção estrangeira. Os democratas venezuelanos deveriam estar na vanguarda daqueles que rejeitam as opções militares internacionais, em vez de tentar induzir uma intervenção dos EUA que certamente não vai acontecer.

A oposição também deveria considerar, pelo bem do país e de seus cidadãos, a possibilidade de fazer pressão para que sejam retiradas algumas das sanções impostas à Venezuela, em lugar de pressionar para que essas medidas sejam endurecidas, na esperança de que levem à queda do governo.

Algumas das sanções mais amplas em vigor, assim como algumas das medidas secundárias, têm custos humanitários inegavelmente altos, e quanto mais difíceis forem as circunstâncias econômicas do país, menos energia e impulso haverá para a mobilização cidadã contra o governo autoritário.

As discussões amplas e bem preparadas entre representantes do regime de Maduro e da oposição democrática representam a melhor maneira disponível para facilitar o caminho para uma transição democrática.

Para que essas discussões sejam eficazes, é preciso tempo, espaço e confidencialidade, não transparência imediata.

Os mediadores internacionais, como os noruegueses que mediaram as negociações mais recentes—podem exercer um papel importante na gestão desses diálogos, além de abrir uma oportunidade para os interlocutores de cada lado se conhecerem individualmente e explorarem maneiras de rearticular os problemas, em vez de apontarem culpados.

As duas partes usarão o diálogo e as negociações futuras para promover seus próprios interesses, como se vê em todas as situações semelhantes, mas isso não é um argumento válido para evitar um processo gradual de diálogo focado em um objetivo.

Em muitos casos anteriores, esse tipo de negociações mudou a dinâmica em situações em que ocorria um impasse prolongado.

Deve-se pensar no diálogo não como um mecanismo para alcançar uma solução rápida, mas como uma maneira de rearticular o conflito.

Nesse contexto, pode haver oportunidades para negociar a retirada de algumas sanções em troca de melhores condições eleitorais ou da programação de um referendo revocatório.

Sobretudo, os venezuelanos de ambos os lados e seus apoiadores internacionais precisam aceitar a dura realidade de que as catástrofes econômicas, políticas, institucionais e humanitárias da Venezuela continuam e provavelmente serão exacerbadas pela pandemia.

Ela está causando danos profundos e de longo prazo. É hora de lançar esforços realistas para sustar a deterioração, gerar acordos práticos e desenvolver uma base de apoio nacional e internacional para a recuperação da Venezuela.

Tradução de Clara Allain

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