Peça-chave para renúncia de Evo, Camacho se mostra desiludido com governo que apoiou

Candidato à Presidência da Bolívia se afasta de Añez e critica gestão durante pandemia

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Buenos Aires

O ex-líder do Comitê Cívico de Santa Cruz de la Sierra Luis Fernando Camacho, 41, foi um dos personagens mais marcantes no turbulento processo que levou à renúncia de Evo Morales e à posse de Jeanine Añez.

O apoio dado à presidente interina da Bolívia não exime Camacho de, hoje, criticar a atual gestão e de se apresentar como opção mais eficaz da direita na próxima eleição, marcada para 18 de outubro.

Católico fervoroso e representante do empresariado conservador de Santa Cruz de la Sierra, Camacho afirma não ser contra uma postergação do pleito devido à pandemia. Diz, porém, que da forma como está sendo proposto, sem base científica, o adiamento responde apenas aos interesses políticos de Añez.

De acordo com a mais recente pesquisa do instituto Ciesmori, o candidato aparece com 9,6% das intenções de voto, índice que o coloca longe do segundo turno.

Seu apoio, no entanto, é importante para qualquer dos nomes que dispute com Luis Arce, do MAS (Movimento para o Socialismo), partido de Evo Morales, que lidera as pesquisas. Em segundo lugar, surge o ex-presidente de centro-esquerda Carlos Mesa, e, em terceiro, a atual mandatária, Añez.

Camacho conversou com a Folha, por telefone, de Santa Cruz de la Sierra.

Luis Fernando Camacho durante ato em La Paz, capital da Bolívia
Luis Fernando Camacho durante ato em La Paz, capital da Bolívia - Marco Bello - 10.nov.19/Reuters

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O sr. apoiou a articulação para que Jeanine Añez assumisse após a saída de Evo Morales. Mas agora tem uma posição crítica a ela e disputará a Presidência contra ela. O que mudou? Nada. Nosso esforço naquela época foi para mobilizar a população e conseguir derrubar o comunismo. Foi a luta de todo um povo, uma luta pacífica, para mudar o rumo do país. E conseguimos. Em apenas 21 dias, derrubamos o comunismo e viramos um exemplo para o mundo.

Jeanine Añez foi o fruto dessa luta, a quem nós apoiamos por ser a via legal, que sempre seguimos. Agora, se ela está sendo uma má presidente, nós temos que criticar também. Ela está sendo uma desilusão. Mas isso não invalida nossa batalha antes de sua posse. E é nessa batalha, a de liberar o povo boliviano do sistema corrupto e fraudulento que existia, comandado pelo MAS, que está baseado o nosso movimento.

Como está a situação da pandemia em Santa Cruz de la Sierra? Muito ruim. Há uma indiferença enorme do governo da presidente Añez conosco. E também com o resto do país. Não houve um plano para combater a pandemia e houve corrupção na compra de insumos. A população de Santa Cruz se comportou muito bem, cumpriu as regras da quarentena. Mas o governo nacional não fez sua parte, que era usar o tempo da quarentena para reforçar o sistema hospitalar, adquirir respiradores e recursos. Agora, o que vemos são essas imagens terríveis, de gente morrendo em suas casas, da incerteza porque não temos como realizar os testes necessários para proteger a população.

Como o sr. vê o novo adiamento das eleições, agora de 6 de setembro para 18 de outubro? Nós, diferentemente do MAS e de Carlos Mesa, aceitamos uma postergação, porque em primeiro lugar vem a vida. Mas não essa postergação, baseada num relatório científico com pouca credibilidade. Queremos e vamos lutar por um relatório científico embasado, que nos indique com mais clareza qual é a data mais correta para realizar a eleição. Se o preço a pagar é um adiamento, é um custo alto, porque temos uma má presidente no cargo. Mas aceitamos o custo de tê-la uns meses a mais se o resultado for salvar vidas.

Agora, não aceitamos o modo como a postergação está sendo feita, sem base científica séria, porque só responde ao projeto de poder da presidente, e nós não estamos de acordo com isso. A eleição tem de ser legal, responsável e deve ocorrer de forma segura, e não temos nenhuma dessas garantias por enquanto.

