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Venezuela usa pandemia para perseguir opositores, diz ONG

Relatório da Human Rights Watch aponta abusos da ditadura durante crise sanitária

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Buenos Aires

A ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, utiliza a pandemia do coronavírus como justificativa para realizar mais detenções arbitrárias contra críticos do regime e cometer mais abusos contra prisioneiros políticos, segundo relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta sexta-feira (28).

A investigação aponta que os principais perseguidos são médicos, políticos, jornalistas, advogados e defensores de direitos humanos.

"Está havendo um avanço policial do Estado, usando a Lei contra o Ódio, que priva advogados de terem acesso a expedientes e dá ainda mais liberdade às forças de segurança para que avancem contra os direitos dos cidadãos", diz à Folha Tamara Taraciuk, vice-diretora da divisão das Américas da HRW.

Pessoas de máscara sentam no chão enquanto policiais estão em pé
Policiais detêm pessoas no meio da rua por desrespeito a medidas de distanciamento social em Caracas, na Venezuela - Manaure Quintero - 5.ago.20/Reuters

Essa legislação foi criada em 2017 pela Assembleia Nacional Constituinte, órgão chavista, com o objetivo de "castigar delitos de ódio e de intolerância em todas as suas formas de expressão".

No entanto, a norma, que estabelece penas de até 20 anos de cadeia, tem sido aplicada contra opositores do regime, para expropriar meios de comunicação, restringir a liberdade de expressão e reprimir protestos.

A lei passou a ser usada com maior frequência em meados de março, quando a ditadura declarou "estado de exceção" em todo o território venezuelano para combater a pandemia.

"O uso dessa legislação de modo amplo tem limitado a ação dos advogados de defesa, além de justificar abusos físicos por parte dos grupos armados a serviço do regime", diz o texto da Human Rights Watch.

Um dos aspectos mais preocupantes do relatório, para a entidade, é a perseguição a médicos na linha de frente do combate ao vírus. Muitos estão sendo presos por expressar em grupos de WhatsApp ou nas redes sociais opiniões sobre a pandemia ou por divulgar informações sobre o número de casos divergentes das estatísticas oficiais.

Até trocas de informações sobre pacientes —para discutir tratamentos ou formas de obter medicamentos— têm sido penalizadas. "Trata-se de um esforço organizado para silenciar a realidade", diz Taraciuk.

O relatório também reúne casos de jornalistas que foram detidos ou penalizados por informar estatísticas relacionadas ao coronavírus. O estado de exceção, previsto na Constituição, tem um prazo válido de 60 dias. Maduro já o prorrogou cinco vezes, mesmo com a objeção da Assembleia Nacional, de maioria opositora, considerada "em desacato" pelo regime e cujas decisões não são respeitadas.

A medida também autoriza as forças de segurança, incluindo Exército, polícia e "coletivos (paramilitares), a realizarem inspeções em residências e em propriedades privadas sem necessidade de ordem judicial.

Essas inspeções seriam, segundo o regime, para investigar se as regras de quarentena estão sendo respeitadas. Nelas, vítimas relataram à HRW que a violência tem sido usada. Além disso, telefones celulares e computadores foram investigados, e arquivos considerados inapropriados, como fotos, vídeos, reproduções de relatórios, arquivos de texto e emails, tiveram de ser apagados.

O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos havia informado em julho que havia uma "aplicação seletiva" do estado de exceção na Venezuela, direcionada a opositores do regime. E que, nesta tarefa, as forças de segurança estavam intimidando e perseguindo opositores, manifestantes e jornalistas, assim como organizações sociais que atuam em bairros carentes.

Um dos casos de tortura descritos no relatório é o de um militante de direitos humanos que foi detido num ato e levado a um centro militar, onde foi amarrado a uma coluna e deixado ali por várias horas, sem água nem alimentação. Antes de ser liberado, foi espancado pelos integrantes da Guarda Nacional Bolivariana, .

Outro caso é o de um advogado que havia criticado autoridades municipais nas redes sociais. Também foi levado a um destacamento militar, amarrado no pátio por mais de 20 horas e exposto a golpes.

A situação tem o agravante de que tribunais, delegacias e a procuradoria têm funcionado com horários limitados, devido às regras de quarentena. Isso faz com que seja mais difícil registrar queixas de abusos.

No relatório, a ONG pede às autoridades venezuelanas que "as restrições impostas para responder ao vírus respondam a objetivos legítimos de saúde pública e não sejam usadas apenas para calar as vozes contrárias ao governo".

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