“Foi a noite mais aterrorizante da minha vida. Senti mais medo que na linha de frente em Donbass [onde tropas russas e ucranianas se enfrentaram em 2014]”, disse Jakub, correspondente polonês que havia saído de Minsk e voltado para Varsóvia no dia 11.
Na véspera, ele correu e pulou cercas para escapar da repressão policial. Passou a madrugada agachado, temendo ser visto por agentes da tropa de choque que a cada 15 minutos vinham fumar um cigarro a poucos metros de distância.
“Meus colegas pegos foram muito espancados. Não há a menor segurança”, afirmou o jornalista na terceira noite de protestos contra a eleição que apontou vitória, sob suspeita de fraudes, de Aleksandr Lukachenko.
As informações eram de 50 repórteres presos, e vídeos na internet mostravam equipes de TV apanhando gratuitamente, apesar de usarem credenciais e coletes de identificação.
Com a pressão sobre a imprensa internacional, era difícil encontrar contatos na Belarus sem os quais reportar no país seria inviável: lá, poucos falam inglês ou línguas latinas.
O russo é a primeira língua, tanto falada quanto escrita. O bielorrusso, língua eslava também oficial, é usada em alguns locais, como o metrô. Ambas usam o alfabeto cirílico, o que complica um pouco a orientação.
Além disso, com o governo prendendo a esmo, o trabalho envolvia riscos para os repórteres e para os guias. O experiente repórter russo indicado por um colega havia sido torturado e deportado, e nomes passados por um jornalista português não atenderam telefonemas nem responderam a mensagens —o bloqueio da internet pelo governo também não ajudava.
Depois de cinco dias de tentativas frustradas, uma força-tarefa de ativistas brasileiros, húngaros e bielorrussos encontraram duas moradoras de Minsk dispostas a fazer as traduções e ajudar a navegar pela cidade.
Passagens e hospedagem foram reservadas seis horas antes do embarque. Não havia tempo para pedir permissão oficial ao governo bielorrusso (e chance diminuta de que ela fosse concedida).
“Leve dinheiro vivo e não mande nenhuma reportagem enquanto estiver lá”, recomendou o colega Igor Gielow, com muita experiência em coberturas de risco.
No desembarque, um aviso pela rede social dizia que os celulares estavam sendo revistados, o que provocou minutos angustiantes à caça de fotografias ou mensagens que precisassem ser apagadas antes de passar pela imigração.
Sem os equipamentos pesados e vistosos de uma equipe de TV, a entrada e a circulação pelo país não tiveram entraves, embora a tensão fosse constante. A presença de estrangeiros não é comum em Minsk e ainda mais inesperada em um momento de tumulto.
A repressão policial havia recuado muito desde a chegada da reportagem da Folha, no dia 15, mas voltou na véspera da partida, no dia 19. Naquela quarta-feira, avenidas do centro foram bloqueadas, isolando toda a quadra do apartamento reservado.
O noticiário mostrava jornalistas poloneses e franceses sendo barrados no aeroporto. As lâmpadas se apagaram justamente no poste em frente à janela do apartamento, aumentando a paranoia e disparando uma sessão noturna de envio de documentos para a nuvem e limpezas do disco do computador.
Apesar da tensão, não houve perguntas na saída do país, e o segundo risco da viagem, o da epidemia de Covid-19, foi afastado por um teste para coronavírus realizado na chegada, que deu negativo.
Veja as outras reportagens da série sobre Belarus:
- Bielorussos relatam torturas e surras após protestos contra resultado de eleição
- Belarus oscila entre euforia e depressão em movimento para derrubar ditadura
- Folha passa a designar Belarus como ditadura
Afinal, o que está ocorrendo na Belarus?
Quando e por que começaram os conflitos?
No dia 9, pesquisa que deu mais de 80% dos votos para o ditador Alexandr Lukachenko iniciou ato contra fraude eleitoral, reprimido com brutalidade nas três primeiras noites. Há relatos de surras, estupros e torturas, inclusive de menores de idade e pessoas que não protestavam, com centenas de feridos e ao menos 3 mortos (a ONU fala em 4 mortes).
Quem se manifesta contra o governo?
Eleitores da oposição, mulheres de todas as idades, entidades de direitos civis, artistas, trabalhadores de algumas grandes estatais, alguns ex-militares, policiais e membros da máquina estatal que renunciaram. Cerca de 300 empresários de tecnologia ameaçaram deixar o país.
Ainda há detidos?
Segundo a ONU, neste sábado (22) 100 dos 7.000 detidos seguiam presos, dos quais 60 acusados de crimes graves. Ao menos 8 estão desaparecidos.
O que querem os manifestantes?
O protesto não é unificado, mas há 5 reivindicações comuns: 1) a saída de Lukachenko, 2) novas eleições livres, 3) o fim da violência policial, 4) a punição dos responsáveis por tortura, 5) a libertação dos presos políticos.
Os protestos estão aumentando ou refluindo?
Houve alta até o domingo (16) e redução na última semana, mas continuam ocorrendo todos os dias em dezenas de cidades. Greves crescentes até terça (18) foram reprimidas pela polícia e por ameaças de demissão. Renúncias de militares e membros do governo continuam ocorrendo.
As manifestações são apenas contra Lukachenko?
Atos a favor do ditador começaram no dia 16, em Minsk, e em outras cidades. Parte dos participantes são trazidos de ônibus e há relatos de coerção.
A eleição pode ser anulada?
A oposição contestou o resultado na Comissão Eleitoral, mas o recurso foi negado. Nesta sexta (21), a oposição entrou com pedido de anulação no Supremo Tribunal. A resposta deve sair em até cinco dias.
Quem lidera a oposição?
Não há liderança clara. Svetlana Tikhanovskaia, que assumiu a campanha de seu marido quando ele foi preso, representou uma frente de três candidaturas, mas se exilou na Lituânia após o pleito. Um conselho de transição foi criado, mas o governo não aceitou receber interlocutores e abriu processo criminal contra o grupo.
Qual o interesse russo na Belarus?
O país separa a Rússia das tropas da Otan situadas na União Europeia e passam por ele um quinto do gás e um quarto do petróleo exportados pelos russos para a Europa.
A Rússia pode intervir contra os manifestantes?
É improvável, pois o apoio explícito de Putin a um líder considerado ilegítimo poderia mudar o atual quadro de simpatia dos bielorrussos por Moscou.
Lukachenko pode cumprir o 6º mandato?
Depende da força e da duração dos protestos e greves, da pressão de empresários externos, da defecção de membros do alto escalão do governo e da existência de alternativas consideradas confiáveis pela Rússia.
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