O Facebook bloqueou o acesso dentro da Tailândia a um grupo crítico ao rei do país, com 1 milhão de membros, mas afirmou que planeja contestar na Justiça a ordem do governo para aplicar a restrição.
O episódio ocorre em meio a protestos quase diários de jovens contra o governo e a manifestações sem precedentes por reformas na monarquia.
Nos atos, os manifestantes apresentaram dez propostas, incluindo a redução dos poderes do rei sobre a Constituição, sobre a fortuna real e sobre as Forças Armadas.
Em 2016, após a morte de Bhumibol Adulyadej —que reinou o país durante 70 anos—, Maha Vajiralongkorn —ou Rama 10º— ascendeu ao trono e pediu uma revisão da Constituição para obter mais poderes emergenciais.
Desde então, assumiu o controle sobre algumas unidades militares e ativos do palácio que chegam a dezenas de bilhões de dólares.
Neste contexto, o acadêmico Pavin Chachavalpongpun, um crítico da monarquia autoexilado no Japão, criou no Facebook, em abril, o grupo batizado de Mercado Realista.
Desde a noite de segunda (24), no entanto, quem visita a página do grupo na rede social encontra a mensagem “o acesso foi restrito dentro da Tailândia devido a uma demanda legal do Ministério da Economia Digital e da Sociedade”.
Pavin disse que a empresa de tecnologia cedeu à pressão do governo dominado por militares.
"Nosso grupo é parte de um processo de democratização, é um espaço para a liberdade de expressão”, disse ele à agência de notícias Reuters. "Ao fazer isso, o Facebook está cooperando com um regime autoritário na obstrução da democracia e cultivando o autoritarismo na Tailândia.”
Pavin criou nesta terça um novo grupo, com o mesmo nome, que já tem 455 mil membros. O Facebook afirma que planeja contestar legalmente o governo após ser “pressionado” a bloquear o acesso à página.
"Ordens como essa são severas, violam leis internacionais de direitos humanos e têm um efeito terrível na habilidade de as pessoas se expressarem”, disse um porta-voz da companhia.
"Trabalhamos para proteger e defender os direitos de todos os usuários de internet e estamos nos preparando para contestar legalmente essa ordem.”
A base usada pelo governo para pedir bloqueios como esse às redes sociais são as leis de lesa-majestade da Tailândia, que proíbem difamar, insultar ou ameaçar o rei, com penas de 3 a 15 anos de prisão.
No início de agosto, manifestantes realizaram um ato inédito contra a monarquia, comparando o rei Maha Vajiralongkorn ao Lorde Voldemort, o vilão da saga "Harry Potter" que não deve ser nomeado.
Na Tailândia, o rei é descrito na Constituição como "entronado em uma posição de adoração reverencial". Tradicionalistas monárquicos tailandeses veem a monarquia como uma instituição sagrada.
A monarquia tem raízes profundas no país, onde os reis mantiveram poder absoluto por séculos, até uma revolução em 1932. Críticas ao rei, como as direcionadas a Vajiralongkorn, eram muito raras.
Em outras ocasiões, o primeiro-ministro do país, Prayuth Chan-ocha, já havia alertado aos manifestantes que não insultassem a monarquia. No entanto, segundo ele, o próprio rei pediu que a população não fosse mais processada por meio da lei, que remonta ao início do século 20.
No início deste mês, o ministro digital do país asiático acusou o Facebook de não cumprir com requisitos para restringir conteúdos, incluindo insultos à monarquia.
No dia 10 de agosto, ele deu à empresa americana 15 dias para cumprir a ordem da Justiça ou a companhia estaria sujeita a pagar multas de até US$ 6.000 (R$ 33,5 mil) por dia.
O porta-voz do ministério, Putchapong Nodthaisong, disse na segunda-feira (24) que o Facebook cooperou antes do prazo porque entendeu o contexto da sociedade tailandesa. Questionado nesta terça pela Reuters, ele não comentou os planos da empresa de entrar com uma ação contra a exigência.
O ministério também fez uma reclamação por cibercrime contra Pavin por criar o grupo.
Além das reformas na monarquia, os protestos na capital, Bancoc, pedem a saída do premiê, Chan-ocha, ex-comandante do Exército tailandês e líder do golpe que instalou um regime militar por cinco anos no país. Com novas eleições muito contestadas, em 2019, ele manteve o cargo, apoiado pelas Forças Armadas.
Em fevereiro deste ano, uma decisão judicial baniu um partido de oposição e garantiu maioria confortável ao premiê no Parlamento. Desde então, estudantes lideram protestos que ocorrem quase diariamente.
Críticos da monarquia acusam a Casa Real de ajudar a estender o papel das Forças Armadas na política tailandesa, na qual 13 golpes militares foram dados com sucesso desde que a monarquia deixou de ter poder absoluto no país.
Antes do golpe de 2014, a Tailândia viveu mais de uma década de confrontos entre manifestantes monarquistas de camisas amarelas e seus rivais vermelhos, leais ao ex-premiê Thaksin Shinawatra.
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