Presidente deposto do Mali é libertado 9 dias após golpe militar

Soltura atende a pedido de bloco regional antes de conferência extraordinária sobre crise

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Brasília

O presidente deposto do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, foi libertado nesta quinta-feira (27) após nove dias detido pela junta militar que deu um golpe em sua contestada administração e que agora governa o país do oeste africano.

Segundo postagem na página do Facebook do autointitulado CNSP (Comitê Nacional para a Salvação do Povo) —criado pelos militares para realizar uma suposta transição para um governo civil—, "o ex-presidente se encontra atualmente em sua residência".

A informação foi confirmada por Mahamadou Camara, ex-chefe de gabinete de Keita, e pelo chefe da Minusma (força de paz da ONU) no país, que confirmou tê-lo visitado em casa.

A liberação de Keita era uma exigência da Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) e da comunidade internacional, que desde o primeiro dia condenou o golpe, mas que agora já demonstra aceitar o fato de que, com amplo apoio popular, os militares não devolverão o poder ao presidente deposto.

Nesta sexta (28), o bloco realizará uma conferência extraordinária sobre a situação no Mali.

Keita renunciou no dia do golpe, quando já estava detido. Em seu pronunciamento, o ex-presidente também dissolveu o Parlamento e afirmou que não queria que sangue fosse derramado para que ele se mantivesse no poder.

"Se hoje certos elementos das Forças Armadas querem que isso acabe por meio de uma intervenção, eu realmente tenho escolha?", questionou ele em 18 de agosto, da base militar de Kati, de onde a junta governa atualmente.

O presidente deposto do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, durante conferência na Mauritânia, em junho - Ludovic Marin - 30.jun.2020/Reuters

Nesta quinta, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, pediu que a transição de poder no Mali seja rápida.

"O poder deve retornar aos civis, e uma agenda política precisa ser colocada em prática para permitir a esse país retornar à estabilidade política", disse o ministro à radio francesa RTL.

A França lidera uma coalizão militar internacional que, desde 2013, combate grupos radicais islâmicos que controlam partes do centro e do norte do Mali e outras áreas na região oeste do Sahel —faixa de clima semi-árido abaixo do deserto do Saara e acima da floresta tropical africana— na fronteira com o país. Os franceses têm mais de 5.000 militares na região.

A importância estratégica do Mali para o conflito torna a instabilidade no país um motivo de preocupação para as nações vizinhas e para a comunidade internacional. O temor é que a crise política prejudique o combate aos extremistas islâmicos.

Nesta quinta, quatro militares foram mortos e outros 12 feridos em uma emboscada de militantes radicais islâmicos na região de Mopti, no centro do país.

A Cedeao, que nos primeiros dias da ação exigia o retorno à ordem constitucional e ao estado de direito, também deixou de lado o discurso de que não toleraria golpes na região e agora demonstra que aceitará o governo de transição, imposto pelos militares, para que haja certa estabilidade no país.

Desde o golpe, a CNSP afirma que cumprirá todos os compromissos internacionais.

Nesta quarta, após três dias de negociações entre o ex-presidente da Nigéria e enviado da Cedeao ao Mali, Jonathan Goodluck, e a CNSP, as partes não chegaram a um acordo.

O bloco, no entanto, afirmou que seria aceitável um governo interino liderado por um civil ou um militar da reserva, com duração de seis meses a um ano, além da libertação de Keita e das outras autoridades de seu governo também detidas pelos militares.

Os militares propuseram liderar o governo de transição e realizar eleições em até três anos.

Apesar de diminuir o tom em relação ao golpe, a Cedeao fechou as fronteiras com o Mali e interrompeu fluxos financeiros do país. Segundo a agência Reuters, ONGs internacionais relatam que as sanções já afetam transações econômicas e pedem à Cedeao que garanta a entrada de ajuda humanitária.

O ex-presidente da Nigéria e representante da Cedeao, Goodluck Jonathan (no centro), chega ao Mali para negociar uma saída para a instabilidade política - Annie Risemberg - 22.ago.2020/AFP

O golpe militar aconteceu após uma série de protestos antigoverno iniciados no começo de junho e que tomavam as ruas da capital, Bamaco.

Os manifestantes reclamavam da corrupção no governo, da crise econômica e da ineficiência da coalizão que tenta combater os extremistas islâmicos no norte do país há oito anos.

Os atos se mantinham pacíficos até que a polícia passou a reprimir os manifestantes, deixando ao menos 14 mortos em um fim de semana. A partir de então, o movimento passou a pedir a renúncia do presidente.

A Cedeao tentou apaziguar a situação em três oportunidades. Na última antes do golpe, após uma conferência extraordinária com todos os Estados-membros, o bloco fez uma série de recomendações para pacificar a oposição e os manifestantes.

Entre elas, a formação de um governo de união nacional que incluísse a oposição e a renúncia de 31 deputados eleitos após uma controversa decisão do Tribunal Constitucional que favoreceu o governo de Keita, além da recomposição da próprio tribunal, dissolvido em resposta aos atos.

O governo tentou colocar as recomendações em prática, mas a oposição não cedeu e seguiu pedindo a queda do presidente e de seu governo. Keita foi eleito presidente em 2013 e reeleito em 2018.

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