Corte absolve Hizbullah por morte de ex-premiê do Líbano, mas condena membro do grupo

Segundo tribunal apoiado pela ONU, liderança do movimento xiita não ordenou assassinato de Rafik Hariri

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Leidschendam (Holanda) | Reuters

Um tribunal apoiado pela ONU condenou um integrante do movimento Hizbullah e absolveu outros três pelo assassinato do ex-premiê libanês Rafik Hariri. Os juízes também consideraram que as lideranças do grupo xiita e o governo da Síria não tiveram participação no crime.

Morto no dia 14 de fevereiro de 2005, em um atentado com carro-bomba que matou outras 21 pessoas e deixou 256 feridos, Hariri era o principal líder dos sunitas no país, enquanto o Hizbullah representa parte da comunidade xiita. O assassinato desencadeou uma onda de protestos que forçou a retirada das tropas sírias do país, depois de 30 anos em território libanês.

Foto do ex-premiê libanês Rafik Hariri na cidade de Sidon, no Líbano
Foto do ex-premiê libanês Rafik Hariri na cidade de Sidon, no Líbano - Aziz Taher - 18.ago.20/Reuters

Hariri era forte aliado dos EUA e de países sunitas do Golfo —em especial, a Arábia Saudita. Assim, era visto como uma ameaça à influência do Irã e da Síria no Líbano. Ele liderou os esforços para reconstruir Beirute após a guerra civil, ocorrida de 1975 a 1990.

No veredicto, divulgado nesta terça (18), os juízes afirmaram que estão convictos, ”sem margem para dúvidas”, de que há provas de que o principal acusado, Salim Jamil Ayyash, possuía “um dos seis celulares usados pela equipe que cometeu o assassinato”.

Ele foi condenado por ataque terrorista e homicídio. "As provas também estabeleceram que o sr. Ayyash era afiliado ao Hizbullah”, disse a juíza Micheline Braidy, ao ler o veredicto, de 2.600 páginas. A leitura deve durar horas, e a sentença será anunciada mais tarde. Ayyash pode ser condenado a prisão perpétua.

O tribunal afirmou ainda que não há evidências de que os demais acusados —que também pertencem ao movimento xiita— tenham sido cúmplices da ação e, por isso, foram absolvidos.

Outro juiz, David Re, disse que “a Síria e o Hizbullah podem ter tido motivos para eliminar o sr. Hariri e seus aliados políticos". "No entanto, não há evidências de que as lideranças do Hizbullah tenham tido algum envolvimento no assassinato, e não há nenhuma evidência direta do envolvimento da Síria.”

Também ex-premiê, Saad Hariri, filho de Rafik, reagiu à decisão dizendo que não vai descansar até que os culpados sejam punidos. Também afirmou que o Hizbullah deve assumir a responsabilidade pela ação.

Análise de amostras de DNA nunca identificaram quem era o homem-bomba responsável pelo atentado.

Os promotores usaram registros de celulares para argumentar que os quatro acusados no julgamento — Hassan Habib Merhi, Assad Hassan Sabra e Hussein Hassan Oneissi, além de Ayyash— monitoraram os movimentos de Hariri nos meses anteriores ao ataque. Advogados de defesa, por outro lado, afirmam que não há evidências físicas ligando os quatro acusados ao crime e que eles deveriam ser absolvidos.

Os réus eram julgados à revelia pelo Tribunal Especial para o Líbano (TEL), com sede na Holanda, estabelecido em 2007 após uma resolução do Conselho de Segurança da ONU a pedido do país. A investigação e o julgamento levaram 15 anos e custaram cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões).

O Hizbullah, que nega envolvimento no ataque e não reconhece o TEL, opôs-se a entregar os suspeitos, apesar de vários mandados de prisão. O líder do movimento, Sayyed Hassan Nasrallah, disse na sexta-feira (14) que não estava preocupado com a divulgação do veredicto e que, se algum membro do grupo fosse condenado, o movimento continuaria sustentando que eles são inocentes.

O resultado do processo é anunciado menos de um mês após a explosão que destruiu metade de Beirute e matou, no último dia 4, 178 pessoas, intensificando a crise econômica que já consumia o país.

O plano inicial era divulgar a decisão do tribunal no dia 7, mas o incidente na zona portuária de Beirute levou a um adiamento do plano inicial.

Mesmo antes do começo da leitura do veredicto, o jornal libanês an-Nahar escreveu: “Justiça internacional vence a intimidação”. A publicação trouxe uma caricatura de Hariri olhando para a nuvem de fumaça em cima da capital libanesa, acompanhada da legenda: “Que você também consiga justiça”.

Xiitas e sunitas

Desde o fim da guerra civil, em 1990, o Líbano se equilibra em delicada partilha de poder que segue linhas sectárias —o presidente é cristão, o premiê é muçulmano sunita e o presidente do Parlamento é xiita.

A origem da divisão entre xiitas e sunitas, duas grandes correntes da religião muçulmana, remonta à morte, em 632, de Maomé, que não deixou nenhum herdeiro.

Os dois grupos discordam sobre quem deveria ter dado continuidade à liderança do profeta: sunitas preferiam que o líder da comunidade fosse escolhido entre seus seguidores, enquanto xiitas queriam alguém com laços de sangue com Maomé —especificamente Ali, seu primo e genro.

Os sunitas venceram a disputa e elegeram Abu Bakr, primeiro califa do islã.

A predominância dos sunitas nas dinastias posteriores do império islâmico levou xiitas a se identificarem permanentemente como oposição ao poder estabelecido, também fixando posição minoritária na comunidade muçulmana. Hoje, sunitas se concentram na Arábia Saudita, no Egito, e na Síria, entre outros países, e os xiitas, no Irã e no Iraque.

No Líbano, a população é bem dividida entre os dois ramos muçulmanos e os cristãos: cerca de 30,6% são sunitas, 30,5% são xiitas e e 33,7% são cristãos, de acordo com informações de 2018 registradas em um banco de dados da CIA, a agência de inteligência do governo dos EUA.

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