Seis dias após explosão em Beirute, premiê do Líbano anuncia renúncia do governo

Sob acusações de negligência e pressão de manifestantes, Diab confirma demissão coletiva de gabinete

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São Paulo | Reuters e AFP

O primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, anunciou a renúncia do governo nesta segunda-feira (10), quase uma semana após a megaexplosão que destruiu metade de Beirute e deixou ao menos 220 mortos.

A saída do premiê era uma das exigências dos manifestantes que tomaram as ruas durante o fim de semana —grande parte dos libaneses considera a negligência do governo a principal causa do incidente.

Durante pronunciamento na TV, o premiê Hassan Diab anuncia a renúncia coletiva do governo
Durante pronunciamento na TV, o premiê Hassan Diab anuncia a renúncia coletiva do governo - Dalati e Nohra/AFP

No discurso transmitido pela TV no qual anunciou a renúncia coletiva, Diab fez coro às críticas dos manifestantes, atacou a elite política do país e disse que foi impedido de fazer mudanças no Líbano.

“Hoje seguimos o povo em sua vontade de uma mudança real e de ver responsabilizados os culpados ​​pelo desastre, que estão se escondendo há sete anos", afirmou o premiê. "Esse desastre é o resultado da corrupção endêmica. Descobri que a corrupção é maior do que o Estado."

O agora ex-primeiro-ministro citou ainda "um muro grande e espinhoso, fortificado por uma classe que recorre a métodos sujos para resistir e para preservar suas vantagens", que separaria o país da mudança.

Diab se tornou premiê em janeiro, após dois meses de indefinição decorrente da renúncia de seu antecessor, Saad Hariri, em outubro de 2019. Assim, o país, mergulhado em uma crise econômica profunda, marcada por depreciação monetária sem precedentes, hiperinflação, demissões em massa e restrições bancárias, troca o governo pela segunda vez em menos de um ano.

Engenheiro e professor universitário, ele já tinha sido ministro da Educação entre 2011 e 2014 e tem perfil considerado discreto. Não é filiado a nenhum partido.

A renúncia de Diab e do restante do gabinete foi aceita pelo presidente Michel Aoun, mas tanto o premiê quanto os ministros devem permanecer nos cargos até que um novo governo seja formado e aprovado pelo Parlamento —ainda não há uma previsão de quando isso deve ocorrer.

A escolha do novo governo deve ser dificultada pela divisão religiosa do país. Segundo a Constituição, o presidente obrigatoriamente tem de ser um cristão, enquanto o chefe do Parlamento, um xiita, e o premiê, cargo agora em jogo, um muçulmano sunita. Mas nenhum partido tem maioria no Parlamento.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, parte dos deputados do país estuda apresentar uma renúncia coletiva para forçar uma nova eleição imediatamente. No sábado (8), Diab já tinha defendido a antecipação do pleito, mas sem anunciar uma nova data.

Antes de o premiê renunciar, ao menos quatro ministros e nove deputados já haviam deixado seus cargos nos últimos dias, pressionados pelos atos que levaram dezenas de milhares às ruas contra o governo.

Um deles, o agora ex-ministro de Relações Extreriores, Nassif Hitti, deixou o posto na véspera da explosão, com advertências de que "a ausência de vontade efetiva de alcançar uma reforma estrutural abrangente" poderia transformar o Líbano em um Estado fracassado.

Após a explosão, a primeira a renunciar foi a ministra da Informação, Manal Abdel Samad, no domingo (9). Ela pediu desculpas aos libaneses por "não saber responder às suas expectativas".

Pouco depois, o titular da pasta do Meio Ambiente, Damianos Kattar, também anunciou a saída "à luz da enorme catástrofe", acrescentando que havia perdido as esperanças em um "regime estéril que estragou várias oportunidades".

Nesta segunda, foi a vez de Marie-Claude Najm, ministra da Justiça. Ela disse que estava renunciando com a "convicção de que permanecer no poder nessas condições, sem uma mudança fundamental no sistema, não levará à reforma que trabalhamos para conseguir".

O titular das Finanças, Ghazi Wazni, chegou a apresentar o pedido de renúncia, mas sua saída não havia sido formalizada antes do pronunciamento do primeiro-ministro.

Pela lei libanesa, o premiê é obrigado a renunciar caso perca mais do um terço de seus 20 ministros. Segundo o Guardian, parte do gabinete avisou Diab durante uma reunião de emergência pela manhã que renunciaria para obrigá-lo a fazer o mesmo, caso ele não aceitasse deixar o cargo de maneira voluntária.

Sem alternativa, Diab cedeu à pressão e decidiu renunciar junto com o restante do gabinete. A decisão pode dificultar ainda mais as conversas com o Fundo Monetário Internacional para um resgate financeiro.

As negociações, iniciadas em maio, foram suspensas devido à inércia na condução das reformas e uma disputa entre governo, bancos e políticos sobre a escala das perdas financeiras do país.

A explosão na zona portuária de Beirute, cujas circunstâncias ainda não estão claras, teria sido causada por um incêndio que afetou um enorme depósito que armazenava 2.750 toneladas de nitrato de amônio, um composto químico usado para a produção de fertilizantes e de explosivos.

O governo prometeu responsabilizar os culpados, mas poucos cidadãos estão convictos de que isso acontecerá. Para muitos, a explosão foi uma terrível lembrança da guerra civil que durou de 1975 a 1990 e que dividiu a nação e destruiu áreas de Beirute, muitas das quais já haviam sido reconstruídas.

Informações preliminares indicam que o material estava no porto havia cerca de seis anos, trazido por um navio que fez uma parada em Beirute e acabou retido devido às más condições de manutenção.

A embarcação foi então abandonada pelos donos e pela tripulação, e o governo recolheu a carga para um depósito. Após a explosão, o governo ordenou a prisão domiciliar de ao menos 16 autoridades do porto, enquanto a investigação apura se houve negligência.

Para muitos libaneses, a explosão foi a gota d'água em uma crise prolongada que engloba o colapso da economia, corrupção e governança disfuncional, o que os leva outra vez às ruas por uma mudança radical.

Nesta segunda, antes do anúncio de Diab, os protestos ocorreram pelo terceiro dia consecutivo no centro de Beirute, com manifestantes atirando pedras contra as forças de segurança que protegiam uma entrada que leva ao Parlamento. Em resposta, receberam bombas de gás lacrimogêneo.

"O regime todo precisa mudar. Não fará diferença se houver um novo governo", disse Joe Haddad, um engenheiro de Beirute, à agência de notícias Reuters. "Precisamos de eleições rapidamente."

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