Premiê holandês vira símbolo 'do contra' em discussão sobre reconstrução da UE

Porta-voz dos países chamados de Frugais, Mark Rutte diz estar preparado para negociar por dias

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Bruxelas

“Estou preparado para negociar até amanhã ou quarta ou quinta”, disse aos repórteres nesta segunda (20) o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, ao chegar para o quarto dia de debates sobre como financiar os programas comuns da União Europeia pelos próximos sete anos e reconstruir a economia pós-coronavírus.

Porta-voz de um grupo de países chamados de Frugais, Rutte, 53, virou o símbolo da resistência liberal linha-dura que paralisou as discussões por várias vezes, dividiu os líderes dos 27 países-membros da UE em pequenos grupos e multiplicou os cafés no terraço do edifício do Conselho Europeu em Bruxelas.

No final da tarde desta segunda, o presidente do grupo, Charles Michel, apresentou uma nova proposta para tentar chegar à necessária unanimidade e fazer avançar o plano de recuperação.

O premiê holandês, Mark Rutte, conversa com o espanhol Pedro Sánchez, em reunião em Bruxelas
O premiê holandês, Mark Rutte, conversa com o colega espanhol, Pedro Sánchez, em reunião em Bruxelas - John Thys/Pool/AFP

Sem chegar a um consenso à 1h desta terça (horário local, 20h no Brasil), a reunião se encaminha para ser a mais longa da história do Conselho. Com mais cinco horas e cinco minutos, ultrapassará o encontro recorde, em Nice (França), no ano 2000.

O pacote total é de mais de 1,8 trilhão de euros (R$ 11 trilhões, mais que o PIB anual do Brasil), e o principal foco de discórdia era o plano de retomada —chamado de Nova Geração (NGEU)—, 750 bilhões de euros que, na versão original, estavam divididos em dois terços para subvenções a fundo perdido e um terço para empréstimos.

Os Frugais (Holanda, Dinamarca, Suécia e Áustria, com algum apoio da Finlândia), porém, se ressentem de patrocinar o que veem como “prêmios” a países que, segundo eles, controlam mal seus cofres públicos.

Na nova proposta, a parcela de doações caiu para 52%, ou 390 bilhões de euros. Os 360 bilhões restantes seriam concedidos como empréstimos para os países que não conseguirem juros menores no mercado internacional (11 dos 27 membros, segundo cálculos da Comissão). O crédito terá devolução em 30 anos a partir de 2028.

A redivisão provocou a ira do primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, que chamou os frugais de "grupo dos países mais mesquinhos e egoístas".

O premiê italiano, Giuseppe Conte, também se voltou contra o premiê holandês e principal porta-voz dos Frugais, Mark Rutte. “Você pode ser herói na sua casa por mais alguns dias, mas corre o risco de ser responsabilizado por decepcionar a Europa”, disse no jantar de domingo, quando as negociações já patinavam havia três dias.

A Itália ocupa posição central nas preocupações políticas da Comissão Europeia, que considerava fundamental para o futuro do bloco uma solução que não dificultasse a vida dos países do sul.

Com a economia anêmica já antes da pandemia, a Itália foi um dos países mais afetados pelo coronavírus na saúde e nos negócios. Estimativas da UE divulgadas há duas semanas preveem contração de mais de 11% no PIB neste ano (e recuperação de apenas 6% em 2021), cenário visto como caldo de cultura ideal para políticos populistas que defendem um “Italexit” —a saída do país do bloco, a exemplo do que ocorreu com o Reino Unido no brexit.

Um fracasso da União Europeia em mostrar que pode socorrer seus membros nos momentos mais difíceis adicionaria pólvora ao discurso já explosivo.

Rutte, porém, vai enfrentar uma eleição na Holanda no ano que vem e precisa atender a um eleitorado que valoriza a austeridade fiscal. "Não estamos aqui para ir aos aniversários dos outros pelo resto de nossas vidas. Estamos todos aqui para defender os interesses de nossos próprios países", disse ele na segunda, aludindo à comemoração dos aniversários do premiê de Portugal, António Costa, e da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, no primeiro dia da reunião, na sexta-feira (17).

Outra discussão política deste Conselho era a de usar os recursos financeiros como forma de pressionar países como Hungria e Polônia a paralisarem ações consideradas antidemocráticas e em desacordo com as regras da UE, em áreas como liberdade de imprensa e do judiciário e políticas de imigração.

A Holanda queria incluir um mecanismo para barrar repasses se houvesse dúvidas sobre sua governança, o que o premiê húngaro, Viktor Orbán, chamou de “táticas comunistas”. “Quando o regime comunista decidiu nos atacar [a Hungria foi satélite da União Soviética até 1991], usaram termos jurídicos vagos como os da proposta do holandês”, afirmou Orbán, referindo-se a Rutte.

O premiê holandês, porém, já deu exemplos de disciplina. Durante a pandemia, seguiu as restrições impostas por seu governo, que proibiam visitas a asilos, e não visitou sua mãe, que morreu em maio, aos 96 anos.

Descrito como bom símbolo de frugalidade, ele anda de bicicleta no dia a dia, mora no mesmo bairro em que cresceu e no mesmo apartamento desde que saiu da faculdade e tem na garagem um carro usado.

Filho temporão, Rutte perdeu um irmão para a Aids. “A morte dele mudou drasticamente minha visão da vida”, disse ele em 2006 à mídia europeia. “Percebi que só vou viver uma vez. Não há ensaio geral, há apenas uma apresentação... É daí que vem minha enorme motivação.”

Ex-gerente de RH da Unilever, ele já liderou três governos holandeses nos últimos dez anos.

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