Protestos se agravam, e premiê do Líbano diz que antecipará eleições

Nos maiores atos desde outubro, manifestantes tentam entrar no Parlamento e invadem ministérios

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Beirute | Reuters

Em meio a um imenso protesto em Beirute neste sábado (8), o primeiro-ministro libanês, Hassan Diab, disse que convocará eleições parlamentares antecipadas para tentar desarmar a crise política detonada após a grande explosão ocorrida na zona portuária da cidade.

"Não podemos sair desta crise sem eleições parlamentares antecipadas", afirmou ele, lendo um comunicado. Diab, que não anunciou uma data para a realização do novo pleito, esquivou-se da crise ao dizer que não é culpado pelos problemas econômicos e políticos do país.

Polícia lança bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes durante um protesto nas ruas de Beirute, neste sábado (8)
Polícia lança bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes durante um protesto nas ruas de Beirute, neste sábado (8) - Thaier Al-Sudani/Reuters

A declaração veio minutos depois de dezenas de manifestantes invadirem o ministério das Relações Exteriores, onde um retrato emoldurado do presidente do país, Michel Aoun, foi queimado. Os ativistas foram retirados do local pelo Exército, mas, em seguida, grupos invadiram os ministérios da Energia e da Economia, além da Associação de Bancos.

O presidente representa uma classe política que governa o Líbano há décadas e que os manifestantes dizem ser responsável pela profunda crise do país. “Vamos ficar aqui. Pedimos ao povo libanês que ocupe todos os ministérios”, disse um manifestante, com um megafone.

Momentos mais cedo, policiais da tropa de choque dispararam gás lacrimogêneo contra manifestantes que tentavam romper uma barreira para chegar ao prédio do Parlamento, em Beirute.

O protesto, uma ação em resposta à forma como o governo vem lidando com a explosão que devastou metade da cidade, reuniu cerca de cem mil pessoas na Praça dos Mártires, no centro da capital libanesa, onde manifestantes ergueram uma forca.

Alguns atiravam pedras, e outros gritavam “o povo quer a queda do regime”, reprisando um cântico popular dos levantes da Primavera Árabe de 2011. Eles também seguravam cartazes com dizeres como “saiam, vocês são todos assassinos”.

Foi a maior manifestação no país desde outubro do ano passado, quando milhares de pessoas foram às ruas contra a corrupção da elite dominante, a má administração do governo e uma crise econômica profunda, marcada por depreciação monetária sem precedentes, hiperinflação, demissões em massa e restrições bancárias drásticas, que alimentam há vários meses o descontentamento social.

Os manifestantes culpam a classe política pela explosão de terça (4), que matou ao menos 158 pessoas e feriu cerca de 6.000, de acordo com o Ministério da Saúde. Mais de 60 pessoas continuam desaparecidas, enquanto a esperança de encontrar sobreviventes diminui. Além disso, há milhares de desabrigados.

Ao menos 110 foram feridos nos protestos deste sábado, e 55 levados ao hospital, segundo a Cruz Vermelha. Um policial morreu no confronto com os manifestante —segundo um colega, ele caiu no poço do elevador de um prédio após ser perseguido.

O incidente no porto, cujas circunstâncias ainda não estão claras, teria sido causado por um incêndio que afetou um enorme depósito que armazenava 2.750 toneladas de nitrato de amônio, um composto químico usado para a produção de fertilizantes e de explosivos.

O governo prometeu responsabilizar os culpados, mas poucos cidadãos estão convictos que isso acontecerá. Para muitos, a explosão foi uma terrível lembrança da guerra civil que durou de 1975 a 1990 e que dividiu a nação e destruiu áreas de Beirute, muitas das quais já haviam sido reconstruídas.

Informações preliminares indicam que o material estava no porto havia cerca de seis anos, trazido por um navio que fez uma parada em Beirute e acabou retido devido às más condições de manutenção.

O veículo foi então abandonado pelos donos e pela tripulação, e o governo recolheu a carga para um depósito. Após a explosão, o governo ordenou a prisão domiciliar de ao menos 16 autoridades do porto, enquanto a investigação apura se houve negligência.

Alguns moradores, lutando para limpar as casas destruídas pela maior explosão da história do Líbano, no entanto, reclamam que o governo os decepcionou novamente.

