Prisão de Uribe acirra polarização e impõe desafio a partido que comanda Colômbia

Detenção de um dos políticos mais influentes da América Latina pode enfraquecer atual presidente do país

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Buenos Aires

"Uribe, amigo, a Colômbia está contigo", gritavam manifestantes em Medellín, capital do departamento de Antioquia, reduto eleitoral de Álvaro Uribe (2002-2010), na noite do último dia 3, quando o ex-presidente da Colômbia recebeu a ordem de prisão domiciliar.

Em Bogotá, capital do país, por outro lado, buzinaços comemoravam a decisão da Justiça, que investiga o envolvimento de Uribe na criação de grupos paramilitares responsáveis por crimes contra a humanidade.

Um dos políticos mais influentes da história recente da América Latina, Uribe, 68, é amado pelos que dizem crer que apenas por meio de medidas duras é possível acabar com a violência causada por guerrilhas como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de LIbertação Nacional), cujo conflito com o Exército causou mais de 220 mil mortes em mais de cinco décadas.

Homem observa projeção em protesto ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe em prédio de Medelín
Homem observa projeção em protesto ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe em prédio de Medellín - Joaquin Sarmiento - 9.ago.20/AFP

Mas o ex-presidente também é odiado por aqueles que afirmam que ele é, de fato, responsável pela morte de mais de 2.000 civis, ao apoiar a tática dos "falsos positivos", em que as Forças Armadas distribuíam premiações e promoções a oficiais que apresentassem grande eficácia na eliminação de guerrilheiros.

Para receber esses prêmios, militares armavam arapucas no interior do país. Mas, em vez de guerrilheiros, civis eram mortos e vestidos de combatentes em cenários montados para simular os conflitos.

Quatro anos após a assinatura do acordo de paz com as Farc e a dois anos do próximo pleito presidencial, a prisão de Uribe, para analistas, acirra a polarização política no país e pode ser determinante para o futuro de seu partido, o direitista Centro Democrático, hoje no poder com Iván Duque.

Por outro lado, representa um desafio à institucionalidade, segundo a ONG Human Rights Watch, que emitiu comunicado depois de o atual presidente sair publicamente em defesa da "honestidade e da inocência" de Uribe, em uma desafio à decisão da Suprema Corte.

"A prisão domiciliar de Uribe é o teste mais crítico do Estado de Direito na Colômbia nesta última década", diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas do órgão. "A administração de Duque e o partido que está no governo precisam respeitar a decisão da corte e a independência entre os poderes para assegurar que Uribe seja defendido por meio de processos legais, e não por pressões e ameaças."

Para a analista política María Jimena Duzán, a polarização vinha aumentando desde 2016, ano do plebiscito sobre o acordo de paz com as Farc, e agora ganha um elemento novo, que pode ter duas consequências políticas: o renascimento de Uribe, ao se apresentar como vítima de um sistema judicial que não considera justo, e o enfraquecimento de Duque, que, ao apoiar o padrinho, deixa evidente que sem o ex-presidente não tem base para governar.

"O Centro Democrático só funciona com Uribe no comando, há setores que não gostam de Duque, consideram-no muito brando. Uribe preso pode abrir espaço para uma derrota nas urnas", afirma ela.

Duzán considera essencial, neste momento, a defesa de que a Justiça se mantenha "afastada de brigas políticas e faça seu trabalho". Cita como exemplo a tentação de "cair na cilada da narrativa uribista", segundo a qual é injusto que o ex-comandante das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño, esteja no Congresso, e Uribe, preso.

"Ele está no Congresso porque o Estado assinou um pacto com a guerrilha, referendado por Congresso e Justiça. Parte do preço a pagar para terminar com a guerra foi aceitar líderes das Farc no Parlamento."

Há também críticas ao fato de haver dois tribunais diferentes atuando na Colômbia hoje. A Justiça comum e a JEP (Justiça Especial de Paz), criada pelo acordo de 2016, para julgar os crimes cometidos durante as décadas da guerra, ressarcir vítimas e dar penas alternativas ou anistias a quem cometeu delitos menos graves e colaborou com informações.

“Há muita resistência ao trabalho da JEP devido a essa suposta maneira mais branda de tratar os crimes. Uribe gostaria de ser julgado ali, neste contexto, só que não cabe”, diz Victor de Correa-Lugo, autor de estudos sobre o conflito colombiano.

“Ainda que tenha tido papel na guerra, era o presidente. O desafio de ambas as entidades de Justiça será se manterem livres da pressão política.”

Para Duzán, as Farc desmobilizadas, que hoje compõem um partido político, também vêm falhando na apresentação dos fatos à JEP.

“Esse tribunal não nasceu para ratificar a narrativa de que sequestros e recrutamentos de menores era uma necessidade da guerra. E sim para que eles relatem toda a verdade sobre o que ocorreu. Foi isso que assinaram. O objetivo do acordo é a verdade e a reparação dos crimes, não o de ver quem tem a melhor narrativa. E, nesse ponto, as Farc vêm falhando.”

Correa-Lugo afirma que Duque agora deve se concentrar na defesa de sua gestão em meio à pandemia e à crise política, o que aumenta a falta de interesse em implementar o resto do acordo de paz.

“A maior parte do documento do acordo aprovado em 2016 trata de reforma agrária, de uma melhor divisão das terras na Colômbia. Algo que Uribe sempre foi contra. Ele colocou Duque no cargo para impedir que isso aconteça", diz ele.

"Portanto, se o presidente continuar reduzindo o acordo a essa disputa judicial sem dar atenção aos outros problemas que o Estado se comprometeu a resolver, as Farc continuarão na defensiva, e o presidente pode jogar fora a oportunidade de esclarecer a verdade, que é o que as vítimas merecem.”

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