Justiça argentina busca julgamento a repressor na Alemanha

Ex-militar é acusado de participação no desaparecimento de 152 pessoas durante a ditadura

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Buenos Aires

"Estou esperando aqui. Aceito ser julgado na Alemanha, mas não na Argentina. Estou esperando, inocente, calmamente", disse o argentino-alemão Luis Esteban Kyburg, 72, a um repórter local, ao ser descoberto passeando em Berlim, no meio de julho.

Era evidente em seu rosto a confiança de que não será extraditado e que, longe da Argentina, será muito difícil que se prove sua participação no desaparecimento de 152 pessoas durante a última ditadura militar (1976-1983).

O ex-militar argentino Luis Esteban Kyburg, em Berlim
O ex-militar argentino Luis Esteban Kyburg, em Berlim - Reprodução YouTube

Ainda que o repórter insistisse, Kyburg não deu mais nenhuma declaração.

"O caminho para levá-lo a julgamento é muito difícil aqui na Alemanha, mas não impossível", diz o advogado Andreas Schüller, representante da família de Omar Marocchi, assassinado por uma operação em Mar del Plata, em 1976, que teria sido ordenada por Kyburg, então subcomandante da Marinha.

Segundo ele, a extradição é complicada por Kyburg ser cidadão alemão. "O que esperamos é que a Justiça alemã aceite o depoimento de familiares de vítimas e outros aportes que estão sendo oferecidos pela Justiça argentina à Procuradoria alemã, algo que já está ocorrendo. Essas evidências o incriminam."

A irmã de Omar, Anahí, foi à Alemanha pedir pessoalmente que o julgamento ocorra. "Ainda acredito que será possível conseguir justiça para meu irmão e para os outros que morreram sob as ordens de Kyburg."

A situação do ex-militar é incerta porque as legislações dos dois países são diferentes em relação aos crimes de lesa humanidade e aos abusos de direitos humanos.

Na Argentina, se uma pessoa integra um grupo de repressores que cometeu um delito desse tipo, isso basta para que ela seja acusada por ele —na Alemanha, não necessariamente.

Além disso, os crimes de sequestro e tortura, pelos quais Kyburg é acusado, estão prescritos aos olhos da legislação alemã. O único crime que não prescreve é o de assassinato.

"Portanto, o que precisamos provar são os assassinatos, mas de forma específica, com evidências que o incriminem especificamente, e não apenas o grupo ao qual ele pertencia ou que ele comandava", diz Schüller.

A dificuldade aumenta porque se trata de um assassinato ocorrido num centro clandestino de detenção em Mar del Plata, há mais de 40 anos.

"Se estivéssemos na Argentina, Kyburg estaria condenado há muitos anos, só por compartilhar a responsabilidade no sequestro e no assassinato de meu irmão. Espero que a Justiça argentina leve em conta o contexto e o local onde o crime ocorreu", diz Anahí.

Quando Marocchi foi morto, sua parceira, Suzana Valor, grávida de três meses, desapareceu. Era comum, naquela época, que os militares esperassem o nascimento dos bebês para entregá-los a outras famílias.

Depois, assassinavam a mãe. Mais de 500 crianças foram sequestradas e, até hoje, apenas 130 tiveram sua identidade recuperada, por meio do trabalho das Avós da Praça de Maio.

Além de justiça pela morte de Omar, a família Marocchi espera ter alguma pista do que pode ter ocorrido com o bebê.

Em 2012, a Justiça argentina emitiu mandados de prisão a vários comandantes da Marinha acusados de crimes contra a humanidade. Colegas e subordinados de Kyburg no agrupamento de operações táticas número 612 foram presos, julgados e condenados.

Ao saber que também era procurado, Kyburg viajou para Berlim. A Argentina, ao descobrir, em 2015, que o repressor estava na Europa, emitiu um pedido de busca e prisão à Interpol (polícia internacional) e um pedido de extradição para o governo da Alemanha.

Como o ex-militar é cidadão alemão, nada disso foi feito.

A estratégia da defesa agora é levar adiante o julgamento em Berlim. "Para a lei alemã, um alemão que comete um crime, mesmo fora da Alemanha, pode ser julgado aqui. Vamos custear a vinda de testemunhas da Argentina e precisamos atuar rápido, por conta da idade avançada do repressor", diz Schüller.

Para Wolfgang Kaleck, do centro para os direitos humanos e constitucionais da Europa, organização de direitos humanos baseada em Berlim, essa via não é impossível.

Desde 1998, Kaleck comanda a coalizão contra a impunidade, dentro do órgão, realizando buscas e campanhas para encontrar repressores e abusadores de direitos humanos na região.

Em dezembro do ano passado, por exemplo, o grupo conseguiu que o repressor Mario Sandoval, que estava escondido em Paris, fosse extraditado para a Argentina, onde está sendo julgado.

"No passado, nosso centro emitiu vários alertas e realizou várias buscas de repressores que tinham vindo a países europeus. Até aqui, já realizamos o esforço de ajudar a localizá-lo. Agora, vamos trabalhar com a família para que as evidências cheguem à Justiça alemã", afirma Kaleck.

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