“Não confiamos em nosso governo”, disse a estudante universitária Celine Dibo, enquanto limpava o sangue das paredes de seu prédio destroçado. "Eu gostaria que as Nações Unidas assumissem o Líbano."

Muitos não se mostraram surpresos com o fato de o presidente francês, Emmanuel Macron, ter visitado seus bairros devastados nesta semana, enquanto os líderes libaneses se ausentaram. Durante a passagem por Beirute, Macron disse estar do lado dos libaneses comuns, e não de seus líderes.

Dois dias após a visita do presidente francês, a atividade diplomática se intensificou em Beirute para organizar o apoio internacional ao país, na véspera de uma conferência de doadores.

Aoun, o presidente libanês, cada vez mais criticado, afirmou na sexta (7) se opor a uma investigação internacional, dizendo que as explosões poderiam ter sido causadas por negligência ou por um míssil.

Uma videoconferência de doadores em apoio ao Líbano acontecerá no domingo (9), co-organizada pela ONU e pela França, segundo informou a presidência francesa à agência de notícias AFP. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que participará. "Todo mundo quer ajudar!", escreveu no Twitter.

Mesmo em meio a uma severa crise econômica, os líderes libaneses não conseguiram chegar a um acordo sobre um resgate econômico com o Fundo Monetário Internacional (FMI).​

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, era esperado neste sábado em Beirute, para mostrar a solidariedade dos europeus. A UE já liberou 33 milhões de euros (R$ 211,5 milhões).

O chefe da Liga Árabe, Ahmad Aboul Gheit, junto com o vice-presidente turco, Fuat Oktay, e o ministro das Relações Exteriores, Mevlüt Cavusoglu, também visitarão Beirute em demonstração de apoio.

Vários países despacharam equipamentos médicos e sanitários, bem como hospitais de campanha. Médicos brasileiros viajarão ao país com pele de tilápia para ajudar na cicatrização de queimaduras.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) está preocupada com a saturação dos hospitais, já em situação complicada pelo coronavírus, escassez crônica de medicamentos e de equipamentos médicos.

Neste contexto, o líder do partido Kataeb, Samy Gemayel, anunciou neste sábado sua renúncia junto com outros dois deputados da histórica legenda cristã, dizendo que havia chegado a hora de construir um "novo Líbano". O Kataeb, de oposição ao governo, é apoiado pelo Hizbullah, movimento xiita ligada ao Irã.

A embaixada dos Estados Unidos em Beirute afirmou que o governo americano apoia o direito dos manifestantes libaneses protestarem pacificamente.


Instabilidade marca o país há décadas

INDEPENDÊNCIA
1944 - França transfere poder ao governo libanês

INTERVENÇÃO DOS EUA
1958 em meio a tensões sectárias, o presidente Camille Chamoun pede ajuda militar dos EUA para conter distúrbios. O confronto de três meses deixa cerca de 4.000 mortos

GUERRA CIVIL
1975 Um atentado de uma milícia cristã contra um ônibus com palestinos, em resposta a uma igreja atacada na mesma região, desencadeia o conflito

1982 Israel invade o sul do Líbano e ocupa o oeste de Beirute; falangistas cristãos matam milhares de refugiados palestinos nos campos de Sabra e Chatila

1990 Após o acordo de Taif (1989), que dividiu o poder entre cristãos e muçulmanos, o governo militar interino é deposto. Termina a guerra

ISRAEL X HIZBULLAH
2000 Tropas israelenses deixam o sul do Líbano diante do avanço da milícia xiita Hizbullah

2006 Israel volta a entrar em confronto com o vizinho depois de o Hizbullah sequestrar dois de seus soldados. O conflito dura 34 dias

CRISE ATUAL
2019 Diante de uma grave situação econômica, uma onda de protestos contra o governo toma as ruas. Em outubro, o primeiro-ministro Saad Hariri anuncia sua saída do cargo

2020
Jan. O país forma novo governo, sob o comando do premiê Hasan Diab; as manifestações contra a classe política continuam

Ago. Uma grande explosão mata mais de 150 pessoas em Beirute e reacende o clima de tensão; manifestantes tentam invadir o Parlamento, e o premiê fala em antecipar eleições

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