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Portugal pode ser nova rota de barcos com migrantes do Norte da África

Costa menos patrulhada e possibilidade de aguardar decisão sobre asilo no país atraem estrangeiros

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Lisboa

A chegada de dois barcos com migrantes do Norte da África, em junho, acendeu o alerta de que a região do Algarve, no Sul de Portugal, pode se tornar uma nova rota de imigração irregular para a Europa.

O governo de Portugal tem minimizado publicamente a situação, dizendo que não há motivo para preocupação com o desembarque de migrantes em sua costa. Entidades ligadas à área de segurança, porém, já manifestam receios abertamente.

A trajetória de aumento nos pedidos de asilo em Portugal —só em 2019, a alta foi de 45,3% em relação ao ano anterior— e a possibilidade de aguardar a decisão em território luso podem servir como incentivo para que mais pessoas tentem a sorte no desembarque em Portugal.

O fato de a costa lusitana ser bem menos patrulhada do que a da vizinha Espanha, onde a chegada de embarcações com cidadãos do Norte da África é uma realidade há vários anos, também pode tornar as praias do Sul de Portugal mais atraentes a quem tenta chegar à União Europeia.

Grupo de 22 migrantes do Norte da África interceptado em um barco em uma praia de Quarteira, no sul de Portugal 
Grupo de 22 migrantes do Norte da África interceptado em um barco em uma praia de Quarteira, no sul de Portugal  - Nuno Alfarrobinha -15.jun.20/Correio da Manhã

Em entrevista à Folha, o presidente do Sindicato de Carreira e Fiscalização do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o órgão responsável pela imigração em Portugal), Acácio Pereira, classificou a situação como preocupante. Segundo ele, as fronteiras portuguesas estão vulneráveis à imigração irregular.

“Nós não estamos tão longe do Norte da África como algumas pessoas podem pensar. Nós demoramos a ser um alvo enquanto foi possível e é fácil chegar à Europa por outra via”, afirmou.

Na avaliação de Pereira, Portugal já faz parte de uma nova rota. “Está implementada a rota, e ela tem aproveitado uma falha grave ao nível dos radares do SIVICC (sistema de vigilância da costa). Os barcos normalmente derivam até a zona em que sabem que os radares portugueses não os apanham”, afirma.

Além dos casos de junho, outras duas embarcações de migrantes do Norte da África já haviam aportado no Algarve: uma em dezembro de 2019 e outra em janeiro deste ano. No total, foram 48 pessoas.

Em todos os casos, o alerta para a presença das embarcações foi dado por pescadores, e não pelo sistema de alarme oficial.

Na terça-feira (6), durante uma sessão no Parlamento, o chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, almirante Silva Ribeiro, afirmou que, por conta da crise causada pela Covid-19, “não será de negligenciar o possível surgimento de uma nova rota de Marrocos para o Algarve”.

O PSD (Partido Social Democrata), legenda de centro-direita que tem a maior bancada na oposição, apresentou um requerimento pedindo explicações ao governo sobre a situação dos migrantes.

“Em sentido inverso do que dizem o ministro da Administração Interna e o ministro dos Negócios Estrangeiros, o PSD relembra que ‘os Serviços de Informações reforçaram a sua preocupação com o impacto em Portugal de redes de imigração ilegal que estão a operar a partir de Marrocos. Para os serviços de informações, o acolhimento proporcionado a estes migrantes —os quais foram aconselhados a pedir asilo— podia ser um fator de atração para as redes criminosas de imigração ilegal que operam naquela região do norte de África”, diz o documento.

Após a chegada do último barco, o primeiro-ministro de Portugal, o socialista António Costa, negou que o país faça parte de uma nova rota migratória.

Em declarações a uma comissão parlamentar, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, afirmou que não se deve “cair no ridículo” de dizer que Portugal faz parte de uma nova rede de imigração irregular.

“Estando a falar de quatro desembarques desde dezembro, com 48 pessoas. Devemos ter alguma dimensão do ridículo quando compararmos com aquilo que são as 7.500 chegadas à Espanha desde janeiro, mesmo com uma redução significativa de chegadas verificada neste ano”, afirmou.

O governo de Portugal afirma estar em contato com autoridades marroquinas para criar uma via regular para os fluxos migratórios.

“Aquilo que queremos com o Marrocos é abrir mecanismo de migração legal e preparada”, completou o ministro.

Na avaliação do diretor-executivo da Anistia Internacional em Portugal, Pedro Neto, ainda “não temos elementos suficientes para perceber se é ou não uma nova rota”.

Em dezembro de 2007, um barco com migrantes do Marrocos chegou ao Algarve, à ilha da Culatra, com 23 pessoas a bordo. Segundo os viajantes, o desembarque em Portugal foi um erro, e o objetivo do grupo seria chegar à costa da Espanha.

Apesar de protestos de ativistas de direitos humanos, o grupo começou a ser expulso de Portugal, em voos comerciais, pouco mais de um mês após a chegada.

Uma alteração legislativa, de julho de 2008, impede que os migrantes que chegaram nos últimos meses tenham esse mesmo destino. Desde então, a lei portuguesa garante que os requerentes de asilo tenham direito a aguardar a decisão em território nacional.

O primeiro grupo da nova onda de migrantes já se beneficiou desse estatuto. Em dezembro de 2019, um barco com oito pessoas a bordo chegou à costa algarvia. Eles também afirmaram ter como objetivo final a Espanha.

Cerca de um mês depois, em 29 de janeiro, mais uma pequena embarcação, agora com 11 migrantes. Em junho, foi a vez de dois grupos, totalizando 29 pessoas.

Segundo reportagens na imprensa portuguesa, alguns desses migrantes estariam com o paradeiro desconhecido pelas autoridades.

Em março, quando foi declarado estado de emergência por conta do novo coronavírus, o governo português decidiu regularizar a situação de todos os imigrantes e refugiados que haviam realizado pedidos até então.

A medida foi uma maneira de facilitar o acesso dos estrangeiros ao serviço de saúde pública do país.

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