Se o sr. for eleito, qual seria a prioridade para a reativação econômica do país? Precisamos de medidas duras e imediatas. Temos de passar para o setor privado a responsabilidade de mover a economia. O Estado não tem condições, não tem dinheiro para investir em nada. O que o Estado deve fazer é oferecer segurança jurídica e condições para parcerias e investimentos estrangeiros. O Estado, com Evo Morales, acabou com a competição, que era benéfica para o desenvolvimento do país.

E quais seriam suas prioridades políticas? Como o sr. governaria se, mesmo sem Evo Morales no país, o MAS continua sendo um partido forte? É preciso lutar contra a corrupção e impor o respeito à Constituição. Quanto ao MAS, não haverá uma discriminação, mas queremos esclarecer a verdade. E queremos sanções aos que roubaram e vandalizaram. Queremos a devolução do dinheiro desviado pela gestão corrupta do MAS, para que possamos realizar as reformas de que o país precisa. Não estou preocupado com a força do MAS. Acredito, sim, na força da população, daqueles que se juntaram para acabar com o regime. Na conciliação dos bolivianos em torno do nosso projeto.

​​A atual Constituição foi promulgada durante a gestão de Evo Morales, em 2009. O sr., caso eleito, considera convocar uma nova assembleia constituinte ou realizar reformas? A atual Constituição está banhada com o sangue dos bolivianos. Foi construída e aprovada por meio de acordos da velha política. Não contempla um consenso entre os setores da sociedade, coloca imposições na questão trabalhista, por exemplo, com as quais não concordamos. Dá muita força aos sindicatos, às organizações com quem o governo dialogava, e não aos os trabalhadores e aos cidadãos. Nós queremos um projeto novo para o país, que pode vir por meio de reformas ou de uma nova Carta.

Um dos problemas da Bolívia não resolvidos por Evo foi a questão da violência de gênero. Como o sr. pretende combater isso? Somos muito rigorosos com a questão dos valores da família. Assim como somos contra o aborto e a favor da vida, a proteção à mulher é essencial, para evitar os abusos e os estupros que produzem a gravidez involuntária. Vamos atacar o problema do feminicídio impondo sanções de forma mais dura e levando a lei e os valores nos quais acreditamos às comunidades em que essa cultura de abuso é mais forte, especialmente as mais afastadas das grandes cidades.

Como o sr. está realizando sua campanha eleitoral com as medidas sanitárias em vigor? Estamos em pausa, não podemos bater na porta dos bolivianos para pedir seus votos. Esses bolivianos estão em casa, sem trabalho, sem comida, sem medicamentos e com medo de serem infectados. Não podemos ir até eles. Focamos as atividades humanitárias, como levar ajuda, comida, o que for necessário, de forma segura, aos mais pobres.

O atual governo brasileiro apoiou o processo sucessório na Bolívia. Como seria o relacionamento com o país, caso eleito? Não creio em relações internacionais baseadas em simpatias pessoais. Creio que os países têm de se relacionar por conta da defesa de seus interesses e da colaboração regional. Assim, me interessa que a Bolívia se relacione com quem respeita a ordem democrática.

Mas como seria a relação da Bolívia com a Argentina, que abriga Evo Morales na condição de refugiado? O sr. Alberto Fernández está machucando o povo boliviano ao dar abrigo a esse delinquente, e tenho certeza de que a sociedade argentina vai cobrá-lo de alguma forma. Não temos problemas com o povo argentino, mas o sr. Fernández está danificando a relação de dois povos irmãos. E esperamos que os argentinos cobrem ser possível fazer com que Evo Morales sofra as sanções que deve receber da Justiça da Bolívia.


Luis Fernando Camacho, 41 ​

Advogado, fez mestrado na Espanha em direito financeiro e tributário. Nunca disputou uma eleição, mas ganhou fama como presidente do Comitê Cívico Santa Cruz de La Sierra (cargo que já tinha sido de seu pai) e por suas críticas à gestão de Evo Morales.

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