Argentina estabelece cota de transgêneros, transexuais ou travestis no setor público

Para primeira mulher trans em subsecretaria, medida ajuda a combater estigmatização

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Buenos Aires

O governo argentino estabeleceu, por meio de um decreto presidencial, que o setor público deverá contar com ao menos 1% de servidores transgêneros, transexuais ou travestis.

A decisão do presidente Alberto Fernández foi replicada no Senado —comandado pela vice-presidente, Cristina Kirchner, que estabeleceu que a cota também seja respeitada entre os funcionários do Congresso.

O registro será voluntário e não é necessário que a pessoa tenha pedido a alteração em sua documentação pessoal —na Argentina, a mudança de nome e de sexo no documento de identidade é permitida desde 2012. Desde então, mais de 9.000 pessoas realizaram o procedimento.

retrato de Alba Rueda
Alba Rueda, a primeira mulher trans a ocupar uma subsecretaria de Estado na Argentina - Albarueda.ok no Instagram

"Temos a convicção de que a medida não apenas colabora para a integração dessa população ao mercado de trabalho como ajuda num processo de lutar contra a estigmatização que, no nosso país, impede que transgêneros, transexuais e travestis terminem os estudos, consigam empregos e vivam uma vida sem enfrentar tanto preconceito, além da violência contra elas", diz à Folha Alba Rueda, a primeira mulher trans a ocupar uma subsecretaria de Estado na Argentina.

Ela integra o gabinete do Ministério de Mulheres, Gênero e Diversidade.

O decreto presidencial estabelece que "essa população tem direito à proteção contra o desemprego, sem discriminação por motivos de identidade de gênero ou sua expressão". "Portanto, não é permitido estabelecer requisitos de empregabilidade que obstruam esses direitos."

Nascida e criada em Salta, uma província conservadora do norte da Argentina, Rueda disse que há uma preocupação de que a lei seja aplicada não apenas em centros metropolitanos mais afeitos à diversidade, mas também nos rincões mais conservadores do país.

"Como o decreto é nacional e se aplica a ministérios e órgãos que têm presença em todas as províncias, a ideia é que isso colabore para terminar com a discriminação ali também", afirma.

Ela conta que, por conta da discriminação sofrida no ambiente universitário, deixou inconcluso o curso de filosofia na Universidade de Buenos Aires.

"Aconteceu comigo como com grande parte dessa população. Isso precisa terminar. Esse decreto só poderá funcionar se for acompanhado de campanhas de capacitação, de informação e de um esforço da sociedade em terminar com o preconceito."

Mas Rueda acrescenta que isso não é um desafio que soa impossível, devido ao passado recente da Argentina. "Somos um país que é vanguarda no momento de avançar nas legislações de direitos civis e em temas de direitos humanos, como nos julgamentos dos repressores das ditaduras, na legalização do casamento igualitário antes de outros países da América Latina. Ou seja, essa medida é apenas coerente com um histórico que já temos. Há ambiente aqui para que esse decreto tenha sucesso", afirma.

Rueda começou a militar pelos direitos trans em 2003, e em 2006 passou a trabalhar no Inadi (Instituto Nacional Contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo), hoje comandado pela ex-deputada Victoria Donda, filha de desaparecidos políticos na última ditadura militar (1976-1983).

Entre os avanços alcançados por sua subsecretaria está a inclusão de uma pergunta sobre orientação sexual no censo nacional, realizado a cada dez anos.

"Precisamos de uma base de dados mais precisa sobre essa população. Não temos uma cifra de quantas pessoas são e sabemos que trabalhamos com números que são um subregistro, por enquanto", afirma.

Rueda diz ver com preocupação a onda conservadora vivida por diversos países do mundo e em alguns da região. "É importante que a Argentina continue sendo vanguarda, como exemplo a ser seguido, como aconteceu com o casamento gay."

Segundo dados da Unesco, na América Latina e no Caribe a expectativa de vida de pessoas trans oscila entre 34 e 41 anos, e 77% delas são expulsas de casa na infância. As estatísticas mostram também que 90% exercem trabalho sexual e 70% gostariam de ter outras opções de trabalho.

"Esses números nos escandalizam e é preciso mudá-los. A partir do setor público, queremos também incentivar a iniciativa privada a adotar medidas de inclusão dessa população", diz Rueda.

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