Boris apresenta projeto de lei que autoriza Reino Unido a violar partes de acordo do brexit

União Europeia repreendeu Londres e instou o país a cumprir os termos

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Londres | Reuters

O Reino Unido mergulhou as negociações comerciais do brexit em crise na quarta-feira (9) ao reconhecer explicitamente que poderia violar o direito internacional e ignorar algumas partes do tratado de divórcio da União Europeia, o que gerou uma rápida reprimenda do bloco.

Uma lei proposta pelo premiê britânico, Boris Johnson, dá a ministros o poder unilateral de deixar de aplicar regras do pacto que se referem ao controle aduaneiro de bens que transitem entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido —o ponto mais sensível das negociações do divórcio.

O premiê britânico, Boris Johnson, participa de sessão no Parlamento nesta quarta (9)
O premiê britânico, Boris Johnson, participa de sessão no Parlamento nesta quarta (9) - Jessica Taylor/AFP

Boris disse ao Parlamento que a legislação, chamada de Lei do Mercado Interno, criaria "uma rede de segurança jurídica para proteger nosso país contra interpretações extremas ou irracionais" do protocolo do acordo de saída da Irlanda do Norte.

​O governo britânico disse que o direito internacional seria violado "de uma forma muito específica e limitada".

No entanto, a lista de acordos que podem ser descumpridos inclui não apenas os dispositivos do protocolo da Irlanda do Norte, mas também "qualquer outro dispositivo do acordo de retirada da UE" e "qualquer outra lei da UE ou de direito internacional".

Entre as regras que poderiam ser desconsideradas está uma sobre a destinação de incentivos à Irlanda do Norte. A equipe de Boris vê esses auxílios como cruciais para garantir que o Estado possa incubar novas empresas globais de tecnologia sem impedimentos de Bruxelas.

A proposta será debatida nas duas câmaras do Parlamento e requer a aprovação de ambas antes de entrar em vigor.

O porta-voz do premiê afirmou que o acordo de divórcio da UE é diferente de qualquer outro tratado e foi "firmado no ritmo das circunstâncias políticas mais desafiadoras possíveis". Os oponentes acusaram Boris de hipocrisia depois de ele prometer antes da eleição de dezembro que tinha um "acordo comercial pronto".

O Reino Unido saiu da UE em janeiro, mas permaneceu integrante de seu mercado único, em grande parte livre de barreiras comerciais, sob um acordo que expira em dezembro. Londres e o bloco negociam um tratado comercial que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2021, mas os britânicos afirmam que abandonarão as tratativas se não conseguirem chegar a termos favoráveis.

A proposição da legislação, ocorrida no mesmo dia em que o negociador-chefe da UE chegou a Londres para uma nova rodada de negociações, sugere que Boris poderia estar tentando levar o bloco nesse mesmo sentido.

Mas fontes da UE disseram à Reuters que Bruxelas pressionará pela celebração de um pacto comercial.

Sem um acordo, o comércio anual de cerca de US$ 900 bilhões (R$ 4,8 trilhões) entre a quinta maior economia do mundo e seu maior bloco comercial seria mergulhado numa incerteza que afetaria desde regras sobre peças de automóveis e medicamentos a frutas e dados.

Houve pouco progresso nas negociações desde janeiro, e ambos os lados têm alertado recentemente sobre o risco de uma separação abrupta no final do ano. Mas os planos britânicos de mudar as leis nacionais de uma forma que possa minar seu acordo de divórcio são a maior ameaça ao processo até agora.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, escreveu prontamente em uma rede social que estava "muito preocupada com os anúncios do governo britânico sobre suas intenções de descumprir o acordo de saída".

“Isso violaria a lei internacional e minaria a confiança. Pacta sunt servanda = a base de relações futuras prósperas”, disse ela. A frase em latim, que significa "os acordos devem ser mantidos", é um princípio básico do direito internacional.

O primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, disse que falaria com Boris para expressar "preocupações muito fortes" sobre os planos, enquanto seu vice, Leo Varadkar, considerou o movimento como uma "ameaça kamikaze" que saiu pela culatra.

Questionado sobre como ele poderia esperar que os britânicos obedecessem à lei quando seu governo está disposto a ignorá-la, Boris disse: "Esperamos que todos neste país obedeçam à lei".

Membros seniores do Partido Conservador do premiê já expressaram indignação com a possibilidade de o governo considerar violar o direito internacional após décadas pedindo a outros que o defendam.

A Escócia e o País de Gales disseram que o projeto de lei, ao retirar poderes deles, enfraqueceria o próprio Reino Unido.

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