Descrição de chapéu The New York Times

Reitor de universidade evangélica dos EUA se afasta após escândalo sexual

Jerry Falwell Jr. estava de licença da Universidade Liberty depois de reações a foto em rede social

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ruth Graham
The New York Times

Jerry Falwell Jr. sempre fez questão de ressaltar que não estava tentando ser um líder moral. Ele contava piadas sujas, insultava outros cristãos e se deixava fotografar em festas em iates e boates. Mas raramente pedia desculpas ou expressava qualquer remorso.

“Nunca fui pastor”, explicou ele no Twitter no ano passado. E gostava de dizer a repórteres que Jesus não disse a César como devia administrar Roma.

Sempre foi uma postura incomum para o diretor de uma instituição evangélica. Mas Falwell conseguiu mantê-la até recentemente, superando percalços e seguindo adiante, graças ao seu sucesso financeiro —sob sua direção, a dotação recebida pela universidade chegou a US$ 1,6 bilhão— e à boa vontade alheia devida à estima institucional em que era tido seu pai, que fundou a Universidade Liberty e foi tanto pastor quanto administrador.

Jerry Falwell Jr. discursa durante formatura no campus da Universidade Liberty - Jared Soares - 12.mai.2012/AFP

Na terça-feira (25), após 48 horas caóticas em que um escândalo sexual veio à tona, e Falwell renunciou a seu cargo, mudou de ideia e então voltou a renunciar, ele se viu oficialmente afastado como reitor e chanceler da Universidade Liberty, influente instituição evangélica sediada em Lynchburg, na Virgínia.

Muitos estudantes e outros com vínculos com a universidade receberam sua saída com alívio. Um fluxo aparentemente constante de controvérsias teria finalmente chegado ao fim.

“Eu não esperava que ele fosse um líder espiritual, mas esperava, sim, que fosse um exemplo espiritual”, comentou o estudante de engenharia mecânica Eli Best, cujo irmão, Calum, foi cofundador do grupo de ex-alunos Save 71, que fez campanha pelo afastamento de Falwell.

“O reitor de uma universidade que não vive segundo suas próprias diretrizes em matéria de bares, álcool e sexualidade –esses sinais me alertaram para o perigo. Foi como um sinal piscando à nossa frente.”

Brooke Smoke, estudante de inglês, comentou sobre a saída de Falwell: “Ninguém via a hora de isso acontecer. Graças a Deus o bruxo morreu”.

Falwell sugeriu que está feliz por estar deixando a universidade para trás. “A frase que não sai de minha cabeça neste momento é de Martin Luther King Jr.: ‘Livre finalmente, livre, enfim, graças a Deus todo-poderoso, estou livre enfim’”, disse ele nesta terça-feira (25) ao repórter de um jornal de Lynchburg.

Falwell não respondeu a pedidos de comentários do New York Times.

A segunda-feira (24) foi o primeiro dia de aulas do semestre de outono na Universidade Liberty. Num campus onde as aulas frequentemente começam com uma oração, alguns professores aludiram à incerteza do momento e pediram aos estudantes que orassem pelo futuro da instituição e pela família Falwell.

O pastor do campus, David Nasser, postou um tuíte para lembrar aos estudantes que a capela fica aberta 24 horas por dia para os interessados em orar ou buscar orientação espiritual. Nasser falaria aos estudantes diretamente num culto na noite de quarta-feira (26).

Falwell estava de licença desde 7 de agosto, depois das reações negativas a uma foto que ele postou no Instagram que o mostrava posando com o zíper das calças parcialmente aberto e seu braço em volta de uma mulher jovem que ele disse mais tarde ser a assistente de sua esposa. Ele segurava um copo de líquido escuro que disse, na legenda, ser “apenas água preta”.

Estudantes e docentes da Universidade Liberty são proibidos de beber álcool, e o código de honra estudantil incentiva os estudantes a “seguir normas de bom-senso para evitar a aparência de impropriedade”.

“Quando você diz que forma defensores de Cristo, quer um defensor de Cristo para comandar a organização”, comentou o pastor Brandon Pickett, diplomado pela Universidade Liberty, falando do lema da instituição. “Isso significa um defensor de Cristo que leva uma vida pública e privada como a de Cristo.” Pickett hoje é professor adjunto na Universidade Liberty, onde seus dois filhos estudam.

