Protestos no Mali pedem renúncia de presidente, e região teme por instabilidade no país

Líderes de cinco nações africanas tentam pacificação após manifestações deixarem 14 mortos

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Brasília

Presidentes de cinco países da África ocidental estiveram no Mali nesta quinta-feira (23) para tentar negociar um fim para a crise política que, desde o início de junho, tem levado dezenas de milhares de pessoas às ruas do país, ameaçando a Presidência de Ibrahim Boubacar Keita.

Foi o segundo encontro de líderes do oeste africano com o governo e a oposição em duas semanas para tentar solucionar a crise. Mas novamente não houve acordo, e uma cúpula extraordinária foi marcada para segunda (27), por videoconferência, com todos os 15 membros do bloco.

Segundo o presidente do Níger e da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEEAO), Mahamadou Issoufou, a cúpula tomará "medidas fortes" para solucionar a crise política do Mali.

Issoufou não deu detalhes de quais seriam as medidas, mas descartou a retirada do presidente democraticamente eleito como uma alternativa. "Não haverá mudança inconstitucional de poder na região da CEEAO", afirmou.

O presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, ao centro, durante entrevista coletiva de líderes africanos que foram ao Mali para mediar negociações entre governo e oposição
O presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, ao centro, durante entrevista coletiva de líderes africanos que foram ao Mali para mediar negociações entre governo e oposição - Michele Cattani/AFP

Os manifestantes no país reclamam da corrupção no governo e da ineficiência da coalizão internacional, liderada pela França, que combate extremistas islâmicos localizados no norte do país, em um conflito que já dura oito anos.

Outro ponto que impulsionou o início dos protestos foi uma decisão controversa do Tribunal Constitucional sobre os resultados das eleições parlamentares de março.

O partido do presidente saiu vitorioso, e uma decisão do tribunal alterou o resultado de aproximadamente 30 assentos, ampliando ainda mais a vantagem do governo.

​Os atos se mantinham pacíficos até o dia 10 de junho, quando houve confrontos com as forças policiais. Segundo a ONU, foram 14 mortes naquele fim de semana. O governo diz que foram 11, e membros da oposição falam em 20 mortos e centenas de feridos.

Com a violência das forças do Estado, o escopo dos protestos foi ampliado e desde então pedem a renúncia de Keita, eleito em 2013 e reeleito em 2018.

O primeiro-ministro —que no Mali é apontado pelo presidente— Boubou Cisse pediu desculpas pelas mortes em entrevista à rede de televisão France 24.

Para tentar acalmar os ânimos, o presidente dissolveu o Tribunal Constitucional e anunciou que formaria um governo de união nacional, incluindo a oposição. Os protestos continuaram.

Segundo o analista político Lionel Chobli, especialista em África Ocidental e pesquisador associado da London School of Economics, a percepção de corrupção no governo de Keita, com distribuição de cargos a amigos e familiares, e a ineficácia da coalizão liderada pela França no combate ao extremismo islâmico no norte do país são as principais causas da mobilização popular.

"Há relatos de membros do Exército malinês que abandonaram seus postos por discordâncias com as táticas francesas. Isso também se manifesta em setores da população que acreditam que o Mali deve tomar mais partido nas estratégias militares, frente a um longo comando francês que não obteve bons resultados", afirma Chobli.

"Na oposição há antigos apoiadores de Keita, incluindo primeiros-ministros apontados por ele. O principal líder do movimento é um imã [líder religioso muçulmano] que o apoiava", continua.

O M5-RFP —que lidera os protestos e cujo nome faz referência ao dia 5 de junho, data de início dos protestos— afirmou que não desistirá das manifestações até que o presidente deixe o poder.

O grupo é liderado pelo clérigo muçulmano Mahmoud Dicko. Apesar de os protestos serem heterogêneos, com pessoas de diversos grupos religiosos e políticos, Dicko é visto como a força que galvaniza os atos.

O imã Mahmoud Dicko (no centro), o líder dos protestos no Mali que pedem a renúncia do presidente Ibrahim Keita - Michele Catani - 23.jul.20/AFP

Para Choubli, um dos motivos da popularidade do imã que ganhou notoriedade quando presidiu o Alto Conselho Islâmico do país é a sua promessa de que não pretende assumir nenhum cargo político e o forte discurso anti-corrupção.

Na semana passada, um outro grupo de mediadores, também da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, havia tentado negociar o fim das tensões, mas não obteve sucesso.

Desta vez, a delegação voltou com cinco chefes de Estado —da Nigéria, Costa do Marfim, Senegal, Gana e Níger. Eles se reuniram com o presidente do Mali e depois com Dicko e outros líderes oposicionistas em um hotel na capital Bamako.

As demandas do M5-RFP incluem o estabelecimento de uma comissão de inquérito para investigar as mortes dos civis durante os atos e a instauração de um governo de transição.

Segundo Chobli, outro pedido da oposição é oferecer mais poder ao primeiro-ministro. O Mali funciona em um modelo semipresidencial, em que o presidente não é o chefe de governo, mas responsável por apontar o primeiro-ministro.

Países da região e potências mundiais temem que a instabilidade no Mali prejudique a luta contra grupos extremistas islâmicos que protagonizam conflitos na região oeste do Sahel —faixa de clima semi-árido abaixo do deserto do Saara e acima da floresta tropical africana.

Uma intervenção militar internacional foi lançada em janeiro de 2013, por iniciativa da França, para conter grupos radicais islâmicos que dominam o território desde 2012.

Mais de 10 mil pessoas já foram mortas e mais de 1 milhão deixaram suas casas na região, segundo o New York Times. A ONG Human Rights Watch afirma que já documentou ao menos 800 mortes de civis em massacres desde 2015.

Os franceses têm mais de 5.000 militares nessa região como parte de esforços internacionais bilionários, que ainda não conseguiram acabar com o conflito na região. Nesta quinta, mais um soldado francês foi morto pelas forças radicais.

A Minusma, forças de manutenção da paz da ONU, já enviou mais de 13 mil militares para a missão no país, contabilizando 209 mortos.

Com Reuters

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