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Avanço de mesas nas ruas por conta da pandemia pode acelerar perda de espaço de carros

Cidades como Nova York e Londres fecharam vias para facilitar operação de restaurantes ao ar livre

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São Paulo

As ruas e calçadas das metrópoles são como um apartamento pequeno: para colocar algo novo, é preciso tirar outra coisa.

Com a pandemia, surgiu a demanda para instalar mesas e cadeiras de restaurantes ao ar livre, prática adotada em cidades como Nova York, Londres e Madri. A saída encontrada tem sido tirar espaço do carro —elemento que mais ocupa o espaço urbano— e usá-lo para novos fins.

Em boa parte dos casos, as mesas passaram a ocupar as pistas perto da calçada, antes usadas como estacionamento. Nos horários de maior movimento, algumas das vias são totalmente fechadas, para facilitar a circulação de pedestres.

Mesas em trecho da rua 46, em Nova York, que teve o tráfego fechado para os carros - Byron Smith - 4.jul.20/Getty Images/AFP

A medida tem ajudado esses estabelecimentos a recuperar o prejuízo gerado pelo fechamento abrupto. Com isso, mais atividades passam a se interessar por um pedaço de rua.

Em Seattle, nos Estados Unidos, além de comerciantes de comida, lojas de outros produtos e veículos usados na venda de produtos podem pedir autorização para usar espaços nas ruas. A medida foi anunciada no fim de julho, e as permissões valerão por seis meses.

Em Nova York, grupos de pais e ativistas fazem campanha para que as escolas possam usar parte das vias próximas para atividades com os alunos, de modo a favorecer o distanciamento entre eles.

Em meio à pandemia, a cidade adotou um amplo programa de ruas abertas, que beneficia quase 10 mil estabelecimentos, em todas as suas regiões. Novas vias foram adicionadas à iniciativa no começo de agosto, e a medida será mantida ao menos até o fim de outubro.

Ao anunciar a extensão, o prefeito democrata Bill de Blasio exaltou a ideia e disse que pretende repeti-la no verão de 2021. "Vamos ver o quão longe podemos ir. É hora de começar uma nova tradição em Nova York."

Além dos restaurantes, a cidade liberou trechos de asfalto para o uso por pedestres, ciclistas e para a prática de esportes, entre 8h e 20h. Há também áreas para que as crianças possam brincar. Ao todo, o programa de ruas abertas supera 160 km de vias. No entanto, nenhuma mudança ainda foi dada como definitiva.

No ano passado, a cidade aprovou a criação de um pedágio urbano em sua área central, mas a medida foi adiada. Autoridades estimam que a implantação deve ficar para 2022.

Na Europa, cidades como Paris e Barcelona já vinham avançando, antes da pandemia, na criação de áreas para serem aproveitadas a pé, em projetos que buscam fechar de vez o acesso a carros.

Liberar atividades de lazer ao ar livre, no entanto, traz o risco de aglomeração. Em Londres, que bloqueou algumas ruas para os carros e liberou mesas no início de julho, houve cenas de lotação.

O governo local determinou medidas como exigir que os garçons sirvam apenas quem estiver nas mesas. Mesmo assim, outros momentos de aglomeração foram registrados, e há temor de que isso possa ajudar a espalhar o coronavírus.

Carro tenta passar em rua cheia de pessoas em área do Soho, em Londres, onde bares puderam reabrir - Justin Tallis - 4.jul.20/AFP

Em São Paulo, a prefeitura iniciou neste mês um teste para que restaurantes e bares possam ampliar seus espaços nas ruas, mas o projeto está cercado de polêmica.

Comerciantes se queixam de que foi oferecida uma solução preparada sem debate. A gestão de Bruno Covas (PSDB) determinou a instalação de estruturas prontas, bancadas por patrocinadores.

“Cada estabelecimento tem uma situação e uma demanda diferente, e isso não foi contemplado”, critica Rodolfo Herrera, do café Takkø, no centro paulistano.

Segundo ele, donos de estabelecimentos questionam quem irá mediar possíveis conflitos, como o de vizinhos incomodados com o barulho, e de quem será a responsabilidade por esse mobiliário no futuro.

Projeto da Prefeitura de SP de ocupação da rua para disposição de mesas de restaurantes
Projeto da Prefeitura de SP de ocupação da rua para disposição de mesas de restaurantes - Prefeitura de São Paulo/Divulgação

O temor é que se repita o que ocorreu com os parklets, estruturas de madeira com bancos ao ar livre cuja instalação foi estimulada na capital paulista nos últimos anos. No entanto, como o custo de manutenção é caro, vários desses espaços ficaram abandonados.

Em áreas residenciais paulistanas, tem aumentado a presença de veículos que vendem produtos, como frutas e lanches. São guiados por pequenos comerciantes, que buscam uma fonte de renda em um momento em que muita gente evita sair de casa.

A demanda por mais áreas abertas ao ar livre na cidade é grande. Muitos bairros das periferias mal possuem parques e praças. No centro, a avenida Paulista e o elevado Minhocão costumavam ficar cheios de pessoas a pé quando são fechados aos carros, aos fins de semana.

“Temos uma oportunidade para corrigir um equívoco histórico que favorece excessivamente o automóvel e aprender a usar o espaço das cidades de forma mais justa”, considera Marcos de Oliveira Costa, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Faap.

“O Brasil me parece distante do que vem sendo feito pelas cidades mundo fora. A gente ainda acredita que o modelo de cidade do começo do século 20 é a solução para o século 21”, compara.

Embora a demanda por maior uso da rua a pé esteja crescendo, o carro tem ganhado espaço nas metrópoles por ser alternativa contra o risco de contaminação no transporte público, afirma Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora no Cebrap.

“As pessoas estão com medo, e as montadoras não estão tristes com isso”, resume.

Tavolari defende que todas as intervenções nas ruas sejam feitas após debates com a comunidade, incluindo comerciantes e moradores, para encontrar as melhores saídas possíveis.

Outra sugestão dela é que as mudanças sejam fáceis de implantar e de serem refeitas, caso não deem certo. “Uma coisa é colocar as mesas e cadeiras do próprio salão na rua. Outra é ter de comprar novos móveis padronizados.”

Especialistas também defendem que as permissões de uso tenham prazo definido, para impedir que os comércios se apropriem das áreas públicas de vez.

Uma forma de evitar que eles possam agir de modo parecido ao que o automóvel fez no passado: ir dominando o terreno aos poucos até parecer quase impossível fazê-lo recuar.

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