A saída de Jerry Falwell Jr. foi o ponto culminante de uma sequência extraordinária de fatos que começou na noite de domingo (23), quando Falwell divulgou comunicado dizendo que sua esposa, Becki, teve um relacionamento sexual com um homem que mais tarde tentou extorquir o casal em troca de silêncio.

O comunicado pareceu antever uma entrevista com a Reuters que seria publicada no dia seguinte e na qual o homem em questão, Giancarlo Grande, disse que tinha encontros sexuais regulares com Becki Falwell, com Jerry Falwell assistindo.

Em declaração divulgada na terça-feira, Granda negou ter tentado extorquir a família e descreveu Jerry Falwell como “predador”, alegando mais impropriedades. Também admitiu que, quando foi questionado sobre isso pelo New York Times no ano passado, negou que tivesse ocorrido um caso extraconjugal.

O escândalo provocou pronta ação por parte do conservador conselho de curadores da universidade, escolhidos a dedo por sua lealdade a Falwell e ao pai dele, Jerry Falwell Sr. Mas a saída de Falwell foi tão cheia de obstáculos e tropeços quanto sua direção recente da instituição.

Na segunda à tarde, Falwell disse ao conselho e a jornalistas que estava renunciando, mas então mudou de ideia repentinamente, antes de acabar enviando uma carta de renúncia mais tarde na mesma noite.

O comitê executivo do conselho se reuniu na manhã da terça-feira e votou por aceitar a renúncia de Falwell imediatamente. O conselho completo então convocou uma teleconferência emergencial e confirmou a saída de Falwell por unanimidade.

Ele vai receber o acerto previsto em seu acordo de emprego, segundo o comunicado do conselho, que não especificou o valor. Falwell também renunciou a seu cargo no conselho.

Os detalhes sórdidos do escândalo envolvendo Granda levaram a notícia a se disseminar rapidamente no campus de 15 mil estudantes.

O estudante de segundo ano de administração de empresas John Sharp Jr. disse que ele e seus colegas no campus ouviram um clipe de áudio de 2018 publicado pela Reuters que seria de uma conversa entre os Falwell e Granda. No clipe, alguém identificado como Jerry Falwell dizia em tom de brincadeira que os relacionamentos de Granda com outras mulheres deixariam Becki Falwell com ciúmes.

“Ficamos ouvindo de queixo caído”, disse Sharp. “Já ouvimos as vozes de Jerry e Becky muitas vezes no Convo [os encontros de estudantes realizados duas vezes por semana na universidade]. Eram as vozes deles, sem sombra de dúvida.”

Jerry Falwell converteu a Universidade Liberty numa instituição de influência enorme. Mas ele próprio foi pivô de várias controvérsias.

Depois de um massacre a tiros em San Bernardino, na Califórnia, em 2015, ele disse a estudantes em uma assembleia no campus que, se mais pessoas tivessem porte de arma, “poderíamos acabar com esses muçulmanos antes de eles entrarem e nos matarem”.

Ele foi acusado de não respeitar os limites entre as finanças da universidade e as de sua família. Falwell se retratava como provocador no Twitter, onde frequentemente insultava outros líderes cristãos. E suas críticas cruéis foram atraindo cada vez mais atenção da mídia após seu endosso surpreendente a Donald Trump para presidente, no início de 2016.

“Quase chegamos a ter uma monarquia, mas não se vê isso em nenhuma outra universidade, nas quais os reitores são escolhidos com base em suas qualificações e habilidades”, comentou Tavia Bruxellas, estudante de último ano que preside o Senado estudantil. “Todo o mundo enxerga a Liberty como uma grande universidade republicana. Os estudantes estão realmente fartos disso.”

“Estamos rezando pela família Falwell e torcendo para tudo acabar bem, mas estamos dispostos a deixar que a Universidade Liberty faça o que ela faz melhor.”

Tradução de Clara Allain

Erramos: o texto foi alterado

A legenda da foto de uma versão anterior deste texto afirmou incorretamente que o ex-reitor Jerry Falwell Jr. era pastor evangélico, o que ele nunca foi. A informação foi corrigida.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.