Rússia tenta conter crise no Cáucaso e faz megamobilização militar

Em conflito renovado, Azerbaijão ameaça atacar usina nuclear da Armênia, aliada do Kremlin

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Rússia fez uma megamobilização militar de surpresa nesta sexta (17), após a crise entre a Armênia e o Azerbaijão escalar com a ameaça do governo azeri de bombardear uma usina nuclear no país vizinho.

O Kremlin anunciou um dos maiores exercícios militares do tipo de que se tem notícia no país, envolvendo 150 mil soldados. Ele começou a ser conduzido no flanco sudoeste do país, o que também gerou alarme na vizinha Ucrânia.

Segundo divulgou a agência estatal Tass, o ministro Serguei Choigu (Defesa) disse que haverá 56 exercícios táticos em 35 campos de treinamento e 17 áreas navais, nos mares Negro e Cáspio.

Caças Sukhoi-30 participam com navios de exercício militar russo no Mar Negro, em janeiro
Caças Sukhoi-30 participam com navios de exercício militar russo no Mar Negro, em janeiro - Alexei Drujinin - 9.jan.2020/Sputnik/Reuters

"A checagem surpresa envolve 149.755 pessoas, 26.820 armamentos e veículos militares, 414 aeronaves e 106 navios de guerra e suporte", disse Choigu, que citou ordens diretas do presidente Vladimir Putin para a execução do teste.

O exercício desta sexta mobilizou tropas dos distritos militares Meridional e Ocidental, visando preparação para a grande simulação deste ano, o Kavkaz-2020 (Cáucaso-2020), marcado para setembro. Além disso, foram envolvidos fuzileiros navais da frotas Setentrional e do Pacífico, e forças paraquedistas.

O problema está do outro lado da fronteria, ainda que o Kremlin não tenha citado isso oficialmente. Desde o domingo (12), armênio e azeris voltaram a ser enfrentar na região disputada de Nagorno-Kabarakh.

Já morreram 12 militares, inclusive um general, e 1 civil do lado de Baku. Já Ierevan perdeu 4 soldados. Nesta quinta (16), o governo azeri afirmou que atacaria alvos estratégicos do adversário, inclusive a usina nuclear de Mestamor, a 37 km da capital armênia, que fornece um terço da eletricidade do país.

O governo em Ierevan reagiu, acusando "intenções genocidas" por parte de Baku. Os azeris afirmam que receberam informações de que os armênios iriam atacar a represa do grande reservatório de Mingatchevir, o que inundaria grandes áreas do país.

Soldados armênios no funeral do major Garush Hambardzumyan, morto em combate esta semana
Soldados armênios no funeral do major Garush Hambardzumyan, morto em combate esta semana - Vahram Baghdasaryan - 16.jul.2020/Photolure/via Reuters

Nesta sexta, o Kremlin buscou colocar ordem na casa. Primeiro, porque é aliado da Armênia, onde mantém forças militares estacionadas e para quem já forneceu armamentos pesados, como o míssil intermediário Iskander-M.

Segundo, porque Nagorno-Kabarakh é uma herança da dissolução da União Soviética, e o governo de Vladimir Putin trata o tema como sendo da própria Rússia.

No século 20, essa área de maioria armênia no Azerbaijão foi tornada autônoma. Com o colapso comunista em 1991, o território foi alvo de uma guerra aberta, congelada por cessar-fogo em 1994, mas que de tempos em tempos gera atritos.

O último embate sério havia acontecido em 2016 e foi mediado também por Moscou. Instabilidade em sua fronteira sul, onde já enfrenta insurgências islâmicas, é tudo de que Putin não precisa enquanto tenta sair da crise econômica e do enfrentamento político com o Ocidente.

Aí se encaixa o grande exercício militar de supresa, anunciado logo depois de o Kremlin exortar ambos os países a buscar uma solução negociada.

A escala da ação é enorme. A maior simulação militar russa desde a Guerra Fria havia acontecido em 2018, reunindo 300 mil homens na Sibéria. Mas ela era algo planejado com bastante antecedência —todo ano, a Rússia faz um grande exercício em uma de suas regiões estratégicas.

Alem da questão do Cáucaso, Moscou quer demonstrar para o Ocidente que, apesar de ser o quinto país do mundo mais afetado pela pandemia do novo coronavírus, mantém sua capacidade de mobilização rápida.

Por fim, é uma reafirmação interna de poder, no momento em que Putin enfrenta alguns protestos contra o referendo que lhe deu, há duas semanas, a possibilidade de tentar permanecer no poder até 2036.

Exercícios militares são uma constante no país de Putin, e neste ano mesmo já haviam sido dadas outras demonstrações de força. China e outros adversários regionais dos EUA, como Irã e Coreia do Norte, também fizeram o mesmo.

os americanos têm focado principalmente a disputa estratégica com Pequim, fazendo manobras ostensivas no mar do Sul da China, que os chineses consideram seu quintal.

Enquanto isso, o embate segue na área comercial (guerra tarifária), tecnológica (veto à Huawei no 5G) e diplomática (sanções devido à nova lei de segurança em Hong Kong).

Além disso, Rússia e EUA não têm se acertado acerca de seus arsenais nucleares, com o governo de Donald Trump deixando tratados de controles de armas, enquanto Putin acelera o desenvolvimento de novos mísseis.

De forma menos generalista, a Ucrânia recebeu a notícia de Moscou com preocupação, já que a área dos exercícios é contígua à sua fronteira também. O país perdeu a Crimeia para Moscou em 2014, na esteira da revolta que derrubou o governo pró-Kremlin em Kiev, e o conflito congelado com separatistas russos étnicos no seu leste já matou 13 mil pessoas.

O Ministério da Defesa ucraniano determinou alerta e afirmou que fará um exercício militar grande em setembro, coincidindo com o Kavkaz-2020. Convidou países da Otan (aliança militar ocidental) para participar das manobras, o que vai desagradar o governo Putin.

A Rússia considera a Ucrânia um ponto vital de separação entre seu território e as forças ocidentais. É essa a lógica que rege as ações de Putin em sua periferia ex-soviética, como também a Geórgia, onde travou guerra em 2008.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.