Brasileiro na Armênia relata tensão e solidariedade em meio a conflito com Azerbaijão

Empresas doam salários, e jovens são voluntários para ajudar forças de Nagorno-Karabakh

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São Paulo

Um mês depois de desembarcar na Armênia, em 2018, o paulista Caíque Gudjenian se viu no meio de uma revolução.

Era o movimento que derrubou o governo de Serzh Sargsyan, presidente do país de 2008 a 2018. No seu último ano no poder, disputou e venceu uma eleição para primeiro-ministro, gerando uma revolta contra seu regime autocrático apoiado pela Rússia de Vladimir Putin.

O brasileiro Caíque Gudjenian, que mora em Ierevan (Armênia), com o monte Ararat ao fundo
O brasileiro Caíque Gudjenian, que mora em Ierevan (Armênia), com o monte Ararat ao fundo - Caíque Gudjenian no Facebook

"Foi muito tranquilo. Eram pais, crianças na rua", conta Gudjenian, hoje com 25 anos. Em seis dias, Sargysian renunciou sem uma gota de sangue derramada, um caso raro na periferia do que já foi a União Soviética, e seu rival Nikol Pashinyan assumiu a chefia de governo.

Agora, dois anos e meio depois e vivendo como residente na capital Ierevan, Gudjenian teme estar entrando numa guerra.

"Está todo mundo muito tenso. Desde os ataques de domingo (27), ficou claro que não se tratava de uma disputa pontual, mas de uma operação grande do Azerbaijão", afirmou.

Naquele dia, forças azeris atacaram posições em Nagorno-Karabakh, o encrave armênio autônomo em seu território, que já causou uma guerra entre os países entre 1992 e 1994. Ierevan respondeu, e nesta terça a situação escalou com acusações mútuas de ações ao longo de toda a fronteira, não só no ponto disputado.

A Armênia também diz que a Turquia derrubou um avião militar seu atirando a partir do espaço aéreo azeri com um caça F-16, o que Ancara nega. "Todo armênio da diáspora sabe dos problemas, mas nunca estamos preparados quando algo assim acontece", afirma o paulista de Osasco.

Ele relata que a cidade está tomada por pontos de coleta de roupas, mantimentos e dinheiro para apoiar o que lá é chamado de República de Artsakh —Nagorno-Karabakh, ou Alto Karabakh, é a designação geográfica da área.

"Na minha empresa, doamos 20% dos salários e benefícios deste mês para as forças de lá", conta Gudjenian, que trabalha numa empresa de otimização de buscas na internet.

A mobilização militar decretada domingo por Ierevan não o atinge, já que tem visto de residência de dez anos, mas não dupla cidadania. "Meus pais e meus dois irmãos querem que eu volte, mas quero ajudar por aqui. Não quero voltar ainda", afirmou, descartando qualquer participação em combates.

Ele havia chegado para um programa de intercâmbio para membros da comunidade armênia no Brasil, que tem cerca de 60 mil pessoas, 50 mil delas em São Paulo. Nesta quarta (30), haverá um ato contra o Azerbaijão em frente à Fiesp, na avenida Paulista, às 18h30.

O ativismo em redes sociais está intenso na Armênia e entre membros da diáspora. Várias postagens cobram uma posição de defesa por parte da Rússia, aliada de Ierevan apesar de Pashinyan ter chegado ao poder na esteira de um movimento fortemente anti-Kremlin.

Os russos têm uma base militar com tanques e caças no leste do país, junto à fronteira turca. "Muitos querem que a Rússia intervenha, mas não vimos nada ainda", diz Gudjenian. Analistas em Moscou especulam que Putin se manterá fleugmático para subir o preço do auxílio à antiga república soviética.

Por ora, conta o brasileiro, não há sinais clássicos de uma guerra a caminho: o abastecimento está normal e não há toque de recolher. "Mas a cidade parou, ninguém consegue mais trabalhar", afirmou.

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