Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Responsáveis por prisão de Bannon podem gerar mais dor de cabeça a Trump antes da eleição

Presidente aposta em vacina contra Covid-19 como trunfo, mas 'surpresa de outubro' pode ser desagradável para republicano

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São Paulo

No jargão político americano, uma “surpresa de outubro” é um acontecimento impactante e inesperado, que ocorre pouco antes da eleição presidencial e tem força para afetar o resultado.

O presidente Donald Trump aposta que sua surpresa de outubro será o anúncio triunfal da vacina contra a Covid-19, que vai eliminar a vantagem do democrata Joe Biden nas pesquisas e garantir sua reeleição em novembro.

O presidente americano, Donald Trump, faz discurso em reunião em Arlington, Virgínia, em 21 de agosto.
O presidente americano, Donald Trump, faz discurso em Arlington, na Virgínia - Tom Brenner - 21.ago.2020/Reuters

Mas observadores em Washington temem que a surpresa deste ciclo eleitoral seja outra, bem menos agradável. Os procuradores do Southern District of New York (SDNY, na sigla em inglês, a procuradoria geral com jurisdição sobre oito condados do estado de Nova York) estariam cheios de “mimos” para distribuir nas próximas semanas.

A SDNY se tornou a inimiga número 1 de Trump. De lá veio a investigação que determinou o indiciamento e prisão do ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, na quinta-feira (20).

Bannon, que foi o arquiteto da vitória de Trump em 2016 e trabalhou no primeiro ano do governo, é acusado de desvio de recursos em uma campanha para arrecadar fundos para a construção do muro com o México. Ele nega ter cometido o crime e foi libertado após pagar fiança.

A mesma procuradoria de Justiça supervisiona investigações sobre vários aliados de Trump. Uma delas levou ao indiciamento de dois sócios de Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump. Giuliani, que liderou a ofensiva de Trump na Ucrânia para descobrir podres de Joe Biden e seu filho Hunter, agora estaria sob investigação, acusado de violar as leis de lobby para entidades estrangeiras nos EUA.

A SDNY também levou ao indiciamento do ex-advogado e quebra-galho de Trump, Michael Cohen, por sonegação e fraude fiscal e por violações de leis eleitorais —que teria desrespeitado ao direcionar pagamentos a duas mulheres que disseram ter mantido relações sexuais com o republicano: a ex-atriz pornô Stormy Daniels e a ex-modelo da Playboy Karen McDougal.

Em outras jurisdições, muitos outros aliados ou integrantes da campanha de Trump foram indiciados. Paul Manafort, ex-chefe da campanha, cumpre prisão domiciliar, condenado por fraude bancária e fiscal.

Roger Stone foi condenado por mentir ao Congresso e tentar coagir testemunhas, mas recebeu indulto presidencial antes de começar a cumprir a pena.

Em junho, o governo Trump tentou neutralizar o inimigo. O secretário de Justiça, o trumpista William Barr, pressionou o procurador chefe da SDNY, Geoffrey Berman, a pedir demissão. Berman era visto como uma pedra no sapato de Trump, por estar à frente de todas essas investigações da entourage trumpista.

A ideia era substituí-lo por Jay Clayton, parceiro de golfe de Trump e presidente da Securities and Exchange Commission, a Comissão de Valores Imobiliários dos EUA. Mas a ofensiva saiu pela culatra —Berman não pediu demissão, acabou demitido por Trump, e quem assumiu, seguindo as regras, foi a vice-procuradora, Audrey Strauss.

Fiel aliada de Berman, Strauss não recuou e está prosseguindo com os casos politicamente sensíveis, como o de Bannon.

Para completar, Trump teve um revés em sua batalha judicial para não divulgar suas declarações de imposto de renda, uma prática da maioria dos presidentes americanos. Nesta semana, um juiz federal negou o pedido de Trump para não repassar às autoridades, no âmbito de uma investigação, suas declarações de imposto.

Trump deve recorrer novamente à Suprema Corte. A investigação apura "supostas fraudes bancárias e de seguros da Organização Trump e seus funcionários", segundo a promotoria de Nova York.

Esse front fiscal também pode render notícias inesperadas.

Trump, como de costume, critica as investigações sobre ele e seus aliados, afirmando se tratar de “caça às bruxas”. Ele culpa o chamado “deep state” —teoria de conspiracionistas que acreditam que parte dos funcionários públicos federais querem sabotar o governo de Trump.

O próprio Bannon também pode dar mais problemas. Ele está sendo investigado ao lado de seu ex-patrão, o bilionário chinês Guo Wengui. Wengui fugiu da China em 2014, acusado de corrupção, sequestro e estupro. Ele afirma ser perseguido pelo Partido Comunista Chinês.

Segundo revelou o Wall Street Journal, uma empresa de mídia ligada a Bannon e Guo levantou US$ 300 milhões em uma emissão de papéis e agora está sob investigação.

Enquanto todas essas tempestades se anunciam, Trump confia cada vez mais no poder do pensamento positivo. O republicano repete várias vezes ao dia que está próximo o momento da descoberta da vacina para a Covid-19.

Segundo ele, a droga vai estar pronta "muito, muito rapidamente, antes do fim do ano, bem antes do planejado".

O presidente admite que a notícia poderia beneficiá-lo na eleição. "Não era mal, não era mal. Mas eu não estou fazendo isso por causa da eleição. Quero a vacina rapidamente porque quero salvar muitas vidas."

Teme-se que Trump esteja disposto a fazer de tudo, até anunciar uma vacina que ainda não tem comprovação científica e pode causar efeitos colaterais.

Ele espera que a imunização apague seu desempenho pífio no combate à doença, que já matou mais de 170 mil pessoas e contaminou mais de 5 milhões nos EUA, o país mais afetado no mundo.

Há várias vacinas em testes, e um anúncio não é improvável. Resta saber se não haverá nenhuma surpresa desagrável antes, no front judicial.

Em tese, há uma moratória de 60 dias antes da eleição em que o Departamento de Justiça e agências federais ficam impedidos de anunciar ações que possam influenciar a votação.

Mas essa regra já foi desrespeitada várias vezes. Em 2016, por exemplo, o então diretor do FBI, James Comey, revelou a uma semana da votação uma investigação sobre possível irregularidades no uso de e-mails por Hillary Clinton enquanto era secretária de Estado.

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