Exames em hospital na Alemanha confirmam que opositor russo foi envenenado

Segundo equipe médica, Navalni não corre risco de morrer, mas substância pode deixar sequelas

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Berlim | AFP e Reuters

Médicos alemães responsáveis pelo tratamento de Alexei Navalni confirmaram, nesta segunda (24), que o opositor do presidente Vladimir Putin foi envenenado por uma substância que atua no sistema nervoso.

"Os achados clínicos indicam intoxicação por uma substância do grupo dos inibidores da colinesterase", diz o comunicado divulgado pelo hospital Charité,​ para onde Navalni foi transferido no sábado (22).

A colinesterase é uma enzima fundamental para o funcionamento regular do sistema nervoso. Os inibidores da enzima, por sua vez, são um grupo de compostos químicos de usos diversos, desde o tratamento de doenças neurológicas como Alzheimer, até a composição de pesticidas e armas químicas.

Embora tenham afirmado que o ativista não corre risco de morrer, os médicos não descartaram a "possibilidade de efeitos a longo prazo, particularmente aqueles que afetam o sistema nervoso".

Segundo o hospital, "o efeito do veneno foi confirmado por vários testes em laboratórios independentes". O diagnóstico contraria a versão apresentada pelos médicos russos, segundo a qual não havia vestígios de substâncias tóxicas nos exames feitos no ativista durante o atendimento na Rússia.

Navalni, 44, está sendo tratado com um antídoto, mas, de acordo com os médicos, seu "prognóstico ainda é obscuro", e ele permanece em coma induzido. Na quinta (20), o ativista passou mal em um voo da Sibéria para Moscou.

Alexei Navalni, um dos principais nomes da oposição ao governo russo, durante protesto em fevereiro, em Moscou - Shamil Zhumatov - 29.fev.20/Reuters

Nesta segunda-feira, quando o envenenamento ainda era uma suspeita, a Alemanha ofereceu um reforço à segurança pessoal de Navalni, mencionando o histórico recente da Rússia com casos semelhantes de opositores de Putin que foram intoxicados.

"Alguém envenenou Navalni, e o governo alemão leva essa suspeita muito a sério", disse Steffen Seibert, porta-voz da chanceler Angela Merkel, em uma entrevista coletiva nesta segunda-feira (24), justificando a proteção policial oferecida ao russo no hospital de Berlim. Segundo ele, o país recebeu o ativista por "questões humanitárias", atendendo a um pedido da família.

Nas redes sociais, a assessora de Navalni, Kira Iarmich, disse que ela e outros aliados do ativista vinham afirmando "desde o início" que ele tinha sido envenenado, ao contrário dos médicos russos, a quem ela chamou de "propagandistas do Estado".

"O envenenamento de Navalni não é mais uma hipótese, mas um fato", escreveu Iarmich. "Espero que agora a Comissão de Investigação considere necessária a abertura de processo criminal."

A chanceler alemã endossou o pedido por uma investigação, dizendo que "os responsáveis devem ser identificados e responsabilizados".

"À luz do proeminente papel desempenhado por Navalni na oposição política na Rússia, as autoridades locais são agora chamadas com urgência para investigar este crime até o último detalhe —e fazê-lo com total transparência", disse Merkel.

Na Rússia, o Ministério da Saúde contradisse o diagnóstico a que os médicos chegaram em Berlim. Em um comunicado, o Kremlin afirmou que Navalni teve teste negativo para inibidores da colinesterase, assim como para uma ampla gama de substâncias.

Mais cedo nesta segunda, médicos russos disseram que o atendimento que Navalni recebeu ainda na Rússia foi fundamental para sua sobrevivência.

"Nós salvamos a vida dele com grande esforço e trabalho", disse Alexander Murakhovsky, chefe do hospital em Omsk, cidade em que Navalni foi internado após um pouso de emergência. Segundo o médico, não houve nenhuma pressão externa ou interferência oficial no tratamento oferecido ao crítico de Putin.

Embora não tenha dado detalhes do que foi feito para tratar o opositor russo, outro médico sênior do hospital, em entrevista coletiva, voltou a descartar a hipótese de envenenamento.

"Se tivéssemos encontrado algum tipo de veneno que fosse de alguma forma confirmado teria sido muito mais fácil para nós", disse Anatoli Kalinichenko. "Teria sido um diagnóstico claro, uma condição clara e um curso de tratamento bem conhecido."

Ele disse ter recebido dezenas de ameaças e acusações. “Foi desagradável que jornalistas e médicos de renome internacional tenham feito comentários sem ter nenhuma informação."

Para os russos, o quadro clínico mais provável era um “desequilíbrio glicêmico” provocado por um baixo nível de açúcar no sangue. Esse diagnóstico, porém, também foi rechaçado pela esposa do ativista, Iulia Navalnaia. Na sexta (21), ela escreveu uma carta com um pedido formal a Putin para que seu marido recebesse autorização para ser levado à Alemanha.

O tratamento fora da Rússia foi uma possibilidade oferecida por Merkel e pelo presidente francês, Emmanuel Macron, assim como um pedido de representantes da Comissão Europeia.

A princípio, o Kremlin afirmou que estava pronto para considerar o tratamento no exterior, mas que a decisão cabia aos médicos responsáveis pelo atendimento de Navalni.

Estes, por sua vez, foram resistentes e alegaram que o estado de saúde do advogado não era estável o suficiente para a transferência.

Horas mais tarde, na sexta-feira (21), médicos alemães chegaram à Omsk, na Rússia, cidade onde Navalni estava internado. Eles também avaliaram a situação do ativista e concluiram que ele estava em condições de ser transportado.

Os russos então recuaram e autorizaram a transferência, feita por meio de um avião-ambulância fretado pela ONG Cinema for Peace. O diretor da instituição, Jaka Bizilj, já ofereceu o mesmo tratamento a outros adversários do Kremlin, vítimas de casos com circunstâncias semelhantes ao suposto ataque contra Navalni.

A transferência foi finalizada na manhã de sábado (22). Navalni foi internado no hospital Charité, um dos mais prestigiados da Europa, "em quadro estável", segundo Bizilj. Ao jornal alemão Bild o chefe da ONG afirmou que Navalni sobreviveria, mas deve ficar impedido de atuar politicamente por meses.

A atenção que o ativista atrai e as circunstâncias de sua internação levam inevitavelmente à memória do destino de outros opositores e desafetos do governo russo.

Ele mesmo foi vítima anteriormente. Em 2018, durante um protesto, foi atingido com uma substância tóxica verde que o deixou parcialmente cego de um olho por um tempo.

O Kremlin sempre negou qualquer associação a ataques contra opositores. A lista, contudo, acumula episódios —com um mórbido destaque à modalidade envenenamento.

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