Pela 1ª vez com Bolsonaro, Fernández pede fim de arestas entre governos por mais integração regional

Presidente argentino alerta em Cúpula do Mercosul que crise após pandemia será mundial, e não só de um país

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Buenos Aires

Na primeira Cúpula do Mercosul realizada por videoconferência, devido à pandemia de coronavírus, o Paraguai transmitiu nesta quinta-feira (2) a presidência temporária do bloco para o Uruguai.

A reunião marcou também o primeiro encontro, ainda que virtual, entre os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da Argentina, Alberto Fernández.

Os mandatários haviam trocado farpas durante a campanha eleitoral argentina, no ano passado, quando Bolsonaro apoiou o então presidente Mauricio Macri.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, à dir., ao lado do chanceler Felipe Solá durante Cúpula do Mercosul a partir da residência oficial, em Buenos Aires
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, à dir., e o chanceler Felipe Solá participam de Cúpula do Mercosul da residência oficial, em Buenos Aires - Esteban Collazo/Presidência da Argentina/AFP

O líder brasileiro não foi à posse de Fernández e, mesmo após mais de seis meses de mandato do argentino, não manteve diálogo direto com o chefe de Estado do vizinho mais importante do Brasil.

Durante a cúpula, enquanto Bolsonaro apenas mencionou as dificuldades criadas pela crise da Covid-19, o tema foi o principal assunto tratado por Fernández.

Bolsonaro leu seu discurso acompanhado do chanceler Ernesto Araújo e do ministro da economia, Paulo Guedes. Nele, reforçou que o Brasil estava avançando nas reformas para atrair investimentos e disse que a da Previdência havia sido uma "conquista histórica".

Também afirmou que instruiu membros do governo a "desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil" no exterior, elogiou a liderança temporária do bloco pelo Paraguai e desejou sorte a Luis Lacalle Pou. O presidente uruguaio, que assumiu o cargo em março, estreou em reuniões do Mercosul.

Bolsonaro encerrou dizendo que espera que a Venezuela "retome o caminho da liberdade".

Já Alberto Fernández discursou da sala de audiências virtuais montada na residência de Olivos, em Buenos Aires. Ele está confinado no local devido a recomendações médicas após pessoas próximas a ele terem contraído o coronavírus.

Durante sua fala, tratou basicamente da pandemia e de que "é preciso reforçar a ideia da América Latina como um só país, como foi a ideia de [Simón] Bolívar e de [José de] San Martín", heróis da independência de diversos países hispano-americanos.

Também afirmou que o coronavírus "derrubou tudo, apareceu de repente e revirou o mundo", enfatizando que a crise econômica que se avizinha não será apenas da Argentina, mas de todo o bloco. "A crise que virá será mundial e de dimensões nunca vistas."

Por isso, argumenta, a integração regional deveria colocar o foco na eliminação das "arestas" entre as relações dos governos.

"A reunião do Mercosul é uma reunião dos nossos povos, isso deve ser colocado adiante daqueles que governam hoje", disse ele, pedindo que a questão ideológica ficasse num segundo plano nas discussões.

Fernández também evocou o espírito da fundação do bloco, "um esforço original dos ex-presidentes Raúl Alfonsín [Argentina] e José Sarney [Brasil], depois acompanhado pelo Uruguai e o Paraguai".

Nesta parte da cúpula, de apresentações iniciais, cada chefe de Estado discursa sem interrupções. Por isso, não houve interação entre os líderes argentino e brasileiro.

Da esq. para a dir., o chanceler Ernesto Araújo, o presidente Jair Bolsonaro, um tradutor e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a Cúpula do Mercosul
Da esq. para a dir., o chanceler Ernesto Araújo, o presidente Jair Bolsonaro, um tradutor e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a Cúpula do Mercosul - Marcos Corrêa/Presidência do Brasil/ AFP

Fernández, no entanto, chamou o presidente do Paraguai de "meu querido Marito" e, ao se dirigir ao do Uruguai, mencionou que conhece a família de Lacalle Pou "há muitos anos". Nada disse sobre Bolsonaro.

Além de Bolsonaro, Fernández, Lacalle Pou e Abdo Benítez, foram convidados à reunião o presidente da Colômbia, Iván Duque, o do Chile, Sebastián Piñera, o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borell, e a presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez.

Abdo Benítez, presidente do Paraguai, discursou sobre o coronavírus com dramaticidade, dizendo que a pandemia era um flagelo para a região e que seria necessária uma "plena integração regional para reativar nossas economias".

Deu como bom exemplo a integração da indústrias automobilísticas e o aumento do comércio digital.

Já o uruguaio Lacalle Pou, em sua intervenção de estreia, disse que "não podemos ser 'mercopessimistas' nem 'merco-otimistas', e sim 'mercorrealistas'", e que uma das prioridades seria afinar as discordâncias surgidas nos debates sobre o acordo do bloco com a União Europeia.

Depois das falas iniciais, os chefes de Estado passaram a um encontro reservado, ao qual a imprensa não teve acesso.

Já no comunicado final da reunião, os presidentes de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai reafirmaram seu compromisso com a democracia e "com uma coordenação eficiente e permanente para frear o avanço do coronavírus e mitigar suas consequências sanitárias, econômicas e sociais".

Os líderes afirmaram ter recebido o projeto "Volta do Futebol", uma série de protocolos apresentados pela Conmebol para viabilizar a retomada dos torneios da Libertadores, da Sulamericana e das eliminatórias para a Copa do Qatar, em 2022.

Também concordaram com um compromisso de "adotar políticas públicas para dar respostas oportunas e apropriadas à crise sanitária mundial da Covid-19 na vida das mulheres e meninas, considerando o impacto diferenciado sobre elas e a multiplicação das situações de violência de gênero".

Nos últimos seis meses, o Mercosul esteve em segundo plano, uma vez que a pandemia do coronavírus se impôs como preocupação regional.

Assim, a Argentina também anunciou, no fim de abril, que se afastaria de "novas negociações" do bloco com outros países, e a gestão de Fernández colocou ressalvas no acordo assinado, mas ainda não aprovado, do Mercosul com a União Europeia.

Na abertura da cúpula, na quarta-feira (1º), o chanceler argentino, Felipe Solá, reforçou que essa posição não significa a saída da Argentina do Mercosul, mas que o país apenas será mais exigente sobre os impactos de novos possíveis acordos.

O Uruguai assume a presidência do bloco depois de uma crise interna na cúpula do governo, iniciada há algumas semanas, quando o ministro das Relações Exteriores do país, Ernesto Talvi, recebeu de Lacalle Pou a informação de que seria afastado do cargo.

Durante a reunião dos chanceleres, na quarta, Talvi postou sua carta de demissão nas redes sociais.

Membro do Partido Colorado e ex-candidato a presidente, ele vinha enfrentando diferenças em relação a Lacalle Pou, do Partido Nacional. Talvi tem intenção de presidir a legenda da qual faz parte, e isso seria impossível à frente do Ministério das Relações Exteriores.

Sua gestão como chanceler, porém, foi muito elogiada devido à repatriação exitosa de uruguaios durante a pandemia do coronavírus e no trato com estrangeiros que estiveram inicialmente impedidos de desembarcar de cruzeiros no porto de Montevidéu.

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